domingo, 20 de março de 2016

Desafios da Atualidade: Tolerância, diferenças e desigualdades

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política. Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

5 Tolerância, diferenças e desigualdades

O mundo que surge no século XXI é feito de países, regiões, populações distintas em relação a raça, etnia, religião, nacionalidade, cultura, hábitos e crenças. Essas populações, entretanto, nunca estiveram tão próximas, pois estão integradas por uma ordem mundial homogeneizante que as torna interdependentes.

Os meios de comunicação, por sua vez, aproximam essas regiões e suas populações, permitindo a troca de informações e mensagens. A sociabilidade entre grupos tão díspares nem sempre ocorre de forma amistosa ou tolerante. Há estranhamentos, xenofobias, racismos, intolerâncias. Tornando ainda mais hostil as relações entre grupos distintos, as migrações tendem a aumentar e a transferir populações de um território para outro. Trata-se de trabalhadores que buscam trabalho, moradia ou asilo político, porque são vítimas de desemprego, pobreza e perseguição em seus próprios países.

Fatores de expulsão, como o desemprego, a guerra, as rivalidades políticas, as disputas territoriais, juntam-se a fatores de atração, como a proximidade geográfica, a semelhança de língua, o desenvolvimento dos meios de comunicação e a homogeneização cultural decorrente da globalização. O pensador indiano Homi Bhabba fala de um pós-colonialismo que torna possível a convivência de populações distintas, antes ligadas por laços coloniais, como os ingleses e os indianos, ou os ibéricos e os latino-americanos.

Há entre elas, ao mesmo tempo, o estranhamento e a afinidade que vêm de um passado histórico partilhado, em que estão presentes os ressentimentos e as heranças culturais, as discriminações e as memórias comuns. Para que essas polaridades sejam superadas, é preciso que haja o exercício da tolerância, a descoberta do que o autor chama de entrelugares, ou seja, espaços híbridos e intervalares, nos quais existe a negociação de interesses, oportunidades, identidades entre os diferentes.

É no campo da atividade política que essa negociação se efetiva e a heterogeneidade se firma ao respeitar as diferenças. O reconhecimento dessas diferenças é um ponto importante da luta política na atualidade, na qual já não se encontram blocos homogêneos, mas díspares.

Os trabalhadores desempregados, temporários, semiespecializados e não especializados, homens e mulheres, os subempregados, os negros, as classes inferiores: esses signos de fragmentação de classe e do consenso cultural representam tanto a experiência histórica das divisões sociais contemporâneas como uma estrutura de heterogeneidade sobre a qual se poderia elaborar uma alternativa teórica e política (BHABBA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005. p. 55).

A construção democrática, portanto, exige uma atitude menos universalista, mais flexível e tolerante, na qual se torne possível a realização daquilo que está presente em todos nós, assim como a representação de nossas diferenças. Daí a democracia revestir-se de princípios de tolerância, pluralismo e complexidade, em lugar de divisões binárias, classistas ou polarizadas.


Cristina Costa

Desafios da Atualidade: Os impasses do desenvolvimento

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política. Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

4 Os impasses do desenvolvimento

O neoliberalismo, ao privilegiar a hegemonia do mercado na regulamentação da produção, assim como a revolução da informática e a automação, propiciou um intenso desenvolvimento econômico no mundo todo.

O Produto Interno Bruto (PIB) das diferentes nações cresceu, e a produção alcançou níveis inimagináveis. Porém, esses mesmos fatores levaram ao desemprego estrutural, ou seja, um desemprego decorrente da nova organização produtiva e do avanço tecnológico; logo, um desemprego funcional que não é setorial nem temporário e tende a aumentar. Deu-se, então, nas diferentes nações e nas relações internacionais uma grande concentração de renda. Segundo a procuradora do estado de São Paulo Flávia Piovesan, essa assimetria global permite que 15% dos países e empresas mais ricos concentrem 85% da renda mundial, enquanto os demais 85% de países e empresas se contentam com 15% do capital acumulado.

Essa tendência se reforça em diferentes países e regiões do mundo como parte da gestão política e administrativa da atualidade, e não parece ter capacidade de reverter a desigual distribuição de renda e os privilégios e benefícios que resultam do desenvolvimento da ciência e do mercado.

Quanto aos blocos regionais econômicos, vislumbram-se, do mesmo modo, os paradoxos que decorrem das tensões entre a tônica excludente do processo de globalização econômica e os movimentos que intentam reforçar a democracia e os direitos humanos como parâmetros que conferem lastro ético e moral à criação de uma nova ordem internacional (PIOVESAN, Flávia. Declaração Universal dos Direitos Humanos: desafios e perspectivas. Em: MARCÍLIO, Maria Luiza (Org.). A Declaração Universal dos Direitos Humanos – sessenta anos. São Paulo: Edusp, 2008. p. 127).

