O subdesenvolvimento como consequência
Os estudos que buscam analisar e
identificar as diferenças existentes entre as nações e entre as regiões e
setores de uma mesma nação, quando guiados por uma visão crítica e não
eurocentrada, acabam por revelar diversidades que resultam de relações de
dominação historicamente estabelecidas. Essa tendência descarta a possibilidade
teórica de se conceber um princípio geral de desenvolvimento de regiões e
nações que se constitua em um modelo capaz de explicar diferenças existentes
entre as sociedades humanas.
É preciso aceitar que os obstáculos ao
desenvolvimento têm uma razão histórica. Trata-se da necessidade de as nações e
setores dominantes se desenvolverem mais a um menor custo, embora a forma de
dominação tenha variado conforme as diferentes fases de expansão do
capitalismo. As desigualdades tendem, portanto, a se reproduzir e a se ampliar,
e nunca a alcançar um equilíbrio.
O desenvolvimento de um país ou de uma região
resulta sempre do subdesenvolvimento de outro. E, caso o subdesenvolvimento se
caracterizasse pela dualidade de estruturas, como um momento de transição para
o desenvolvimento, como explicar a desigualdade entre populações, regiões e
setores das sociedades “desenvolvidas”?
Hoje, as diversas teorias sociológicas
tendem a compreender a dependência das nações “subdesenvolvidas” como parte de
um sistema mundial de relações econômicas. Por outro lado, procuram desvendar o
aparecimento de graves distorções na organização das sociedades
“subdesenvolvidas” como a pobreza, a repressão, a concentração populacional, o
desemprego, a dependência cultural e o autoritarismo. O desenvolvimento de uma
nação é fruto de sua história, de suas condições internas e das relações
internacionais nas quais esteve inserida. Essa compreensão aparece nas mais
modernas elaborações teóricas.
Uma das últimas, chamada teoria institucionalista,
foi formulada por Douglas North, prêmio Nobel de economia em 1993. Considerando
o subdesenvolvimento como um ambiente social que tem dificuldades em inovar, em
romper com a influência das hierarquias locais e com a estreiteza dos círculos
de relação social, ele atribui a resistência dessas características à
fragilidade das instituições sociais em organizar a produção. Seriam elas as
responsáveis por esses vícios do subdesenvolvimento.
Mas a novidade de seu
trabalho está justamente em ter percebido que essa fragilidade institucional
não se encontra nas instituições em si mesmas, na sua formulação ou
funcionamento e nem mesmo na competência das pessoas que as dirigem, mas na
história das sociedades que as fragilizam. Não podemos discorrer sobre o
desenvolvimentismo nem sobre a abordagem histórica como método fecundo para o
estudo das sociedades e de sua inserção no mundo contemporâneo sem mencionar um
outro importante autor.
É Anthony Giddens, reitor da London School of Economics
and Political Science desde 1993, que denuncia o modelo de transformação linear
defendido pelos sociólogos clássicos, de acordo com o qual as sociedades passam
de simples a complexas. Crítico ácido de sua época, Giddens não vê na época
contemporânea o progresso que as sociedades ricas ou desenvolvidas afirmam ter
atingido. Afirma também que cada sociedade em um dado momento de sua história
reinventa seu passado e suas tradições, que permanentemente se atualizam. Para
entender esse processo que vai do passado ao presente, do geral ao particular,
Giddens acredita no poder da hermenêutica.
1.2 O que são países
em desenvolvimento?
Chamados de colônias ou de nações
selvagens no período anterior à sua independência, de países agrários e
subdesenvolvidos no século XIX e, após a Segunda Guerra Mundial, de países do
Terceiro Mundo, as nações e os povos da Ásia, da América Latina e da África têm
entre si algumas características comuns: foram colonizados por países europeus;
possuem economia estruturada em função de interesses estrangeiros; tiveram suas
formas societárias tradicionais extintas ou combalidas por uma ação
civilizatória de amplo alcance; e, finalmente, tiveram sempre uma posição de
inferioridade nas relações internacionais com os países desenvolvidos.
São
cerca de cento e vinte países – contra vinte que constituem o grupo de países
chamados desenvolvidos, ricos ou industrializados – nos quais vivem quatro
quintos da população mundial, estando, quase a metade, em situação de intensa
pobreza, com uma renda per capita inferior a US$ 200 (duzentos dólares) anuais.
Os países “em desenvolvimento” possuem cerca de um décimo do produto interno
bruto (PIB) dos países “desenvolvidos”. Existe esperança para esse mundo “em
desenvolvimento”?
