Desde
o século XVIII, o termo “sociedade” – ou “sociedade civil” – era usado como
contraposição a “Estado”. A ideia de separação entre sociedade e Estado
prejudicou a compreensão de que o Estado é uma organização encarregada de
determinadas funções e sua constituição é um processo histórico como tantos
outros.
11.1. As teorias sociológicas clássicas
sobre o Estado
Karl Marx
Tendo
escrito sobre as questões que envolvem o Estado num período em que o
capitalismo ainda estava em formação, Marx não formulou uma teoria específica
sobre o Estado e o poder. Suas concepções sobre o Estado encontram-se em livros
publicados entre 1847 e 1871. Para esse autor, o Estado seria a expressão
jurídico-política da burguesia, isto é, uma organização cujos interesses são os
da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia.
Em
duas outras obras, ao analisar uma situação histórica específica, Marx afirma
que o Estado nasceu para refrear os antagonismos de classe, e, por isso, é o
Estado da classe dominante, apresentando-se por vezes como mediador – por
exemplo, nos momentos em que a luta de classes precisa ser equilibrada.
Analisando
a burocracia estatal, Marx afirma que, mesmo quando está acima da luta de
classes, o Estado continua criando as condições necessárias para o
desenvolvimento das relações capitalistas.
Pode-se
dizer, portanto, que para ele o Estado é uma organização cujos interesses são
os da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia.
Émile Durkheim
Ao
analisar a questão da política e do Estado, Durkheim teve a sociedade francesa
de seu tempo como referência.
Como
sempre esteve preocupado com a coesão social, considerava o Estadofundamental
numa sociedade que ficava cada dia maior e mais complexa.
Durkheim
dizia que o Estado “concentrava e expressava a vida social”. Segundo Durkheim,
o Estado proporciona um espaço mais amplo para o desenvolvimento da liberdade
individual.
A
intermediação entre Estado e indivíduos deve ser feita por grupos profissionais
organizados, que são a base da representação política e da organização social.
Para
Durkheim, portanto, o Estado é uma organização cujo conteúdo inerente são os
interesses coletivos.
Max Weber
Ao
analisar o Estado alemão, Weber afirma que o verdadeiro poder estatal está nas
mãos da burocracia militar e civil. Para ele, o “Estado é uma relação de homens
dominando homens” mediante a violência, considerada legítima.
Para
que essa relação exista, é necessário que os dominados obedeçam à autoridade
dos que detêm o poder. Há três formas de dominação legítima: a tradicional, a
carismática e a legal.
Para
Max Weber, portanto, o Estado é uma organização sem conteúdo inerente; é apenas
mais uma das muitas organizações burocráticas da sociedade. De acordo com
Weber, instituições militares (como o exército) e civis (como as máquinas
administrativas e burocráticas) garantem ao Estado o monopólio do poder e do
uso legítimo da força.
11.2. Democracia, representação e
partidos políticos
As
diversas formas que o Estado assumiu na sociedade capitalista estiveram ligadas
à concepção de soberania popular, que é a base da democracia. Tal soberania só
se torna efetiva com a representação pelo voto.
Para
entender a “igualdade política” defendida pelo pensamento liberal, base
ideológica do sistema capitalista, basta consultar o que disseram grandes
pensadores liberais:
·
O francês Benjamin Constant (1767-1830)
declarava que as pessoas condenadas ao trabalho diário e a uma situação de
dependência não estavam mais bem informadas acerca dos assuntos públicos que
uma criança; por isso, não podiam desfrutar o direito eleitoral.
·
O filósofo alemão Immanuel Kant
(1724-1804) declarava que, para exercer os direitos políticos, não bastava a
condição de homem; era preciso ser senhor de uma propriedade que lhe desse
sustento.
·
O inglês Edmund Burke (1729-1797), ao
analisar os perigos da Revolução Francesa para a sociedade burguesa, afirmava
que somente uma elite tinha o grau de racionalidade e de capacidade analítica
para compreender o que convinha ao bem comum.
Essas
ideias ainda estão presentes na sociedade. Expressam-se, por exemplo, em
declarações como “o povo não sabe votar” e na oposição à presença no Parlamento
ou em cargos executivos daqueles que defendem os direitos dos trabalhadores.
Muitos
ainda pensam que só se pode fazer política institucional por meio dos partidos
políticos. Mas os partidos nasceram da pressão exercida por quem não tinha
acesso ao Parlamento.
O
francês Claude Lefort (1924-2010) afirma que é uma aberração considerar a
democracia uma criação da burguesia. Essa classe sempre procurou impedir que o
liberalismo se tornasse democrático, limitando o sufrágio universal e a
ampliação de direitos. Para ele, a democracia é a criação contínua de novos
direitos. Não é apenas consenso, mas principalmente dissenso.
Para
alguns autores que procuram analisar os aspectos institucionais da questão
democrática, algumas condições precisam ser cumpridas para garantir a
efetivação da democracia representativa:
·
direito de voto;
·
eleições competitivas, livres e limpas
para o Executivo e o Legislativo;
·
proteção e garantia das liberdades
civis e dos direitos políticos;
·
controle efetivo das instituições
legais e de segurança e repressão.
O
sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (1940-) afirma que a democracia
no mundo contemporâneo apresenta duas imagens contrastantes. Por um lado, a
democracia representativa é considerada internacionalmente o único regime
político legítimo. Por outro, há sinais de que os regimes democráticos, nos
últimos vinte anos, traíram as expectativas da maioria da população,
principalmente das classes populares.
11.3. A sociedade disciplinar e a sociedade
do controle
Há
pensadores que analisam a questão do poder e da política sem dar primazia às
relações com o Estado.
·
O francês Michel Foucault (1926-1984)
afirma que todas as instituições procuram disciplinar os indivíduos desde que
nascem. Esse poder desenvolve-se por meio de gestos, atitudes e saberes. É o
que chama de a “arte de governar”, entendida como a racionalidade política que
determina a forma de gestão das condutas dos indivíduos.
·
O francês Gilles Deleuze (1925-1995)
declara que vivemos numa sociedade disciplinar, mas já percebemos a emergência
de uma sociedade de controle.
·
Para o alemão Theodor Adorno
(1903-1969), a sociedade de controle é como uma “prisão ao ar livre”. Os
métodos de controle são de curto prazo e de rotação rápida, mas contínuos e
ilimitados. Alcançam-nos em todos os momentos e lugares, sem deixar
possibilidade de fuga.
Exemplos
desses métodos de controle são as avaliações permanentes e a formação
continuada. Outra forma de controle contínuo são os “conselhos” a respeito da
saúde, que estão presentes na TV e na internet.
Na
sociedade disciplinar, o indivíduo passa de um espaço fechado para outro e não
para de recomeçar, pois em cada instituição deve aprender alguma coisa. A ronda
dos prisioneiros, de Van Gogh, 1890. Na sociedade disciplinar, da família à
escola, do hospital à prisão, as instituições confinam, adestram e vigiam os
indivíduos.
Na
sociedade disciplinar, a linha de produção é o coração da fábrica. Na sociedade
de controle, o serviço de vendas é a alma da empresa.
O
marketing é o instrumento de controle social por excelência: somos todos
consumidores. Se tudo pode ser comprado e vendido, por que não as consciências
e outras coisas mais?
Se
na sociedade disciplinar há sempre um indivíduo vigiando os outros, na sociedade
de controle todos olham para o mesmo lugar. A televisão é um bom exemplo disso,
pois milhares de pessoas estão sempre diante do aparelho.