É o que afirma Flávia Piovesan, ao alertar para a controvérsia perceptível entre o desenvolvimento econômico e a inclusão social, entre o avanço tecnológico e a  democracia. Os órgãos reguladores internacionais têm pressionado os países e as regiões mais pobres para um ajustamento econômico que prevê a redução dos investimentos sociais em nome da racionalidade econômica ditada pelo mercado.

Esses órgãos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), dirigidos por representantes dos países mais ricos, consideram que a igualdade social é uma semelhança de obrigações e deveres, e não a equiparação de oportunidades e conquistas. Assim, o esforço que fazem os países, as regiões e a população mais pobre do mundo para alcançar as metas de desenvolvimento econômico esgota ou reduz os recursos antes destinados aos gastos com assistência e emancipação sociais.

O resultado, segundo Boaventura de Sousa Santos, é o apartheid social, ou seja, a segregação dos excluídos em áreas delimitadas, formando uma cartografia urbana dividida em zonas selvagens e desenvolvidas. As antigas muralhas feudais são redefinidas por outras fronteiras, que separam ricos de pobres, integrados de marginalizados, nativos de imigrantes, cidadãos de refugiados.


Cristina Costa

Desafios da Atualidade: Pluralismo e trivialização

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política. Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

3 Pluralismo e trivialização
A fragmentação do mundo contemporâneo, a importância que adquirem os particularismos, os regionalismos, os localismos num mundo globalizado têm levado ao pluralismo, ou seja, à convivência com o diferente e à consciência dessa diversidade. Nunca como agora os grupos sociais se diversificaram tanto por religião, etnia, nacionalidade, idioma, idade, gênero, preferência sexual, ascendência, profissão, hobby.

Essas diferenças se tornam cada vez mais evidentes e notáveis, assegurando um conteúdo novo à identidade social dos indivíduos. Se, por um lado, esse sentimento de identidade e pertencimento é importante para a sociedade contemporânea, por outro ele enfraquece a ideia universalizante que está por trás dos conceitos de direitos humanos e cidadania. Claro que, desde sua origem, o conceito de cidadania teve duplo significado. Ao mesmo tempo que identifica pares, acaba por excluir os diferentes.

Em Atenas, já se processava esse duplo movimento de inclusão e exclusão que admitia os militares como cidadãos, mas excluía as mulheres do direito à vida pública. Em Roma, a cidadania não era concedida aos estrangeiros e, na época da Revolução Francesa, era inacessível aos camponeses. Embora estivesse destinada a uma parte da população, a cidadania procurava pôr em prática uma noção universal de humanidade: os seres humanos semelhantes em determinados aspectos eram “iguais” e, portanto, tinham os mesmos direitos.

A disseminação desses ideais para além do território da pólis ou da nação e sua adaptação às necessidades e interesses individuais têm levado ao que alguns autores, como Tercio Sampaio Ferraz Junior, chamam de trivialização dos direitos do homem. Isso significa que eles deixaram de ser um conjunto supremo de direitos individuais para se tornarem direitos especiais das mulheres, das crianças, das minorias.

Assim, como afirma esse autor, eles deixam de se basear na natureza, no costume, na razão, para se apoiarem em determinadas uniformidades da vida social. Trata-se de uma particularização dos direitos humanos de caráter inevitavelmente mais ideológico e funcional. Tendo, portanto, objetivos mais restritos, particulares, pragmáticos, os direitos humanos perdem seu sentido filosófico e de luta política. Tornam-se instrumentos legais, locais, minoritários. Não mais existe aquilo que une um cidadão a outro.

Os autores não negam a justiça das conquistas que essas minorias, isoladamente, têm conseguido, mas assumem que elas poderiam ter sido conquistadas em nome de suas necessidades, sem alçá-las à condição de características da humanidade.


Cristina Costa

Desafios da Atualidade: Nova territorialidade

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política.

Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. 

No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

2 Nova territorialidade

Segundo o geógrafo brasileiro Milton Santos, a existência do Estado-nação se deve a uma série de circunstâncias históricas e ao desenvolvimento de instituições que, como a educação, promovem uma forma especial de pertencimento e identidade social entre os que habitam determinado território e se submetem a um governo.

A cidadania, por sua vez, resulta de uma série de lutas travadas cotidianamente, pelas quais os indivíduos buscam a inserção social, para se tornarem membros da sociedade nacional. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1789, fala do direito de associação e reunião e pressupõe um território no qual tais direitos se realizem. No século XX, a Declaração Universal dos Direitos Humanos também admite um espaço em que esses direitos vigorem. Existe, portanto, uma íntima relação entre a territorialidade e a cidadania, que na Grécia antiga correspondia à cidade-Estado, e que na modernidade corresponde ao Estado-nação.

