Entre
os estudiosos que se preocuparam em analisar a relação dos indivíduos com a
sociedade, destacam-se os clássicos da Sociologia, como Karl Marx, Émile
Durkheim e Max Weber, e alguns mais recentes, como Norbert Elias e Pierre
Bourdieu. Vamos sintetizar a seguir a visão de cada um.
3.1. Karl Marx, os indivíduos e as
classes sociais
Para
Karl Marx (1818-1883), o ser humano, além do resultado da evolução biológica da
espécie, é um produto histórico em constante mudança, dependendo da sociedade
na qual está inserido e das condições em que vive. Assim, os indivíduos devem
ser analisados de acordo com o contexto social em que vivem.
Coletando
alimentos, caçando, defendendo-se e criando instrumentos, nossos ancestrais
construíram sua história e sua existência na sociedade. Ao produzir as
condições materiais de existência, o indivíduo elabora sua consciência, seu
modo de pensar e conceber o mundo. Nesse sentido, Marx afirma que é a maneira
como os indivíduos produzem sua existência que condiciona o processo de vida
social, política e intelectual, ou seja, o modo como a pessoa vive determina
como ela pensa. Assim, a sociedade produz o indivíduo e este produz a
sociedade. Por isso, Marx não analisa um indivíduo genérico, abstrato, mas os
indivíduos humanos reais que vivem em uma sociedade histórica.
3.2. Constituição das classes
De
acordo com Marx, na sociedade capitalista, os operários não trabalham mais para
si, mas vendem seu trabalho e não conseguem se reconhecer no que fazem e
produzem. Assim desumanizados, os indivíduos trabalhadores se identificam de
sua exploração, configurando uma classe social.
Marx
mantém a ideia do indivíduo como ser social e afirma, que os seres humanos
constroem sua história, mas não da maneira que querem, pois são condicionados
por situações anteriores. O ponto central da análise marxista da sociedade
capitalista está nas relações estabelecidas entre as classes que compõem essa
sociedade. Para ele, só é possível entender as relações dos indivíduos com base
na luta de classes que se desenvolve à medida que os homens e as mulheres
procuram satisfazer suas necessidades, sejam elas oriundas do estômago ou da
fantasia.
3.3. Émile Durkheim, as instituições e
o indivíduo
Para
o fundador da escola francesa de Sociologia, Émile Durkheim (1858-1917), a
sociedade sempre está acima dos indivíduos, dispondo de certas regras, normas,
costumes e leis que asseguram sua continuidade. Isso independe do indivíduo e
paira sobre todos, formando uma consciência coletiva que dá o sentido de
integração entre os membros da sociedade. Esses elementos se solidificam em
instituições, base da sociedade, como a família, a escola, o sistema judiciário
e o Estado.
A
força da sociedade está na herança transmitida, por intermédio da educação, ás
gerações futuras. Condicionado e controlado pelas instituições, cada membro de
uma sociedade sabe como deve agir para não desestabilizar a vida comunitária, e
sabe também que será punido caso provoque alguma desestabilização.
Diferentemente
de Marx, que vê a contradição e o conflito como essenciais na sociedade,
Durkheim enfatiza a necessidade da coesão e da integração para a sociedade se
manter. Para ele, o conflito existe pela anomia ou ausência da normatização das
relações sociais ou pela falta de instituições que as regulamentam.
Durkheim
só considera um fenômeno social como fato social se ele for:
* coercitivo,
impondo-se aos indivíduos, fazendo com que aceitem as normas da sociedade;
* exterior
aos indivíduos, existindo antes deles e não sendo
fruto das consciências individuais;
* geral,
atingido todos os indivíduos que fazem parte de uma sociedade.
3.4. Max Weber, o indivíduo e a ação
social
Max
Weber (1864-1920) parte do indivíduo e de suas motivações para compreender a
sociedade como um todo. Sua preocupação central é compreender o indivíduo e
suas ações. Para ele, a sociedade não está acima das pessoas; ela é o conjunto
das ações dos indivíduos que se relacionam o tempo todo.
