Expomos aqui o surgimento da Sociologia, o contexto da
época e como os sociólogos se distinguem dos profissionais de outras áreas.
A Sociologia nasceu no século XIX, um século marcado por
dualidades:
* de um lado, a ideia de progresso.
Difunde-se a ideia de que a história da humanidade não apenas caminha em uma
direção, como também aponta para uma evolução – essa evolução era o progresso
da humanidade;
* por outro lado, muitos viam as
mudanças em curso como um sinal de
desordem, e não de evolução (GAY, 1998; MARTINS,
2003).
Pessoas que viveram o período chamavam a própria época de
“uma era de mudanças”, um “século de transições” (GAY, 1998, p. 43). Uma das características do século XIX é que a própria natureza das mudanças se alterou, elas tornaram-se muito mais rápidas. Não só ocorreram as
grandes imigrações para a
América, como a migração do campo para a cidade. A presença de grandes avanços de um lado, e de miséria,
fome e exploração de outro, fez com que as pessoas começassem a ter um
sentimento generalizado de desordem, uma sensação de estar à deriva, sem rumo
(GAY, 1998). Tratava-se, portanto, de uma época marcada por “dilemas
sociais” (FERNANDES, 1980, p. 27), em que a Sociologia surge como ciência preocupada
em construir explicações a respeito da sociedade e de suas transformações.
A palavra “Sociologia” nasceu por volta de 1830, na França,
cunhada por Augusto Comte. Assim como outros homens de sua época, Comte
considerava que a sociedade estava em crise e achava que a função da Sociologia
seria a de resolver a crise do mundo moderno, isto é, fornecer um sistema de ideias científicas que
presidiria a reorganização social. A Sociologia era entendida de forma ampla e
incluía parte da Psicologia, da Economia Política, da Ética e da Filosofia da História (a discussão sobre a especificidade
do objeto da Sociologia ocorrerá no próximo volume). Você pode mostrar aos alunos que hoje ela é uma
ciência autônoma em relação a todas essas citadas.
Achava-se que o mundo moderno estaria em crise, devido ao
contexto da época, da Revolução Industrial e da rápida urbanização.
A Revolução Industrial havia começado no século XVIII, mas
suas consequências para a vida das pessoas se fizeram sentir com mais força
somente no século XIX. Ela está relacionada ao desenvolvimento de um sistema
fabril mecanizado, que produz quantidades tão grandes e a um custo tão
rapidamente decrescente, que não precisa mais depender da demanda existente,
pois ela cria o seu próprio mercado. A
indústria
automobilística ajuda a entender isso. Não foi a demanda por carros em 1890 que
criou a indústria de porte
que hoje conhecemos, mas a capacidade de produzir carros baratos – isso é que
fomentou a atual demanda em massa. Inclusive, no início, muitas pessoas tinham
medo dos carros.
Nos grandes centros urbanos, a Revolução Industrial
disseminou a miséria e o descontentamento entre operários e pequenos comerciantes.
No século XIX, tanto operários como pequenos comerciantes não viam que o
problema não eram as máquinas em si, mas todo um sistema econômico que estava se
alterando.
No início da Revolução Industrial, um dos fatores que
atraíram os trabalhadores e os fizeram deixar os campos eram os salários mais altos e a
liberdade que a cidade trazia. Karl Marx mostra que um fator importante para
essa migração para a cidade foi a concentração da propriedade com o objetivo de
aumentar as pastagens para a criação de ovelhas, para a produção da lã destinada
às manufaturas. A redução da margem de lucro, ocasionada pela competição, fazia
com que o preço dos produtos caísse e muitos empresários, para diminuir os custos de
produção, passaram a contratar mulheres e crianças, cujos salários eram muito mais
baixos do que os dos homens. A Revolução Industrial alterou o modo de vida das
pessoas, trouxe novos costumes, novos hábitos, novos valores. Ela mudou também
o ritmo de vida das pessoas. Este sempre fora dado pela luz diurna, fazendeiros
e artesãos começavam e terminavam o seu dia, em geral, com o amanhecer e o crepúsculo.
Com a disseminação da energia elétrica, o dia passou a ser encompridado artificialmente
(antes o gás, o óleo e a vela já faziam isso, mas eram caros). O tempo passou a ser controlado,
curvando-se à vontade dos homens. Ele foi regularizado, dividido e
homogeneizado. As fábricas passaram a funcionar em turnos e os operários começaram
a trabalhar à noite. Um último ponto a respeito da industrialização: ela trouxe
consigo a disciplina fabril, ou seja, o indivíduo não trabalhava mais de acordo
com o clima e estações do ano.
Agora deveria aprender a trabalhar de maneira adequada à indústria, ou seja, em um ritmo regular de
trabalho diário ininterrupto e inteiramente diferente dos altos e baixos
provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola.