O desenvolvimento do conceito de cidadania implica, cada vez mais, a ampliação do direito do cidadão ao espaço, na medida em que respeita e defende a moradia, a habitação, a liberdade de ir e vir e o ambiente. Para Milton Santos, entretanto, a globalização vem prejudicando ainda mais a defesa desses direitos. Em primeiro lugar porque a nova ordem recruta trabalhadores em âmbito mundial e, consequentemente, promove a contínua imigração, impedindo a fixação das populações em seus países de origem.

Os países mais pobres não conseguem manter suas populações no território, e seus cidadãos mudam continuamente em busca de melhores salários e expectativas de vida.  O nacionalismo enfraquecido faz aumentar a força das reivindicações locais e regionais, o que muitas vezes impede o Estado de desenvolver uma política nacional adequada, que atinja todos os cidadãos. O território nacional se fragmenta, surgem bairros independentes, condomínios, guetos, setores isolados, marcados e divididos. Milton Santos fala das diferenças que ainda separam o setor rural do setor urbano e têm se acentuado, apesar da tecnologia que pretende criar uma aldeia global.

Esse homem do campo é menos titular dos direitos do que a maioria dos homens da cidade, já que os serviços públicos essenciais lhe são negados sob a desculpa da carência de recursos para lhe fazer chegar saúde e educação, água e eletricidade, para não falar de tantos outros serviços essenciais (SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel, 2000. p. 29).

Por isso, vivemos hoje uma nova territorialidade diante da globalização. Fluxos, movimentos e tendências que transportam pessoas, mercadorias, informação e capital criam novas topografias e novas hierarquias. O território nacional, antes uma entidade de aspirações homogêneas, fragmenta-se, dilui-se e desterritorializa-se, tornando a democracia e os direitos humanos difíceis de serem circunscritos num espaço de fronteiras conhecidas. As tecnologias da informação, com inusitadas relações de proximidade e distância, apenas aprofundam esse território cada vez mais abstrato, no qual se estabelecem as relações contemporâneas.


Cristina Costa

Desafios da Atualidade: Novo pacto social

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política. Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

1 Novo pacto social

A democracia é uma forma de governo que nasce da emergência, em uma sociedade, de grupos sociais que almejam participar da vida política. Para isso, os grupos que estão excluídos do poder pressionam a reformulação das instituições políticas. Foi assim na Grécia, onde os metecos lutaram pela cidadania, em Roma, onde os plebeus exigiram participação política, e na Europa moderna, onde a burguesia foi à luta por reconhecimento na vida política dominada pela nobreza e pelo clero.

No século XIX, o governo socialista também procurou, por meio do Estado do bem-estar social, incluir o proletariado nas políticas sociais e na vida pública. O Estado democrático é, portanto, a instituição que promove o pacto social entre as classes em conflito e torna possível a vida pública.
Na modernidade, esse Estado dirige a nação por meio de políticas econômicas, sistemas de apropriação e distribuição de bens, dando forma à luta civil que se trava entre o capital e o trabalho. A legislação que estabelece o direito de greve ou o valor do salário mínimo atua nesse sentido.

Com a globalização e o desenvolvimento do mercado mundial, o espaço público nacional foi diminuindo de importância como arena de negociação. Os pactos estabelecidos perderam a força, pressionados pelos interesses internacionais e pelo desenvolvimento da tecnologia, que substitui a mão de obra humana.

Hoje, há aumento de produção sem crescimento do número de empregados. A fragilidade do operariado e do Estado nacional transformou a democracia e a desafiou. É preciso que um novo pacto se estabeleça entre os grupos sociais oponentes e que novos espaços de arbítrio se institucionalizem.
Apesar de enfraquecer o Estado nacional e o espaço público das nações, a globalização promove o fortalecimento dos regionalismos, os localismos, entre outros efeitos. Diante da nova ordem mundial, as regiões, cidades e grupos sociais tendem a reafirmar sua identidade e especificidade e a se organizar para gerir seus problemas e defender seus interesses. O fortalecimento dessas organizações desafia a democracia e enfraquece o Estado.

Esta desnacionalização do Estado nacional também ocorre pelo papel crescentemente mais forte atribuído às economias subnacionais, locais e regionais. As economias locais e regionais estão hoje a converter-se em nódulos de uma rede global de trocas e de sistemas produtivos transnacionais. Os governos locais competem entre si para transformar as suas cidades ou regiões em agentes de competitividade muito para além da economia nacional (SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo. São Paulo: Cortez, 2006. p. 289).

