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Estupro: Culpabilização da vítima

Cultura machista está impregnada na sociedade brasileira, diz socióloga

A Polícia Civil de São Paulo prendeu um homem suspeito de estuprar uma aluna e uma mulher em dias distintos da semana passada perto da Universidade Federal do ABC (UFABC), em Santo André.

De acordo com o delegado Georges Amauri Lopes, assistente no 2º Distrito Policial (DP), o detido tem 20 anos de idade e foi preso no último sábado (16). Ele já tinha passagem na polícia por receptação. O G1 não conseguiu localizar o advogado do detido ou as vítimas para comentar o assunto.

“O estuprador usa o mesmo modus operandi para cometer os crimes: abordava as vítimas que estacionavam em locais escuros perto da universidade”, disse Georges, nesta terça-feira (19) aoG1. “Usando moto e capacete, ele mostrava uma faca para ameaçá-las e cometia os estupros dentro dos carros dessas mulheres”.
De acordo com a investigação, uma universitária de 26 anos, que faz doutorado na UFABC, foi estuprada na madrugada da última sexta-feira (15), na Rua Angatuba. Dois dias antes, na noite de quarta-feira (13), uma mulher de 27 anos havia sido violentada sexualmente na Rua Arujá.
Os locais onde ocorreram os estupros ficam próximos à UFABC.

Segundo o delegado, o suspeito confessou o estupro da vítima do dia 13, mas negou que tivesse estuprado a estudante no dia 15. “Ele falou que estuprou a primeira mulher porque sempre que está sob efeito de drogas, usando cocaína e álcool, não se segura”, disse Georges.

“Mas negou ter estuprado a universitária, dizendo que fez sexo consensual com ela depois de tê-la conhecido num bar”, contou o delegado. “Mas não restam dúvidas: ele estuprou a aluna também e pode ter estuprado mais mulheres perto da UFABC”.

Uma suposta terceira vítima de estupro na região será ouvida nos próximos dias para fazer o reconhecimento fotográfico do suspeito. O homem está detido na Cadeia Pública de Santo André. Ele foi indiciado por estupro, que é um crime hediondo e tem pena prevista de 16 anos de prisão no caso de condenação.
O delegado sugere que outras mulheres que tiverem sido vítimas de estupro compareçam ao 2º DP de Santo André para fazer o reconhecimento por fotos do suspeito.

As duas mulheres estupradas na semana passada foram ouvidas pela polícia e reconheceram o mesmo homem como o agressor que abusou delas. As vítimas foram encaminhadas a um hospital para tomar remédios contra doenças sexualmente transmissíveis.

Facebook
No Facebook, a aluna da UFABC revelou o estupro sofrido na sexta-feira passada. Ela negou que tivesse consentido sexo com o motociclista. A mulher ainda criticou a segurança da universidade, quando tentou pedir ajuda, e a Polícia Militar (PM), que, segundo ela, não acreditou que foi estuprada.

A aluna relatou que os guardas da UFABC impediram ela de entrar com o carro no campus porque estava sem a carteirinha da universidade onde estuda. Comentou ainda que foi obrigada a avançar sobre os cones com seu veículo para fugir do estuprador, que foi até a portaria atrás dela.
Segundo a vítima, os guardas se recusaram a chamar a PM, mesmo ela dizendo a eles que foi vítima de estupro, e apontando o homem que conversava com eles como o estuprador. O rapaz queria reaver o boné, documentos, cueca e moletom que usou para amarrar a estudante. Os objetos estavam dentro do carro da vítima.
Como o seu celular estava com o agressor, ela pediu para que os guardas a deixassem usar o telefone da universidade para chamar a PM, mas os funcionários negaram.

Escreveu ainda que só conseguiu pedir ajuda policial depois que dois alunos ouviram sua história e decidiram ligar para a PM. E que ao chegarem ao local, os policiais e o chefe da segurança da UFABC não acreditaram na versão dela, de que foi estuprada pelo homem que estava na portaria.

O estuprador, segundo a universitária, alegava que ele e ela eram namorados. O homem afirmou ainda que ela estava drogada e alterada e não houve estupro como dizia.
“Questionaram diversas vezes a minha amiga se eu tinha certeza que havia sido ESTUPRADA...Oi?? se eu tenho certeza???? Insistiam e duvidaram”, postou a vítima na internet.
Segundo a universitária, os policiais e os guardas chegaram a sugerir para que ela não registrasse boletim de ocorrência do estupro por acharem que estava mentindo. “Gritou comigo dizendo que eu era mentirosa”, escreveu a vítima sobre um dos guardas.

Além dos seguranças e da PM, o agressor e a vítima foram à delegacia para registrar o boletim de ocorrência. Foram ouvidas as versões do suspeito e da universitária, que passou por exame num hospital que constatou que ela teve relações sexuais recentes.

Mesmo assim, o homem foi solto. Ele só foi preso no sábado porque os investigadores levantaram outras vítimas de estupro na região. Verificaram que uma mulher havia sido violentada dois dias antes. Ela reconheceu o agressor e ele foi preso em sua casa, no sábado.