Acompanhando a Revolução Industrial ocorria o processo de
urbanização, com o desenvolvimento e crescimento desmensurado das cidades, que
se tornaram o palco dessas transformações. Ocorreu um esvaziamento do campo. As pessoas não só
atravessavam oceanos, como também partiam do campo para as cidades em busca dos
meios para sua sobrevivência ou de melhores condiçõs de vida. Paris tinha quase 600 mil habitantes em 1800. Em 1850, mais de 1
milhão, e em 1900, mais de 2,5 milhões (GAY, 1998, p. 45).
O século XIX pode ser compreendido como a era dos trens
expressos. Os trens eram a metáfora das rápidas mudanças. Sua velocidade servia
como símbolo para a velocidade das mudanças. E assim dinamizaram ainda mais as
transformações (por meio deles os jornais passaram a chegar cada vez mais
rápido aos lugares mais distantes e assim a informação pôde se difundir com
mais velocidade). Eles beneficiaram também a indústria, ajudaram a baixar o
custo do transporte da produção e as mercadorias perecíveis puderam ser transportadas
de forma mais ágil.
Eles
impuseram uma precisão ao tempo que nunca antes houvera. As cidades tiveram de
acertar seus relógios. Antes
deles, cada cidade marcava as horas como bem queria.
(GAY,
Peter. Arquitetos e mártires da mudança. In: A
experiência burguesa da rainha Vitória a Freud: a educação dos sentidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 54-55).
Em meio a tudo isso surgiu a Sociologia. Ela veio, nesse
primeiro momento, não só para compreender, mas também para reformar a sociedade. Afinal
de contas, a pobreza existente nas sociedades industriais não era mais vista
como um problema natural, um castigo da natureza ou da Providência, mas fruto da
exploração excessiva e, portanto, um prolema
social. A Sociologia nasceu como uma ciência
da sociedade industrial (BOTTOMORE, 2008, p. 19-21), ainda que seus pais não
concordassem entre si quanto aos métodos a ser empregados, tampouco quanto ao
objeto dessa ciência.
Ao
tratar de compreender a especificidade do que poderia ser chamado de “social” e
dada a própria natureza
de seu objeto, a Sociologia sofre continuamente as influências de seu contexto.
Ideias, valores, ideologias, conflitos e padrões presentes nas sociedades
permeiam a produção sociológica. [...] A Sociologia era, e continua a ser, um
debate entre concepções que procuram dar respostas às questões de cada época.
Por inspirar-se na vida social, não pode, portanto, estar ela própria livre de
contradições. (BARBOSA, Maria Lígia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia
Monteiro; QUINTANEIRO, Tânia. Um
toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2011. p. 22).
Logo, a Sociologia, desde o seu início,
não foi marcada pelo consenso, mas por intensos debates entre diferentes
correntes de pensamento. Há correntes que procuram explicar a sociedade a
partir de seus fundamentos econômicos (como a de Karl Marx) e outras que fazem uma interpretação causal da
cultura e da história (como a de
Max Weber). Há também perspectivas teóricas que explicam a sociedade a partir de um princípio do
equilíbrio e de uma tendência à integração (como a de Émile Durkheim) e outras
que veem a sociedade a partir das contradições e dos antagonismos que separam
os indivíduos.
Considerando que os jovens agora já possuem uma noção do
contexto do surgimento da Sociologia e de suas tensões, é possível explicar a distinção
entre Sociologia e outras disciplinas, como o Serviço Social ou a Filosofia. Muitos
jovens confundem-nas. Por isso, faz-se necessário estabelecer uma distinção entre
elas. No que se refere ao Serviço Social, pode-se dizer que a Sociologia se distingue
dele, pois ela é uma tentativa de compreensão
da realidade, ao passo que o serviço
do assistente social é sempre uma ação
na sociedade (BERGER, 2007).
Também se faz necessária a distinção entre Sociologia e Filosofia.
Embora a Filosofia, assim como a Sociologia, estude o ser humano, suas preocupações, normalmente, dizem respeito mais a
abstrações do que a uma compreensão dos homens imersos em contextos históricos
específicos. Você pode exemplificar como achar necessário para que os jovens
possam compreender tal distinção. Um questionamento filosófico sobre a realidade
pode passar pelas seguintes questões: O ser humano é livre? O que é liberdade? Tais questões são muito genéricas e não se preocupam tanto
com as especificidades dos diferentes homens e mulheres em sociedades
distintas. Na verdade, a Filosofia trabalha, na maioria das vezes, com um
conceito genérico de ser humano, pois se preocupa mais com a humanidade. Já o sociólogo
preocupa-se com questões específicas a
determinados contextos históricos. A
abordagem do tema “liberdade”, quando é feita por um sociólogo, pode partir,
por exemplo, das seguintes questões: Qual
é a concepção de liberdade para os japoneses? No Brasil, existe diferença entre
o que uma pessoa de classe média e uma pessoa de classe alta entendem pelo
conceito de “liberdade”?
Ou seja, há a
preocupação em compreender a sociedade em momentos históricos e culturais específicos.
Com isso, esperamos a aquisição uma noção do trabalho do
sociólogo, suas preocupações, bem como
entendido o contexto do surgimento da Sociologia.