Cristina Costa

quarta-feira, 16 de março de 2016

A socialização

O primeiro processo fundamental ao qual todo ser humano é submetido desde o nascimento é a socialização. Esse conceito, central para a Sociologia, é tratado de diversas maneiras por diferentes autores, de modo que não há uma única concepção do que seja a socialização. Mesmo assim, é possível nos atermos a algumas de suas características fundamentais, sem as quais esse processo não pode ser compreendido.


O propósito é entender a ideia de como, onde e quando passamos a viver em sociedade. A partir de um exercício de estranhamento em relação à inserção das pessoas em seus grupos de origem e de convivência cotidiana e às suas trajetórias pessoais, pretendemos levá-los a perceber a dinâmica do processo de socialização.

Desse modo, procuraremos desnaturalizar a nossa percepção das relações entre pais, filhos e irmãos, entre seus pares no cotidiano escolar e de suas comunidades (bairro, vizinhança, igreja e/ou outros espaços de sociabilidade), destacando as formas como agimos e reagimos em relação aos outros.

O objetivo é evidenciar que o comportamento diante do outro não é natural, mas culturalmente construído a partir de um conjunto de informações que interiorizamos à medida que convivemos com o outro (familiares, amigos, professores etc.), e salientar que esse comportamento é também condicionado pelas expectativas que nutrimos em relação ao modo como queremos ser aceitos e integrados em sociedade.

O contexto de surgimento da Sociologia

Expomos aqui o surgimento da Sociologia, o contexto da época e como os sociólogos se distinguem dos profissionais de outras áreas.

A Sociologia nasceu no século XIX, um século marcado por dualidades:
* de um lado, a ideia de progresso. Difunde-se a ideia de que a história da humanidade não apenas caminha em uma direção, como também aponta para uma evolução – essa evolução era o progresso da humanidade;
por outro lado, muitos viam as mudanças em curso como um sinal de desordem, e não de evolução (GAY, 1998; MARTINS, 2003).

Pessoas que viveram o período chamavam a própria época de “uma era de mudanças”, um “século de transições” (GAY, 1998, p. 43). Uma das características do século XIX é que a própria natureza das mudanças se alterou, elas tornaram-se muito mais rápidas. Não só ocorreram as grandes imigrações para a América, como a migração do campo para a cidade. A presença de grandes avanços de um lado, e de miséria, fome e exploração de outro, fez com que as pessoas começassem a ter um sentimento generalizado de desordem, uma sensação de estar à deriva, sem rumo (GAY, 1998). Tratava-se, portanto, de uma época marcada por “dilemas sociais” (FERNANDES, 1980, p. 27), em que a Sociologia surge como ciência preocupada em construir explicações a respeito da sociedade e de suas transformações.

A palavra “Sociologia” nasceu por volta de 1830, na França, cunhada por Augusto Comte. Assim como outros homens de sua época, Comte considerava que a sociedade estava em crise e achava que a função da Sociologia seria a de resolver a crise do mundo moderno, isto é, fornecer um sistema de ideias científicas que presidiria a reorganização social. A Sociologia era entendida de forma ampla e incluía parte da Psicologia, da Economia Política, da Ética e da Filosofia da História (a discussão sobre a especificidade do objeto da Sociologia ocorrerá no próximo volume). Você pode mostrar aos alunos que hoje ela é uma ciência autônoma em relação a todas essas citadas.

Achava-se que o mundo moderno estaria em crise, devido ao contexto da época, da Revolução Industrial e da rápida urbanização.

A Revolução Industrial havia começado no século XVIII, mas suas consequências para a vida das pessoas se fizeram sentir com mais força somente no século XIX. Ela está relacionada ao desenvolvimento de um sistema fabril mecanizado, que produz quantidades tão grandes e a um custo tão rapidamente decrescente, que não precisa mais depender da demanda existente, pois ela cria o seu próprio mercado. A indústria automobilística ajuda a entender isso. Não foi a demanda por carros em 1890 que criou a indústria de porte que hoje conhecemos, mas a capacidade de produzir carros baratos – isso é que fomentou a atual demanda em massa. Inclusive, no início, muitas pessoas tinham medo dos carros.

Nos grandes centros urbanos, a Revolução Industrial disseminou a miséria e o descontentamento entre operários e pequenos comerciantes. No século XIX, tanto operários como pequenos comerciantes não viam que o problema não eram as máquinas em si, mas todo um sistema econômico que estava se alterando.

