Abordaremos duas posturas que devem ser evitadas quando se
pretende explicar as diferenças entre os seres humanos: o determinismo geográfico e o determinismo biológico.
Elas são comuns quando as pessoas tentam responder à
questão: Por que
somos diferentes? Contudo,
embora essas posturas sejam muito populares, o objetivo é discuti-las e
criticá-las para entender porque ambas são respostas equivocadas.
Por que somos diferentes? Provavelmente você dirá que isso
ocorre porque as pessoas têm costumes diferentes; porque há indivíduos que têm
mais dinheiro e aqueles que têm menos; ou, ainda, porque as pessoas vêm de
meios diferentes ou porque somos geneticamente diferentes, entre muitas outras
possíveis respostas.
De qualquer forma, o objetivo aqui é o de criticar duas
posturas radicais que costumam dar uma explicação simplista para essa questão.
Essas posturas são: o determinismo geográfico e o determinismo biológico.
Na maioria das vezes, o senso comum acredita que a
diferença é fruto somente
do meio físico e/ou de fatores biológicos. Aqueles que
acreditam que a diferença ocorre principalmente por conta do meio físico são os
adeptos do determinismo geográfico e os que dizem que é uma questão puramente biológica
são adeptos do determinismo biológico.
Ambas são posturas ou explicações a serem evitadas.
O determinismo geográfico
O
determinismo geográfico pode ser definido como a postura segundo a qual se acredita
que as diferenças de ambiente físico condicionam totalmente a diversidade cultural. Ou seja, segundo essa postura, os seres
humanos são diferentes, pois habitam áreas geográficas diferentes: umas mais
frias, outras mais quentes, umas mais próximas ao mar, outras mais altas etc.
Para os adeptos do determinismo geográfico, o meio físico condiciona totalmente
o comportamento do ser humano. Assim, acreditam, por exemplo, que pessoas que
moram em regiões quentes são mais preguiçosas, por conta do calor, entre outros
preconceitos.
A
Antropologia mostrou que existem limites para a influência do ambiente físico
em uma determinada cultura. Ou seja, o meio físico pode influenciar os seres
humanos e seus costumes, mas não o condiciona totalmente.
Os
hábitos, costumes e conteúdos simbólicos da vida de um povo podem sofrer
influência do meio físico. Existem elementos em nossa cultura que são influenciados
pelo meio, como a maior parte das nossas roupas. Elas são adaptadas ao nosso
clima. Ou, ainda, o fato de nos alimentarmos de mandioca, que é uma raiz que
constitui a base da alimentação em muitas regiões do Brasil. Em países de clima
mais frio, é comum que as casas tenham sistema de aquecimento central, para que
as pessoas não sofram com as baixas temperaturas, e se alimentem de vegetais
que se desenvolvem em temperatura mais baixa do que aquela aqui encontrada.
(Elaborado
especialmente para o São Paulo faz escola)
Questões:
1) O que é determinismo geográfico?
Explique com suas palavras.
2) Além dos exemplos contidos no texto, apresente
outros de como o meio físico
pode influenciar, em parte, a nossa cultura.
Queremos demonstrar que o determinismo geográfico é uma
postura a ser evitada. Admitimos, inicialmente, que o meio físico, em parte,
influencia uma cultura. No entanto, o meio físico não condiciona totalmente uma
cultura; há limites para esse
condicionamento. Em um mesmo meio geográfico, é possível
que culturas diferentes se desenvolvam.
Como exemplo, citamos os países escandinavos: Suécia,
Noruega, Finlândia e Dinamarca. Suécia, Noruega e Finlândia são os países que
compõem a Península Escandinava e a Dinamarca fica na Jutlândia. Eles têm o
mesmo clima e um relevo muito parecido, assim como a flora e a fauna. Mesmo assim,
possuem culturas diferentes e línguas diferentes: há o sueco, o dinamarquês, o
finlandês e o norueguês.
Se fosse verdade que o meio físico condiciona totalmente o
comportamento dos seres humanos, só haveria uma cultura na Península Escandinava,
e não é o que acontece.
Por que isso ocorre? Porque, ao contrário do que acreditam
os adeptos do determinismo geográfico, o meio físico não influencia totalmente
a cultura. Na verdade, há limites para a influência do meio físico sobre a
cultura. Esses limites são dados pelos interesses de cada cultura.