Um
dos principais elementos presentes no intercâmbio entre os indivíduos é o
dinheiro, que circula entre as pessoas e é universalmente aceito como elemento
de troca, porque existe a expectativa de que outros o utilizem como elemento de
troca. De acordo com Weber, há quatro tipos de ações sociais:
* ação tradicional, que tem por base um costume
arraigado, como uma tradição familiar, em que agimos quase automaticamente ou
por imitação, ações sociais mais comuns;
* a
ação afetiva, ligada à satisfação de desejos, aos
sentimentos e aos estados emocionais;
* a
ação racional com relação a valores, baseada em convicções e valores
éticos, estéticos, religiosos e outros;
* a
ação racional com relação a fins, na qual, para atingir um objetivo, o
indivíduo se programa, pesa e mede as consequências em relação ao que pretende
obter.
Weber
assume que essa classificação abrange tipos conceituais em estado puro,
construídos como ferramentas para analisar a realidade. Os indivíduos, em seu
dia a dia, mesclam os vários tipos de ação social. Para Weber, diferentemente
de Durkheim, as razões das ações humanas não são algo externo a elas. O
indivíduo escolhe condutas e comportamentos, dependendo da cultura em que vive,
sempre numa perspectiva de reciprocidade por parte dos outros.
3.5. Norbert Elias e Pierre Bourdieu: a
sociedade dos indivíduos
Até
aqui, abordamos três diferentes análises da relação entre indivíduo e
sociedade, para explicar o processo de constituição da sociedade e a maneira
como indivíduos se relacionam:
* Para Marx, o foco recai sobre os
indivíduos inseridos as classes sociais e sobre os conflitos e as contradições
que existem entre elas, provocando a luta de classes.
* Para Durkheim, o fundamental é a integração
dos indivíduos na sociedade.
* Para Weber, os indivíduos e o sentido
de suas ações são os elementos constitutivos da sociedade.
Vamos
tratar agora de dois autores mais recentes, entre muitos outros que também
construíram análises da relação entre indivíduo e sociedade: o alemão Norbert
Elias (1897-1990) e o francês Pierre Bourdieu (1930-2002).
3.6. O conceito de configuração
Elias
criou a teoria da configuração para
superar a dicotomia entre indivíduo e sociedade. Os dois parecem se contrapor o
temo todo como se a felicidade dos indivíduos fosse impossível numa sociedade
livre de conflitos. Ele defende que só nas relações e por meio delas os
indivíduos adquirem características humanas como falar, pensar e amar. Sem uma
sociedade que tenha história, cultura e educação, nenhum indivíduo trabalharia,
estudaria e se divertiria.
O
conceito de configuração nos ajuda a pensar essa relação de forma dinâmica,
como acontece na realidade. Para Elias, “configuração é a teia de relações de
indivíduos interdependentes que estão ligados de diversas maneiras e em vários
níveis, pelos quais perpassam relações de poder”.
As
configurações ocorrem em qualquer sociedade: não dá para separar indivíduo e
sociedade. Daí vem a expressão sociedade
dos indivíduos, criada por Elias, realçando a unidade, não a divisão.
3.7. O conceito de habitus
Elias
utiliza também o conceito de habitus,
compartilhado por Pierre Bourdieu e definido como um saber social incorporado
pelo indivíduo em sociedade.
Bourdieu,
ao retomar esse conceito, quer ligar teoricamente indivíduo e sociedade e
define habitus como “a relação entre
as condições de existência do indivíduo e suas formas de ação e percepção,
dentro ou fora dos grupos”. Em outros termos, seu conceito de habitus articula práticas cotidianas – a
vida concreta dos indivíduos – com as condições de classe de determinada
sociedade, ou seja, articula a conduta dos indivíduos e as estruturas mais
amplas.