No início da Revolução Industrial, um dos fatores que atraíram os trabalhadores e os fizeram deixar os campos eram os salários mais altos e a liberdade que a cidade trazia. Karl Marx mostra que um fator importante para essa migração para a cidade foi a concentração da propriedade com o objetivo de aumentar as pastagens para a criação de ovelhas, para a produção da lã destinada às manufaturas. A redução da margem de lucro, ocasionada pela competição, fazia com que o preço dos produtos caísse e muitos empresários, para diminuir os custos de produção, passaram a contratar mulheres e crianças, cujos salários eram muito mais baixos do que os dos homens. A Revolução Industrial alterou o modo de vida das pessoas, trouxe novos costumes, novos hábitos, novos valores. Ela mudou também o ritmo de vida das pessoas. Este sempre fora dado pela luz diurna, fazendeiros e artesãos começavam e terminavam o seu dia, em geral, com o amanhecer e o crepúsculo. Com a disseminação da energia elétrica, o dia passou a ser encompridado artificialmente (antes o gás, o óleo e a vela já faziam isso, mas eram caros). O tempo passou a ser controlado, curvando-se à vontade dos homens. Ele foi regularizado, dividido e homogeneizado. As fábricas passaram a funcionar em turnos e os operários começaram a trabalhar à noite. Um último ponto a respeito da industrialização: ela trouxe consigo a disciplina fabril, ou seja, o indivíduo não trabalhava mais de acordo com o clima e estações do ano. Agora deveria aprender a trabalhar de maneira adequada à indústria, ou seja, em um ritmo regular de trabalho diário ininterrupto e inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola.

Acompanhando a Revolução Industrial ocorria o processo de urbanização, com o desenvolvimento e crescimento desmensurado das cidades, que se tornaram o palco dessas transformações. Ocorreu um esvaziamento do campo. As pessoas não só atravessavam oceanos, como também partiam do campo para as cidades em busca dos meios para sua sobrevivência ou de melhores condiçõs de vida. Paris tinha quase 600 mil habitantes em 1800. Em 1850, mais de 1 milhão, e em 1900, mais de 2,5 milhões (GAY, 1998, p. 45).

O século XIX pode ser compreendido como a era dos trens expressos. Os trens eram a metáfora das rápidas mudanças. Sua velocidade servia como símbolo para a velocidade das mudanças. E assim dinamizaram ainda mais as transformações (por meio deles os jornais passaram a chegar cada vez mais rápido aos lugares mais distantes e assim a informação pôde se difundir com mais velocidade). Eles beneficiaram também a indústria, ajudaram a baixar o custo do transporte da produção e as mercadorias perecíveis puderam ser transportadas de forma mais ágil.
Eles impuseram uma precisão ao tempo que nunca antes houvera. As cidades tiveram de acertar seus relógios. Antes deles, cada cidade marcava as horas como bem queria.
(GAY, Peter. Arquitetos e mártires da mudança. In: A experiência burguesa da rainha Vitória a Freud: a educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 54-55).

Em meio a tudo isso surgiu a Sociologia. Ela veio, nesse primeiro momento, não só para compreender, mas também para reformar a sociedade. Afinal de contas, a pobreza existente nas sociedades industriais não era mais vista como um problema natural, um castigo da natureza ou da Providência, mas fruto da exploração excessiva e, portanto, um pro􀁃lema social. A Sociologia nasceu como uma ciência da sociedade industrial (BOTTOMORE, 2008, p. 19-21), ainda que seus pais não concordassem entre si quanto aos métodos a ser empregados, tampouco quanto ao objeto dessa ciência.

Ao tratar de compreender a especificidade do que poderia ser chamado de “social” e dada a própria natureza de seu objeto, a Sociologia sofre continuamente as influências de seu contexto. Ideias, valores, ideologias, conflitos e padrões presentes nas sociedades permeiam a produção sociológica. [...] A Sociologia era, e continua a ser, um debate entre concepções que procuram dar respostas às questões de cada época. Por inspirar-se na vida social, não pode, portanto, estar ela própria livre de contradições. (BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro; QUINTANEIRO, Tânia. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 22).

Logo, a Sociologia, desde o seu início, não foi marcada pelo consenso, mas por intensos debates entre diferentes correntes de pensamento. Há correntes que procuram explicar a sociedade a partir de seus fundamentos econômicos (como a de Karl Marx) e outras que fazem uma interpretação causal da cultura e da história (como a de Max Weber). Há também perspectivas teóricas que explicam a sociedade a partir de um princípio do equilíbrio e de uma tendência à integração (como a de Émile Durkheim) e outras que veem a sociedade a partir das contradições e dos antagonismos que separam os indivíduos.