O mandado de prisão temporária de 30 dias foi expedido pela Justiça a pedido da polícia. “Hoje ele foi preso graças a Deus, e infelizmente a circunstância para ele ser realmente preso, foi a necessidade de outra vítima testemunhar e reconhecer o estuprador”, publicou a universitária.
O texto da universitária acabou compartilhado nas redes sociais e outras alunas  passaram a usar uma foto com a seguinte frase "UFABC contra a violência sexual".

UFABC
Por meio de nota, a assessoria de imprensa da universidade informou que no “último domingo, dia 17, recebemos com muita consternação a informação sobre a violência sofrida por uma aluna da nossa instituição, nos arredores da Universidade."
A UFABC informou ainda que colocou "à disposição da vítima o Serviço de Apoio Psicossocial da Pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Políticas Afirmativas (ProAP)".
A universidade informou que vai "abrir uma investigação interna dos procedimentos adotados pelos seguranças patrimoniais" para apurar a conduta dos guardas no atendimento à aluna.
A UFABC também se comprometeu a "agilizar ações de capacitação em direitos humanos e segurança para os servidores e terceirizados da universidade".
Na mesma nota, a universidade informou que irá "solicitar, novamente, reforço policial nas ruas no entorno do campus."
"Conforme informado em notas anteriores, a própria Universidade não tem poder de polícia, mas incentiva os membros da sua comunidade a notificar todos os casos através do e-mail ocorrencias@ufabc.edu.br. Enfatizamos também a importância de registrar o Boletim de Ocorrência, para que possamos efetivamente cobrar ações da polícia", continua a UFABC.

"Reforçamos o compromisso de continuar a atuar junto às autoridades no combate à violência no entorno dos nossos campi e de pensar, junto com toda a comunidade universitária, propostas para melhorar a segurança e o respeito aos direitos humanos na UFABC e na sociedade", termina a nota.

PM
Procurada, a assessoria de imprensa da PM informou por telefone que “policiais militares receberam chamado para atender ocorrência às 3h09 na Rua Oratório para vítima de possível estupro”. De acordo com a sala de comunicação, a estudante foi “conduzida a hospital da mulher onde foi constatada a conjunção carnal”.
A PM alegou que o “autor foi detido e conduzido ao 2º DP”.


A revelação de que a maioria dos brasileiros concorda que o comportamento da mulher pode motivar o estupro comprova que a cultura machista está impregnada nos homens e nas mulheres da sociedade brasileira, segundo a socióloga Nina Madsen, integrante do Colegiado de Gestão do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrou que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".
Os pesquisadores também avaliaram a seguinte frase: "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". O levantamento mostrou que 42,7% concordaram totalmente com a afirmação e 22,4% parcialmente; 24% discordaram totalmente e 8,4% parcialmente. Das 3.810 pessoas entrevistadas, 66,5% eram mulheres.
“Nossa sociedade é violenta contra as populações marginalizadas e as mulheres compõem essa população. A culpa da violência sexual nunca é das mulheres. Temos que educar os meninos a não estuprar. Hoje eles aprendem que uma menina que se veste de uma determinada forma está provocando e que eles têm uma pretensa autorização para fazer uso daquele corpo que está sendo exposto. Temos que interferir nesse processo”, disse Nina.
Para a socióloga, os parâmetros educacionais e culturais precisam ser modificados. “É preciso atuar com muita força e continuidade na mudança cultural e a educação formal tem que incorporar os conteúdos que dizem respeito aos direitos das mulheres e à igualdade de gênero”, acrescentou.
Nina ressalta que o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que está tramitando no Congresso, prevê uma educação voltada para a promoção da igualdade de gênero. No entanto, diz a socióloga, esse princípio está sendo questionado por grupos conservadores, sobretudo pela bancada evangélica, que querem retirá-lo do texto.
“Os grupos conservadores estão numa campanha ferrenha para que isso seja eliminado do texto do plano. Eles estão combatendo o que chamam de uma ideologia de gênero. Isso é um retrocesso gravíssimo. Se o governo permitir que isso aconteça estará sendo conivente com essa cultura do estupro revelada nesses dados que o Ipea apresentou”, disse Nina.
Outra pesquisa do Ipea revela que a maioria das vítimas de estupro é mulher, sendo 70% crianças e adolescentes. “A escola é espaço estratégico porque tem centralidade na vida dos jovens. É um espaço de proteção e que aciona o Estado. Por isso, precisa ser um lugar que se estruture em torno dos princípios da igualdade de gênero, dos direitos das mulheres e das crianças e adolescentes”, destacou a integrante do Cfemea.
A presidenta Dilma já se pronunciou sobre a violência contra as mulheres. Isso ocorreu em março de 2014, quando disse que: “Pesquisa do Ipea mostrou que a sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar no combate à violência contra a mulher. Mostra também que governo e sociedade devem trabalhar juntos para atacar a violência contra a mulher, dentro e fora dos lares”.

Fonte: G1 e EBC

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