Existe, se pensarmos como os cientistas da atualidade,
reconhecendo que o subdesenvolvimento não afeta somente os países pobres nem
pode ser explicado apenas em função deles. Também haverá esperança se tivermos
consciência da interdependência existente no mundo, a qual se expressa nos
movimentos de oposição a testes nucleares e nos estudos do efeito estufa para a
camada de ozônio da atmosfera; se reconhecermos que a violência e a pobreza são
problemas que ameaçam a segurança também dos países, setores e regiões ricas e
“desenvolvidas”.
1.3 O desenvolvimentismo
e a nova tecnologia
O colonialismo, entendido como um
sistema de exploração imposto pelas metrópoles europeias às regiões
conquistadas do resto do mundo, já teve diferentes fases.
A primeira, de
exploração comercial, quando os sistemas produtivos autóctones puderam ser
conservados enquanto a produção destinava-se ao mercado europeu. As relações
coloniais então se baseavam essencialmente na conquista da terra, na dominação
étnica, na orientação da produção e na apropriação da matéria-prima a baixo custo.
A segunda fase, industrial, exigiu a substituição dos sistemas produtivos e o
início da internacionalização da economia. As relações de dependência então
assumiam também um caráter tecnológico. Data dessa época a expansão ferroviária
e hidroelétrica.
Além da transposição de tecnologia, as relações coloniais
envolviam ainda a compra de matéria-prima a baixo custo pelos países
industrializados e a venda de produtos manufaturados europeus a custo elevado e
sem concorrência. Uma terceira etapa se verificou com a implantação das
multinacionais e com o financiamento do desenvolvimento industrial no chamado
Terceiro Mundo, quando sistemas produtivos inteiros foram transplantados de um
país para outro.
As relações de dependência assumem cada vez mais um caráter
tecnológico e financeiro. Entramos agora numa nova fase em que o mundo se
encontra inteiramente conectado a uma nova rede tecnológica e de
telecomunicações. Nesse estágio, podemos dizer que o domínio tecnológico
suplanta o da produção. A interdependência e a globalização dão novo sentido às
formas tradicionais de colonialismo.
Nessa quarta fase de dependência nas
relações internacionais, alguns aspectos adquirem especial importância: n As
novas tecnologias industriais, como a robótica, dispensam mão de obra não
qualificada, predominante nos países “não desenvolvidos” ou “em
desenvolvimento”. Logo, nessas nações, o desemprego tenderá a ser maior e as
rendas per capita e familiar menores, agravando a pobreza e diminuindo as
possibilidades de reduzir as diferenças que as separam do mundo desenvolvido.
O descompasso tecnológico entre países ricos e pobres tende a aumentar à medida
que se aceleram as invenções e mais rapidamente os equipamentos se tornam
obsoletos. Isso exige que os planos de expansão tecnológica criem setores
prioritários, uma vez que a atualização do parque industrial requer um enorme
capital, especialmente reservado para essas necessidades. Como os países pobres
não têm condições de promover a atualização de equipamentos em todos os setores
produtivos, a tendência é aumentar o que chamamos de colonialismo interno, ou
seja, as relações desiguais estabelecidas entre setores e regiões dentro de um
mesmo país.
A possibilidade de autonomia tecnológica – e até mesmo a simples
atualização e compatibilização com as inovações mundiais –
exige pesquisa e investimentos na área de educação e treinamento, setores
nitidamente carentes nos países “em desenvolvimento”.
·
As áreas de pesquisa, produção e
administração se desenvolvem de maneira não integrada nos países “em
desenvolvimento”, fazendo-se necessária a adoção de uma política tecnológica
mais adequada, de forma a não reduzir o avanço tecnológico à mera compra de
equipamentos.
·
A indústria nos países “em
desenvolvimento” não pode competir com os produtos dos países “desenvolvidos”,
de melhor qualidade e preço mais baixo. Essa concorrência desigual coloca os
países “em desenvolvimento” em desvantagem diante da abertura de mercado e da
globalização.
·
A informática é uma tecnologia
integrativa. Nesse sentido, exige uma ação integrada envolvendo
infra-estrutura, produção, mercado, consumo, poupança, reinvestimento, pesquisa
e treinamento. Isso requer planejamento e decisão política. Exige que se
priorize a atualização tecnológica em países onde as elites detêm privilégios
advindos de setores tradicionais e “atrasados” da economia.
·
Existem técnicas produtivas que se
aprimoram sem suporte de conhecimento científico, como, por exemplo, as
técnicas de domesticação de animais que se desenvolveram no mundo, anteriores
ao desenvolvimento do conhecimento científico e independentes desse. Não é o
caso da informática, que exige o aperfeiçoamento da ciência e da pesquisa,
nitidamente atrofiados nos países “em desenvolvimento”.