Considerando que os jovens agora já possuem uma noção do contexto do surgimento da Sociologia e de suas tensões, é possível explicar a distinção entre Sociologia e outras disciplinas, como o Serviço Social ou a Filosofia. Muitos jovens confundem-nas. Por isso, faz-se necessário estabelecer uma distinção entre elas. No que se refere ao Serviço Social, pode-se dizer que a Sociologia se distingue dele, pois ela é uma tentativa de compreensão da realidade, ao passo que o serviço do assistente social é sempre uma ação na sociedade (BERGER, 2007).

Também se faz necessária a distinção entre Sociologia e Filosofia. Embora a Filosofia, assim como a Sociologia, estude o ser humano, suas preocupações, normalmente, dizem respeito mais a abstrações do que a uma compreensão dos homens imersos em contextos históricos específicos. Você pode exemplificar como achar necessário para que os jovens possam compreender tal distinção. Um questionamento filosófico sobre a realidade pode passar pelas seguintes questões: O ser humano é livre? O que é liberdade? Tais questões são muito genéricas e não se preocupam tanto com as especificidades dos diferentes homens e mulheres em sociedades distintas. Na verdade, a Filosofia trabalha, na maioria das vezes, com um conceito genérico de ser humano, pois se preocupa mais com a humanidade. Já o sociólogo preocupa-se com questões específicas a determinados contextos históricos. A abordagem do tema “liberdade”, quando é feita por um sociólogo, pode partir, por exemplo, das seguintes questões: Qual é a concepção de liberdade para os japoneses? No Brasil, existe diferença entre o que uma pessoa de classe média e uma pessoa de classe alta entendem pelo conceito de “liberdade”? Ou seja, há a preocupação em compreender a sociedade em momentos históricos e culturais específicos.


Com isso, esperamos a aquisição uma noção do trabalho do sociólogo, suas preocupações, bem como entendido o contexto do surgimento da Sociologia.


sexta-feira, 11 de março de 2016

A promessa (A imaginação sociológica)

Hoje em dia, os homens sentem, frequentemente, suas vidas privadas como uma série de armadilhas. Percebem que, dentro dos mundos cotidianos, não podem superar as suas  preocupações, e quase sempre tem razão nesse sentimento: tudo aquilo de que os homens comuns tem consciência direta e tudo o que tentam fazer está limitado pelas órbitas privadas em que vivem. Sua visão, sua capacidade estão limitadas pelo cenário próximo: o emprego, a família, os vizinhos; em outros ambientes, movimentam-se como estranhos, e permanecem espectadores [...]
Subjacente a essa sensação de estar encurralados estão mudanças aparentemente impessoais na estrutura mesma de sociedades e que se estendem por continentes inteiros. As realidades da história contemporânea constituem também realidades para êxito e fracasso de homens e mulheres individualmente. Quando uma sociedade se industrializa, o camponês se transforma em trabalhador; o senhor feudal desaparece, ou passa a ser homem de negócios. Quando as classes ascendem ou caem, o homem tem emprego ou fica desempregado; quando a taxa de investimento se eleva ou desce, o homem se entusiasma, ou se desanima. Quando há guerras, o corretor de seguros se transforma no lançador de foguetes, o caixeiro da loja, em homem de radar; a mulher vive só, a criança cresce sem pai. A vida do indivíduo e a história da sociedade não podem ser compreendidas sem compreendermos essas alternativas.
E, apesar disso, os homens não definem, habitualmente, suas ansiedades em remroa de transformação histórica [...]. O bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos grandes altos e baixos da sociedade em que vivem. Raramente tem consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história mundial [...]. Não dispõem da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que de processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo. Não podem enfrentar suas preocupações pessoais de modo a controlar sempre as transformações estruturais que habitualmente estão atrás deles. [...]
A própria evolução da história ultrapassa, hoje, a capacidade quem têm os homens de se orientarem de acordo com valores que amam. E quais são esses valores? [...] as velhas maneiras de pensar e sentir entraram em colapso. [...] Que - em defesa só eu - se tornem moralmente insensíveis, tentando permanecer como seres totalmente particulares? [...]
Não é apenas de informação que precisam. [...]
O que precisam [...] é uma qualidade só espírito que lhes ajude a usar a informação e a desenvolver a razão, a fim de perceber com lucidez o que está ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. É essa qualidade, afirmo, que jornalistas w professores, artista e públicos, cientistas e editores estão começando a esperar daquilo que poderemos chamar se imaginação sociológica [...]
O primeiro fruto dessa imaginação - e a primeira lição da ciência social que a incorpora - é a ideia de que o indivíduo só pode compreender a sua própria experiência e avaliar seu próprio destino localizando-se dentro de seu próprio período: só pode conhecer suas possibilidades na vida tornando-se cônscio das possibilidades se todas a pessoas, nas mesmas circunstâncias em que ele. (MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980 [1959]. p. 8-11.

