Analisar a questão da democracia no
Brasil significa examinar não somente as instituições políticas e as regras
existentes, mas também a maneira de se viver a democracia. Pode-se dizer que
ela ainda é uma possibilidade, pois as forças de manutenção de práticas antigas
são muito grandes.
13.1. Democracia e representação política: as regras
institucionais
No Brasil, os detentores do poder mantiveram
a maioria da população fora do processo eleitoral por muito tempo. Desde a
proclamação da República, em 1889, cem anos se passaram para que a maioria da
população pudesse participar das eleições.
Desde então, a consciência do eleitor
mudou progressivamente. A compra de votos diminuiu com a urbanização, assim
como a pressão dos “coronéis” sobre a população rural, que ainda era maioria em
1960.O desenvolvimento das regras eleitorais e das técnicas de votar –
principalmente o voto secreto com cédulas únicas e a introdução das urnas
eletrônicas – contribuiu para essa evolução.
13.2. A luta por direitos civis, políticos e sociais
Após a proclamação da República,
diferentes segmentos da população procuraram ampliar os espaços de participação
política. A resposta a esses movimentos na maioria das vezes foi a repressão.
Só nos últimos anos os movimentos sociais conquistaram espaços institucionais
por meio de leis ou mediante organizações que lutam pela garantia dos direitos.
O Projeto Axé, criado em 1990, em Salvador, na Bahia, desenvolve trabalhos
sociais em comunidades carentes. Educação e condições de vida adequadas são
pré-requisitos para o exercício efetivo da democracia.
A democracia no Brasil é recente e está
se consolidando. Avançará à medida que se ampliarem as regras institucionais
para as eleições e o exercício do poder e se houver mais liberdade para lutar
pela manutenção dos direitos fundamentais e pela criação de novos direitos.
Somente quando a maioria da população tiver alimentação adequada, vida social
decente e educação de qualidade, a democracia estará garantida no Brasil.
13.3. Os partidos políticos no Brasil
Até 1930, os partidos eram apenas
agregados de oligarquias locais e regionais, organizados para tirar vantagens
do Estado. Pode-se dizer que os partidos, a partir da esquerda, do Partido
Comunista de Janeiro, 1946, todos militariam na clandestinidade após a cassação
do partido, em 1947. Em1966, a ditadura militar os aboliu e impôs o
bipartidarismo. O pluripartidarismo só foi retomado com o fim do período
autoritário.
O sociólogo brasileiro Rudá Ricci
afirma que os partidos políticos atuais se transformaram em imensas máquinas
empresariais em busca do voto. Com isso, perderam a capacidade de politizar a
sociedade, ou seja, não alimentam debates políticos que permitam à população
identificar as diferenças nos projetos para a sociedade.
No cotidiano do parlamento, o que se vê
são grupos (bancadas) reunidos em torno de corporações de interesses, gerando
verdadeiras oligarquias setoriais. As instituições da democracia representativa
ainda são vistas, portanto, como espaços para conchavos, corrupção e
negociatas. Poucos de seus membros têm credibilidade perante a população.
13.4. Algumas reflexões sobre o Estado e a sociedade
O Estado é uma organização criada pela
sociedade por diferentes percursos. A estrutura estatal implantada no Brasil
após a independência perdurou até 1889. Depois, muitas transformações
ocorreram, mas algumas características permaneceram, tornando a estrutura
estatal brasileira a expressão da articulação do novo com o velho.
O Estado no Brasil sempre se sobrepôs à
sociedade, como se fosse algo fora dela. Aprendemos desde cedo que tudo depende
do Estado e que nada podemos fazer sem a presença dele, atribuindo-lhe a
responsabilidade pelos problemas da sociedade e por suas soluções. Para
esclarecer as características das relações entre o Estado e a sociedade no
Brasil é preciso examinar a relação entre o que é público e o que é privado.
Privatização do público
Quem chegava ao poder tomava conta do
que era público como se fosse seu. O Estado adotou como princípio o
favorecimento dos setores privados mais poderosos em troca de sustentação. Para
o restante da sociedade, as políticas públicas se desenvolveram na forma de
“doação” ou de dominação, em nome da tranquilidade social. Isso não significa
que a população tenha sido sempre passiva.
A política do favor, o clientelismo
O clientelismo é um dos suportes das
relações políticas nacionais e ocorre entre os que têm o poder político e os
que têm o poder econômico. A troca de favores políticos por benefícios
econômicos pode ser observada na distribuição das concessões de emissoras de
rádio e televisão ou nos financiamentos para empresas, por exemplo. São formas
de conquistar apoio e sustentação de um partido, de uma organização ou de uma
família.
Essa prática não ocorre só nos setores
considerados atrasados da sociedade; é utilizada também pelos setores
considerados modernos, que encontram no Estado um aliado em momentos de crise.
Instalou-se no Brasil um capitalismo sem riscos, pois o poder público sempre
esteve pronto para salvar aqueles que se punham em perigo.
A política do favor aparece também no
cotidiano, na relação dos indivíduos com o poder público: na busca de ajuda em
diversas circunstâncias, na distribuição de verbas assistenciais e nas
promessas de políticos às pessoas ou instituições. Tudo para render votos
futuros.
Nepotismo e corrupção
Muita coisa mudou na administração
pública desde as reformas administrativas de Vargas. Os governos instituíram,
gradualmente, concursos para a maioria dos cargos públicos e procuraram
implantar uma administração com certo grau de profissionalização. No entanto,
ainda há casos de manipulação dos concursos e a prática do nepotismo, ou seja,
o emprego ou o favorecimento de parentes em cargos públicos.
A corrupção existe em todos os países,
tanto nas estruturas estatais como nas empresas privadas. No Brasil, ela se
mantém no sistema de poder porque o favor e o clientelismo continuam presentes.
O combate à corrupção requer a criação de mecanismos que a coíbam, garantindo
que os envolvidos sejam julgados e condenados por seus atos.
A despolitização e a economia como foco
Com as transformações produtivas e
financeiras no mundo a questão política no Brasil está cada vez mais dependente
da órbita financeira. O sociólogo Marco Aurélio Nogueira observa que a política
brasileira se resume a uma tentativa de estabilização monetária, na qual o
mercado está acima do Estado, o econômico acima do político, o especulativo
acima do produtivo e o particular acima do geral. Esse quadro gera uma
despolitização crescente, pois a política neutraliza-se como instrumento de
mediação entre o individual e o coletivo, campo de discussão das ideias e de
projetos políticos divergentes. Nos últimos anos, houve no Brasil um imenso
crescimento do eleitorado e, ao mesmo tempo, uma despolitização enorme, o que é
paradoxal.