É nesse quadro que se colocam as
questões de desenvolvimento e globalização, que devem ser analisadas pelos
países “em desenvolvimento” em suas políticas econômicas e científicas. Mas nem
tudo está a favor dos países ricos. A globalização torna todos os países
extremamente interdependentes.
Para o consumo dos produtos dos países
industrializados, para a implantação das multinacionais em países ditos
emergentes, é preciso que se promova o desenvolvimento tecnológico global. As
redes de comunicação, ao remover as fronteiras territoriais, tornam os países
ricos também vulneráveis aos diferentes males, que passam a circular de maneira
mais livre e descontrolada pelo planeta.
O enfraquecimento dos Estados
nacionais, causado, entre outras razões, pelos efeitos da globalização,
democratiza a pobreza, o analfabetismo e as deficiências regionais, além de
fazer recrudescer, nos países “desenvolvidos”, conflitos mascarados pela
integração nacional, como os étnicos e os religiosos. Hoje, o colonialismo
tornou-se mais complexo e radical. Os países “desenvolvidos” também apresentam
problemas graves que parecem estar longe de serem solucionados – há pobreza,
além de conflitos envolvendo minorias étnicas e raciais.
O controle da expansão
demográfica nos países ricos provocou o surgimento de cifras negativas de
crescimento, ao lado de uma multiplicação geométrica da pobreza nos países
pobres. O desemprego estrutural aumenta com a utilização de mão de obra barata
nos países “em desenvolvimento” pelas empresas transnacionais.
Enfim, o risco
de um grande conflito social torna-se cada vez mais real. Está longe o tempo em
que os países “desenvolvidos” se arriscavam a conceber a questão do
desenvolvimento como um problema que dizia respeito apenas às nações pobres.
Quando o terremoto em Kobe, no Japão (1995), deixou parte das indústrias
norte-americanas sem os componentes eletrônicos produzidos naquele país, a
globalização mostrou suas fraquezas.
E o que dizer diante da ameaça de escassez
de matérias-primas e até mesmo de água? No entanto, a complexidade do
colonialismo se dá não apenas por implicar a apropriação de produtos e uma
política de preços ou ainda a especulação em torno do endividamento externo.
Hoje, o colonialismo também envolve desenvolvimento técnico e científico,
treinamento, políticas complexas de investimento e uma atuação econômica
globalizada, na qual investidores do mundo inteiro realizam negócios lucrativos
em nome de suas empresas e não mais em nome de seus países. E esperam retorno
desse investimento.
Além disso, a formação de blocos econômicos representando
alianças, acordos, parcerias, em substituição ao secular padrão do
Estado-nação, faz emergir divergências e identidades novas. Antigas rivalidades
deixam de existir, aproximando velhos inimigos, ao mesmo tempo em que laços
tradicionais são desfeitos, criando centros de forças no cenário internacional.
1.4 A contribuição
latino-americana
As teorias que foram estudadas neste
capítulo dizem respeito a análises geradas a partir dos países ricos,
desenvolvidos ou industrializados. No entanto, os países pobres e “em
desenvolvimento” não ficaram imunes a essas preocupações.
O estudo do
desenvolvimentismo ocupou grande parte do pensamento sociológico latino-
-americano, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando se passou
a acreditar no planejamento e no engendramento de políticas públicas capazes de
romper com os círculos viciosos do subdesenvolvimento. México, Chile, Argentina
e Brasil tiveram trabalhos de destaque que tinham a vantagem de terem surgido
do convívio com os problemas que essas teorias abordavam.
Estado e ciência
começaram a propor formas possíveis de enfrentamento e superação das
situações de marginalidade e dependência, quer de um país sobre outro, quer de
uma região sobre outra. Houve financiamento de pesquisas e grande parte dos estudos
sociológicos voltou-se para o desenvolvimentismo. As pesquisas realizadas no
Brasil pela Cepal – Comissão Econômica para a América Latina –, desenvolvidas
sob a orientação de Celso Furtado, repercutiram internacionalmente. Por elas
pode-se combater a teoria clássica do liberalismo segundo a qual o mercado
livre é capaz de distribuir riqueza nacional e internacionalmente. Provou-se
que as desigualdades perduram e se aprofundam.
Outro mérito desses estudos foi
ter influenciado as políticas econômicas desses países que, adotando
estratégias de maior agressividade na defesa de seus interesses, promoveram o
desenvolvimento durante os anos 1950 e 1960. A partir de então, todavia, com o
apoio dos regimes militares instalados na América Latina, o desenvolvimento começou
a ser pensado como resultado de uma ação conjunta com as empresas privadas. Foi
então que, com esse objetivo, instalaram-se no país a Volkswagen, a Ford e
muitas outras empresas.