Esse texto discute a importância da "imaginação sociológica" para leigos, por se tratar de uma habilidade que possibilita a construção de conexões entre biografia e história, agência e estrutura, particular e geral.

quinta-feira, 10 de março de 2016

A Constituição Cidadã , promulgada em 1988

Constituição Federal de 1988 – Ideais de Cidadania no Brasil.
Reflexão através de textos da C.F.  sobre a concepção de cidadania e sua formalização no Brasil. Então caminhar para suas percepções da realidade cotidiana quanto a efetivação dessa cidadania.
A quem é garantido o poder ? Artigo 1
De que forma é definido o Estado Brasileiro ? Artigo 1
Artigo 5- Direitos fundamentais : a vida , a liberdade , a igualdade e a segurança .E também deveres.
Artigos 6º ,7º ,8º,9º, 14º  – Direitos Sociais e Políticos.

Cidadania reprimida

Ditadura militar 1964 e 1985.
Direitos civis e políticos reprimidos.

Contexto social e politico da época:
a) Representa a prisão de pessoas pelas agências especiais de repressão, como o Destacamento de Operações de Informações e Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e pelo serviço de inteligência da Polícia Civil de São Paulo, o Departamento de Política e Ordem Social (DOPS). Supressão dos direitos civis e políticos(Ex. votar e ser votado). 

b) Repressão aos movimentos de greve, utilizando a força policial para reprimir as manifestações dos trabalhadores. Supressão dos direitos de associação e manifestação política .Direito de opinião restringido e censura na imprensa. Congresso Nacional fechado e estado de sitio decretado

c) Forma de tortura conhecida como “pau de arara”, em que o torturado é mantido amarrado nessa posição, por horas a fio, enquanto é submetido a outros tormentos, como choques elétricos, palmatória, afogamentos etc. Violação de direitos humanos, tratamento cruel, desumano e degradante.

d) Representação da morte. Remete aos casos de prisão, tortura e desaparecimento de presos políticos que resultaram em morte. Violação de direitos humanos, tratamento cruel, desumano e degradante, violação do direito à vida.
Foi em 1986 que se formou a Assembleia Constituinte e disso  resultou a promulgação da C.F.  de  1988.(ruptura)

Educação e cidadania

Um dos principais requisitos para ampliação dos direitos de cidadania é a educação.

“(…) nos países em que a cidadania se desenvolveu com mais rapidez, inclusive na Inglaterra, por uma razão ou outra a educação popular foi introduzida. Foi ela que permitiu às pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem pata lutar por eles. A ausência de uma população educada tem sido sempre um dos principais obstáculos à construção da cidadania civil e política.” (CARVALHO, José Murilo de, Cidadania no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 11).

No final do século XIX, a grande maioria da população brasileira (cerca de 85%), incluindo muitos dos grandes proprietários de terras, era analfabeta e vivia em áreas rurais. Além disso, a população que vivia no campo estava submetida à influência dos senhores de terras, detentores de poderes políticos e os chamados ‘coronéis’. ‘As mulheres não votavam, e os escravos, naturalmente, não eram considerados cidadãos’.” (CARVALHO, José Murilo de, Cidadania no Brasil, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008, p. 29-30).

O que podemos notar com os trechos acima: Que um processo de democracia deve estar estruturado sobre a educação. Os ricos fazendeiros, por conta de anos e anos de escravidão, de desmandos e de controle político em suas regiões, entendiam que a lei poderia ser criada por eles, mas nunca contra eles. A ignorância sempre foi um caminho para a maldade, e com os negros da época, uma maldade sentida no corpo.

O fim do tráfico negreiro da África para o Brasil em 1850 só serviu para a demonstração do poder da Grã-Bretanha sobre o Império do Brasil, pois dentro do país o tráfico se manteve, com a venda de escravos de regiões em declínio econômico para as regiões em ascensão. Enquanto a França lutava por “Liberdade, Igualdade e Fraternidade“, e os ingleses viam a necessidade de uma sociedade alfabetizada para manter o seu poder, o Brasil mantinha intocável sua estrutura deficitária que impossibilitou o desenvolvimento do país no século que se seguiu. Isso só mudou com a implementação de incentivo a imigração, principalmente da Europa. Enquanto os escravos eram libertos, os fazendeiros – muitos que não aceitavam assalariar ex- escravos – passaram a aceitar imigrantes brancos assalariados. As políticas econômicas apenas ajudaram a piorar a situação das classes menos desfavorecidas

Após a proclamação da República, em 1889, a Constituição de 1891 definiu o cidadão brasileiro como: 1) todas as pessoas nascidas nos Brasil; 2) todos os filhos de pai e mãe brasileiros, mesmo ilegítimos, nascidos no exterior; 3) todos os filhos de pai brasileiro que estivessem morando fora; 4) todos os estrangeiros que viessem a estabelecer residência permanente; 5) todos os estrangeiros que viessem a casar e/ou ter filhos com brasileiros e residissem no Brasil ; 6) todos os estrangeiros naturalizados.