Toda
cultura age seletivamente em relação ao meio físico em que ela se desenvolve e,
por isso, existem elementos culturais que, apesar de aceitos, não estão de
acordo com o meio geográfico. Um exemplo notório é o uso do terno e da gravata
em um país quente como é o Brasil na maioria dos meses do ano. Essa roupa é
adequada aos países de clima temperado, mas totalmente inadequada, na maior
parte do ano, ao clima do nosso país.
Mesmo
assim, os homens, seja por razões de trabalho, seja porque têm de comparecer a
um determinado evento social, muitas vezes usam terno e gravata. Por que eles
fazem isso? Porque essa roupa tem um significado cultural. Trata-se do exemplo
de uma vestimenta mais formal, que proporciona certo status social, pois não é uma roupa barata.
Se
o meio físico influenciasse totalmente as culturas, como querem acreditar os
adeptos do determinismo geográfico, os homens usariam roupas adequadas ao nosso
clima.
Essa
mesma reflexão pode ser feita em relação aos hábitos de alimentação.
Existem
animais que habitam o Brasil e outros países, como a China, o Camboja, a
Tailândia, o Vietnã e o México, por exemplo. Mas isso não significa que eles
sejam considerados passíveis de servir como alimento aqui e lá. É o caso do
rato. No Brasil, é praticamente impensável para uma pessoa se alimentar da carne
de ratos. Já na China, no Camboja, no Vietnã e na Tailândia, esses animais são
normalmente consumidos como alimento. Na Tailândia também é comum comer espetos
de certas larvas na rua, assim como aqui se come churrasco. Há ainda o caso do
México: lá é possível comer tacos (prato típico mexicano feito de farinha de
milho, parecido com uma panqueca, com vários tipos de recheios e molhos)
recheados com certo tipo de grilo comestível. Se o determinismo geográfico
realmente existisse, nós nos alimentaríamos igualmente desses animais, que
também habitam nosso território.
(Elaborado
especialmente para o São Paulo faz escola)
A partir dessa leitura podemos concluir que o meio físico
age sobre a cultura, embora não a condicione totalmente, pois a cultura age de
forma seletiva em relação aos elementos do meio físico.
O determinismo biológico
Agora vamos abordar a outra postura a ser evitada, o
determinismo biológico. Segundo essa postura, as pessoas seriam totalmente
condicionadas por fatores biológicos, ou seja, pela genética.
É importante destacar que essa é uma postura a ser evitada,
pois diferenças genéticas não determinam diferenças culturais. Infelizmente, muito
do preconceito existente está relacionado a esse raciocínio equivocado.
Para trabalhar essa questão, leia o texto a seguir:
Outra
linha de pensamento que procura explicar o que diferencia um ser humano do
outro é a do determinismo biológico, segundo a qual as diferenças genéticas
determinam as diferenças culturais.
Essa
é a velha história de que “o homem é o que é, pois isso estaria no sangue”, ou
seja, todas as diferenças entre duas pessoas seriam estabelecidas por meio dos
nossos genes. A partir desse tipo de raciocínio, cria-se uma série de
estereótipos, tais como: os judeus e os árabes nascem para negociar; os alemães
são bons de cálculo; os norte-americanos são todos empreendedores etc. E a
justificativa é a de que isso estaria no sangue.
Mas
isso é um grande engano, por várias razões.
A
primeira razão é dada pelos avanços dos estudos genéticos que mostraram que os seres humanos são muito
parecidos e muito diferentes entre si do ponto de vista genético. Em termos da porcentagem total de
material genético, a variação genética entre dois seres humanos é inferior a
1%. Entretanto, se verificarmos em números, será possível observar que há
milhões de diferenças no código genético entre dois indivíduos escolhidos ao
acaso. Ou seja, apesar de sermos muito parecidos em termos relativos (uma
diferença menor do que 1%), em termos absolutos, isto é, considerando o número
de diferenças genéticas, somos muito diferentes (milhões de diferenças entre
dois indivíduos). Em outras palavras, milhões dessas diferenças genéticas
representam menos de 1% do total do código genético, não importando a origem
geográfica ou étnica deles. No entanto, mais de 90% dessa variação ocorre entre
indivíduos e menos de 10% ocorre entre grupos étnicos (“raças”) diferentes,
mais um argumento para o fato de que há apenas uma raça de Homo sapiens: a raça humana!
