A ideia de cidadania está relacionada
ao surgimento do Estado moderno e à expectativa de que este garanta os direitos
essenciais dos cidadãos em determinado território.
16.1. Uma sociedade com direitos para poucos
Até 1920, os valores de liberdade
individual praticamente inexistiam no Brasil. Para a maioria da população, os
direitos de ir e vir e de propriedade, a inviolabilidade de domicílio e a
proteção da integridade física dependiam do poder dos coronéis. Os direitos
políticos eram igualmente restritos. Os governantes eram escolhidos por
pouquíssimas pessoas, uma minoria que exercia o direito de voto.
Somente no final da década de 1920
algumas pequenas conquistas foram alcançadas, como os direitos de organização,
de manifestação, de escolha do trabalho e de greve. Os direitos sociais eram
quase inexistentes durante o período imperial e a República Velha. A
assistência social estava nas mãos das irmandades religiosas ou de sociedades
de auxílio mútuo organizadas por leigos. O Estado não se envolvia nessa
questão.
O Brasil teve duas constituições nesse
período – a de 1824 e a de 1891 –, mas algumas de suas determinações nunca
foram efetivadas. O cumprimento de regulamentações, como a da jornada de
trabalho infantil (1891), não era levado em conta nem cobrado pelas
autoridades. Os movimentos sociais que surgiram nesse período refletiam muito
mais reações aos abusos sofridos do que proposição de novos direitos.
16.2. A cidadania regulada
Entre 1930 e 1964, a situação dos
direitos civis e políticos variou bastante, mas na maior parte do tempo eles
foram restritos ou banidos. Os direitos sociais, por sua vez, tiveram uma
evolução, embora sob a supervisão do Estado.
De 1930 a 1945, os direitos civis e
políticos evoluíram pouco, pois foi curto o período de vigência de uma
constituição liberal. Em 1937 foi implantado o Estado Novo, regime ditatorial
que se prolongou até 1945.
De 1945 a 1964 Os direitos civis e
políticos retornaram a uma situação estável, com liberdade de imprensa, de
manifestação e de organização partidária, mas houve exceções.
No governo de Getúlio Vargas
(1930-1945; 1950-1954) colocaram-se em prática as reformas trabalhistas no Brasil.
Um dos primeiros atos desse governo foi a criação do Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio. Em 1943, foi promulgada a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), que continua vigente.
Para que esses direitos se efetivassem,
foi montada uma estrutura sindical, previdenciária e jurídica, que envolveu a
criação de diversos órgãos e instituições. Um sindicato tinha seu funcionamento
oficial permitido apenas se obtivesse reconhecimento do Ministério do Trabalho.
16.3. Os direitos cassados e a volta da cidadania
Com a implantação da ditadura, em 1964,
direitos civis e políticos foram restringidos. O governo militar criou os Atos Institucionais
(os AIs) que tornavam lei a falta de direitos.
·
AI-1 (1964) - cassou por dez anos os
direitos de numerosos militares e líderes políticos, sindicais e intelectuais e
forçou a aposentadoria de funcionários públicos, civis e militares.
·
AI-2 (1965) - aboliu a eleição direta
para presidente da República, extinguiu todos os partidos políticos e impôs o
bipartidarismo.
·
AI-5 (1968) - fechou o Congresso
Nacional, retomou a cassação e a suspensão dos direitos políticos e aboliu o
habeas corpus para crimes considerados contra a segurança nacional.
Os direitos civis básicos foram
desrespeitados, com a proibição das greves, a execução de prisões arbitrárias,
a violação de domicílios e correspondência e a promoção de tortura nas prisões.
Para que a ditadura parecesse legal, os militares mantiveram o Congresso
Nacional em atividade, porém totalmente vigiado e com interrupções de
funcionamento quando julgavam necessário.
Também contribuindo para a aparência de
legalidade, a Constituição de 1946 foi mantida, embora desfigurada pelos Atos
Institucionais. Em 1969 foi votada uma nova Constituição, que incorporava os
dispositivos jurídicos dos Atos Institucionais, menos os do AI-5 e os da Lei de
Segurança Nacional.
Durante a ditadura militar, os direitos
sociais foram utilizados para deixar transparecer um mínimo de cidadania e
cooptar setores populares. Foram criados:
·
Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS);
·
Fundo de Assistência Rural (Funrural);
·
Banco Nacional de Habitação (BNH);
·
Sistema Financeiro de Habitação (SFH).
Em 1978 teve início a “abertura” lenta
e gradual proposta pelos militares. O Congresso Nacional pôde votar o fim do
AI-5 e da censura prévia aos meios de comunicação. A votação da Lei de Anistia,
em 1979, permitiu o retorno ao país dos brasileiros exilados. Em 1988, o
Congresso aprovou a Constituição que vigora até hoje.
16.4. Cidadania hoje
A Constituição de 1988 garantiu, pela
primeira vez, a plenitude dos direitos civis, políticos e sociais no Brasil.
Na chamada Constituição cidadã, os
direitos humanos estão acima do Estado e legalmente definidos. No entanto, para
que os direitos humanos sejam respeitados, muita luta ainda será necessária
para que se tornem realidade e as pessoas possam de fato viver dignamente, com
acesso à educação, à saúde, ao trabalho e à fundação.
O histórico dos direitos no Brasil
parece invertido em relação ao que se observou nos Estados Unidos e nos países
europeus. Na maior parte de nossa história, os direitos civis e políticos foram
restritos. As propostas de direitos sociais tiveram sempre a intenção de
minimizar as condições precárias de vida da população. Só recentemente podemos
dizer que a maioria dos direitos clássicos foi estabelecida nas leis do país.
Ainda há muito por fazer para que se tenha educação de qualidade, sistema de
saúde eficiente, direitos trabalhistas permanentes, terra para trabalhar e
moradia digna.