A Constituição de 1891 retirou do Estado a obrigação de fornecer educação primária população. Também estabeleceu o direito de votar a todos os cidadãos do sexo masculino maiores de 21 anos, exceto mendigos, os analfabetos, os soldados e os membros das ordens religiosas. É importante ressaltar que os direitos  de cidadão brasileiro eram suspensos em caso de ‘incapacidade física ou moral’ e por ‘condenação criminal, ou enquanto durassem seus efeitos’ e eram perdidos ‘por naturalização em país estrangeiro’ ou ‘aceitação de emprego ou pensão de Governo estrangeiro, sem licença do Poder Executivo federal’.

Analisando os dois trechos acima, o que podemos ver é: todos os imigrantes – maioria brancos – vinham para o Brasil como cidadãos brasileiros, enquanto os negros passaram séculos sem esse direito. E ainda para piorar, impediam que os ex- escravos estudassem, pois não era obrigação do governo dar-lhes educação. Muitas fazendas neste período possuíam escolas para seus trabalhadores, mas como muitos não eram nascidos no Brasil, a desigualdade se mantinha, impedindo que ex- escravos tivessem alfabetização, (e consequentemente) poder de voto. Para muitos, o direito de ser cidadão é impedido também porque estes terem se tornado mendigos ou ladrões.

O impacto da escravidão

Nas brincadeiras, muitas vezes brutas, dos filhos de senhores de engenho, os moleques serviam para tudo: eram bois de carro, eram cavalos de montaria, eram bestas de almanjarras [que é uma moenda por tração animal], eram burros de liteiras e de cargas as mais pesadas. Mas principalmente cavalos de carro. Ainda hoje, nas zonas rurais menos invadidas pelo automóvel, onde velhos cabriolés de engenhos rodam pelo massapé mole [um tipo de terreno fértil], entre os canaviais, os meninos brancos brincam de carro de cavalo ‘com moleques e até molequinhas filhas das amas’ servindo de parelhas. Um barbante serve de rédea; um galho de goiabeira, de chicote.” (FREYRE, Gilbeto, Casa-Grande & Senzala,  Global Editora, São Paulo, 2008, 51ª edição, pp. 419–420).

A pratica era totalmente difundida no Brasil , porem diferentemente do pensamento liberal na Inglaterra e na França , as ideias que sustentavam a abolição não se fundamentavam na questão do direito individual , mas da razão nacional , ou seja, considerava-se que a escravidão impedia o desenvolvimento da nação ao criar obstáculos ao desenvolvimento das classes , do mercado de trabalho e da integração social.

As consequências da escravidão não atingiram apenas os negros. Do ponto de vista que aqui nos interessa – a formação do cidadão –, a escravidão afetou tanto o escravo como o senhor. Se o escravo não desenvolvia a consciência de seus direitos civis, o senhor tampouco o fazia. O senhor não admitia os direitos dos escravos e exigia privilégios para si próprio. Se um escravo estava abaixo da lei, [o senhor] se considerava acima. A libertação dos escravos não trouxe consigo a igualdade efetiva. Essa igualdade era afirmada nas leis mas negada na prática.” (CARVALHO, José Murilo de, Cidadania no Brasil, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2008, p. 53).


A Conquista dos direitos Civis, Políticos, Sociais e Humanos no Brasil

Aqui as lutas pela cidadania permearam as relações entre colonos e colonizadores, brasileiros e portugueses, escravos e senhores e, posteriormente, os diversos grupos sociais que se organizaram na luta pela ampliação  de seus direitos civis, políticos e sociais.
O que culminou na formação da Assembleia Nacional Constituinte e na elaboração da C.F. de 1988.
Qual o papel do cidadão enquanto sujeito das decisões que governam a Nação, e a importância da participação política naquilo que denominamos efetivamente de “Estado de direito democrático”. Especificidades do desenvolvimento da cidadania no Brasil.
Impacto da escravidão , da proclamação da republica , do Estado Novo, da ditadura militar e da constituição de 1988.

Como explicar e entender a “liberdade de escolha” no mundo em que vivemos?

  HISTÓRIA SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM 1 TEMA: Desigualdades e vulnerabilidades: desafios e caminhos para uma sociedade democrática e inclus...