Com
base em tais informações, é possível dizer que cada um de nós é um ser humano
único e tão diferente de outro ser humano que procurar juntar as pessoas para
formar grupos distintos (por exemplo, “raças humanas”) não faz sentido.
Não
existem diferenças suficientes entre os grupos humanos para permitir separar ou
juntar os seres humanos em “raças”. As diferenças visualizadas entre populações
de continentes distintos são muito pequenas e superficiais, não se refletindo
no genoma (constituição genética total de uma pessoa).
Mas,
mesmo assim, há aquelas velhas questões: Se isso é verdade, por que tantos
portugueses são padeiros? Por que tantos descendentes de árabes são
comerciantes? Isso não está mesmo no sangue?
Se
isso fosse verdade, então Portugal seria um país de padeiros e em todos os lugares
onde os portugueses fossem morar eles seriam padeiros. E isso não acontece.
Se
aqui há muitos descendentes de portugueses que são padeiros, isso se deve ao
fato de que essa foi uma profissão em que vários imigrantes se destacaram, e
que eles a ensinaram a outros imigrantes, mas não porque estava no sangue deles
ser padeiro.
O
pão é um alimento de consumo em todas as regiões do mundo, mas isso não quer
dizer que só os portugueses façam pão, ou que o façam melhor do que outros
povos. Há padeiros chineses, malaios, indianos, botsuanos, alemães, franceses,
gregos, espanhóis, russos, chilenos, bolivianos, argentinos, holandeses,
japoneses, australianos, moçambicanos etc. E não só portugueses. Há padeiros em
todas as sociedades, em todas as culturas. E, se há portugueses em todos esses
lugares citados, isso não significa que eles sejam padeiros. Em outras regiões
do mundo, eles podem ter se especializado em outras profissões. Logo, é
equivocado achar que profissões tenham uma determinação biológica e que exista
o determinismo biológico.
(Elaborado
especialmente para o São Paulo faz escola)
O que é o determinismo
biológico e por que essa é uma postura que deve ser evitada? Para continuar esta discussão, vamos
ler o seguinte texto:
Toda
criança ao nascer é fruto da combinação de elementos genéticos do pai e da mãe.
Contudo, sua maneira de agir, pensar e sentir não está relacionada com esse
código genético. Na verdade, se transportarmos para a Bolívia um bebê inglês e
o criarmos ali com outros pais, ele desenvolverá os hábitos, a maneira de falar
e de raciocinar típicos do lugar. Provavelmente não gostará de comer a comida
que seus pais biológicos ingleses apreciam, nem pensará como um inglês, pois
assumirá os hábitos e costumes da família boliviana que o criou. A carga
genética vinda de seus pais não influenciará seu comportamento. Mesmo
determinadas doenças, para as quais ele, porventura, tenha predisposição genética,
poderão não se manifestar, impedidas possivelmente pelos hábitos alimentares e
de vida adquiridos no novo país.
Isso
demonstra que o determinismo biológico é uma postura equivocada e que deve ser
evitada, pois a cultura pode interferir no plano biológico. Do ponto de vista
biológico, em geral, os homens são mais fortes do que as mulheres, mas em
várias culturas é a mulher quem realiza o trabalho braçal e não o homem. A
Antropologia tem mostrado que muitas atividades atribuídas aos homens em
determinadas culturas são realizadas pelas mulheres em outras. Portanto, apesar
de existirem diferenças biológicas entre homens e mulheres, a cultura pode
interferir no plano biológico.
O
riso é outro exemplo de que o determinismo biológico é uma postura equivocada.
Segundo
Laraia (2009, p. 69), o riso é uma propriedade do ser humano e dos primatas
mais desenvolvidos. Mas o que é considerado risível varia de cultura para
cultura. Ou seja, o riso é totalmente condicionado pelos padrões culturais,
apesar de toda a sua fisiologia.
Questões:
1)
De
que maneira a cultura age em relação ao meio físico?
2)
Cite
um exemplo do texto que mostre isso e explique por quê.
3)
Descreva
um exemplo, que não seja tirado do texto, de como a cultura age de forma seletiva
em relação ao meio físico.
4)
Retire
do texto um exemplo que mostre por que a postura do determinismo biológico é
equivocada e o explique.
5)
Descreva
um exemplo diferente dos apresentados para mostrar o problema do determinismo biológico.