domingo, 20 de março de 2016

Desafios da Atualidade: Tolerância, diferenças e desigualdades

Democracia, direitos humanos e cidadania são conceitos importantes que percorreram uma longa trajetória na história política ocidental, sem nunca terem sido completamente abandonados, seja como ideais, seja como objetos de análise ou como objetivos de ação política. Durante a modernidade, esse modelo político popular e participativo resistiu a poderosas forças centralizadoras e autoritárias que procuravam evitar uma vida política mais intensa, coletiva, civil e pública. Sua evolução esteve ligada à consolidação do capitalismo e ao acesso da burguesia ao poder. No entanto, chegamos a um ponto do desenvolvimento das forças produtivas e das relações políticas que parece oferecer desafios surpreendentes a esses princípios de vida política, entre os quais a globalização e o neoliberalismo.

A globalização, à medida que introduz relações econômicas e políticas semelhantes nos mais variados locais, submetendo diferentes nações, grupos e regiões a uma ordem supranacional, impõe a redefinição dos princípios que governam as sociedades. Instituições internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial, adquirem maiores poderes e abrangência; blocos regionais passam a ter objetivos comuns e acordos políticos e sociais próprios, como a União Europeia.

Por outro lado, o neoliberalismo, estabelecido pelo Consenso de Washington, à medida que valoriza o mercado mundial em detrimento dos Estados nacionais, promove um enxugamento do aparelho do Estado, que tende a reduzir seu papel na vida dos países, regiões e cidades. A vida política se torna mais profissional, mais administrativa e planejada, o que diminui o estímulo à participação dos cidadãos e à construção coletiva da vida social mediada pelo Estado e por ele apoiada. Também entra em declínio a proposta de um Estado de bem-estar social, no qual a defesa das condições essenciais de vida dos cidadãos era tida como função essencial do Estado.

Consenso de Washington
Também conhecida como neoliberalismo, essa expressão designa dez regras básicas que o governo americano indicou para resolver a crise econômica dos países da América Latina, com base num texto formulado pelo economista John Williamson em 1989. Essas medidas do Consenso de Washington deveriam ser adotadas na negociação das dívidas externas dos países latino-americanos e serviram de modelo para o FMI e o Banco Mundial em todo o mundo.

Cada vez mais os governos se burocratizam e a carreira política perde sua força ideológica mobilizadora. O setor público cria rotinas, fluxos e gestões que, independentemente de seu partidarismo, pouca influência têm no cenário em que se desenrola a ação política. Em um mundo globalizado e integrado, cujas fronteiras entre o público e o privado se desfazem, os conceitos de democracia e cidadania se tornam cada vez mais híbridos e flexíveis, desfigurados pela adaptação aos contextos diversos e antagônicos.

O fim da União Soviética, por sua vez, pôs em xeque as propostas de uma democracia radical ou socialista, permitindo o pleno desenvolvimento da democracia liberal, preocupada principalmente com a defesa do mercado e do setor privado. Entra em decadência a ideia de uma sociedade civil mediadora entre os interesses públicos e privados, entre as necessidades individuais e coletivas. Um modelo único passa a ser adotado por diversos países e a gerir os diversos âmbitos da ação econômica e política, da política nacional à administração das pequenas empresas e da vida individual. Todos esses diferentes níveis são suscetíveis à mercantilização da vida social, promovida pela globalização e pelo neoliberalismo.

5 Tolerância, diferenças e desigualdades

O mundo que surge no século XXI é feito de países, regiões, populações distintas em relação a raça, etnia, religião, nacionalidade, cultura, hábitos e crenças. Essas populações, entretanto, nunca estiveram tão próximas, pois estão integradas por uma ordem mundial homogeneizante que as torna interdependentes.

Os meios de comunicação, por sua vez, aproximam essas regiões e suas populações, permitindo a troca de informações e mensagens. A sociabilidade entre grupos tão díspares nem sempre ocorre de forma amistosa ou tolerante. Há estranhamentos, xenofobias, racismos, intolerâncias. Tornando ainda mais hostil as relações entre grupos distintos, as migrações tendem a aumentar e a transferir populações de um território para outro. Trata-se de trabalhadores que buscam trabalho, moradia ou asilo político, porque são vítimas de desemprego, pobreza e perseguição em seus próprios países.

Fatores de expulsão, como o desemprego, a guerra, as rivalidades políticas, as disputas territoriais, juntam-se a fatores de atração, como a proximidade geográfica, a semelhança de língua, o desenvolvimento dos meios de comunicação e a homogeneização cultural decorrente da globalização. O pensador indiano Homi Bhabba fala de um pós-colonialismo que torna possível a convivência de populações distintas, antes ligadas por laços coloniais, como os ingleses e os indianos, ou os ibéricos e os latino-americanos.

Há entre elas, ao mesmo tempo, o estranhamento e a afinidade que vêm de um passado histórico partilhado, em que estão presentes os ressentimentos e as heranças culturais, as discriminações e as memórias comuns. Para que essas polaridades sejam superadas, é preciso que haja o exercício da tolerância, a descoberta do que o autor chama de entrelugares, ou seja, espaços híbridos e intervalares, nos quais existe a negociação de interesses, oportunidades, identidades entre os diferentes.

É no campo da atividade política que essa negociação se efetiva e a heterogeneidade se firma ao respeitar as diferenças. O reconhecimento dessas diferenças é um ponto importante da luta política na atualidade, na qual já não se encontram blocos homogêneos, mas díspares.

Os trabalhadores desempregados, temporários, semiespecializados e não especializados, homens e mulheres, os subempregados, os negros, as classes inferiores: esses signos de fragmentação de classe e do consenso cultural representam tanto a experiência histórica das divisões sociais contemporâneas como uma estrutura de heterogeneidade sobre a qual se poderia elaborar uma alternativa teórica e política (BHABBA, H. K. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005. p. 55).

A construção democrática, portanto, exige uma atitude menos universalista, mais flexível e tolerante, na qual se torne possível a realização daquilo que está presente em todos nós, assim como a representação de nossas diferenças. Daí a democracia revestir-se de princípios de tolerância, pluralismo e complexidade, em lugar de divisões binárias, classistas ou polarizadas.


Cristina Costa

Como explicar e entender a “liberdade de escolha” no mundo em que vivemos?

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