sábado, 19 de maio de 2018

O subdesenvolvimento e as novas tecnologias


O subdesenvolvimento como consequência

Os estudos que buscam analisar e identificar as diferenças existentes entre as nações e entre as regiões e setores de uma mesma nação, quando guiados por uma visão crítica e não eurocentrada, acabam por revelar diversidades que resultam de relações de dominação historicamente estabelecidas. Essa tendência descarta a possibilidade teórica de se conceber um princípio geral de desenvolvimento de regiões e nações que se constitua em um modelo capaz de explicar diferenças existentes entre as sociedades humanas.

É preciso aceitar que os obstáculos ao desenvolvimento têm uma razão histórica. Trata-se da necessidade de as nações e setores dominantes se desenvolverem mais a um menor custo, embora a forma de dominação tenha variado conforme as diferentes fases de expansão do capitalismo. As desigualdades tendem, portanto, a se reproduzir e a se ampliar, e nunca a alcançar um equilíbrio.

O desenvolvimento de um país ou de uma região resulta sempre do subdesenvolvimento de outro. E, caso o subdesenvolvimento se caracterizasse pela dualidade de estruturas, como um momento de transição para o desenvolvimento, como explicar a desigualdade entre populações, regiões e setores das sociedades “desenvolvidas”?

Hoje, as diversas teorias sociológicas tendem a compreender a dependência das nações “subdesenvolvidas” como parte de um sistema mundial de relações econômicas. Por outro lado, procuram desvendar o aparecimento de graves distorções na organização das sociedades “subdesenvolvidas” como a pobreza, a repressão, a concentração populacional, o desemprego, a dependência cultural e o autoritarismo. O desenvolvimento de uma nação é fruto de sua história, de suas condições internas e das relações internacionais nas quais esteve inserida. Essa compreensão aparece nas mais modernas elaborações teóricas.

Uma das últimas, chamada teoria institucionalista, foi formulada por Douglas North, prêmio Nobel de economia em 1993. Considerando o subdesenvolvimento como um ambiente social que tem dificuldades em inovar, em romper com a influência das hierarquias locais e com a estreiteza dos círculos de relação social, ele atribui a resistência dessas características à fragilidade das instituições sociais em organizar a produção. Seriam elas as responsáveis por esses vícios do subdesenvolvimento.

Mas a novidade de seu trabalho está justamente em ter percebido que essa fragilidade institucional não se encontra nas instituições em si mesmas, na sua formulação ou funcionamento e nem mesmo na competência das pessoas que as dirigem, mas na história das sociedades que as fragilizam. Não podemos discorrer sobre o desenvolvimentismo nem sobre a abordagem histórica como método fecundo para o estudo das sociedades e de sua inserção no mundo contemporâneo sem mencionar um outro importante autor.

É Anthony Giddens, reitor da London School of Economics and Political Science desde 1993, que denuncia o modelo de transformação linear defendido pelos sociólogos clássicos, de acordo com o qual as sociedades passam de simples a complexas. Crítico ácido de sua época, Giddens não vê na época contemporânea o progresso que as sociedades ricas ou desenvolvidas afirmam ter atingido. Afirma também que cada sociedade em um dado momento de sua história reinventa seu passado e suas tradições, que permanentemente se atualizam. Para entender esse processo que vai do passado ao presente, do geral ao particular, Giddens acredita no poder da hermenêutica.

1.2 O que são países em desenvolvimento?

Chamados de colônias ou de nações selvagens no período anterior à sua independência, de países agrários e subdesenvolvidos no século XIX e, após a Segunda Guerra Mundial, de países do Terceiro Mundo, as nações e os povos da Ásia, da América Latina e da África têm entre si algumas características comuns: foram colonizados por países europeus; possuem economia estruturada em função de interesses estrangeiros; tiveram suas formas societárias tradicionais extintas ou combalidas por uma ação civilizatória de amplo alcance; e, finalmente, tiveram sempre uma posição de inferioridade nas relações internacionais com os países desenvolvidos.

São cerca de cento e vinte países – contra vinte que constituem o grupo de países chamados desenvolvidos, ricos ou industrializados – nos quais vivem quatro quintos da população mundial, estando, quase a metade, em situação de intensa pobreza, com uma renda per capita inferior a US$ 200 (duzentos dólares) anuais. Os países “em desenvolvimento” possuem cerca de um décimo do produto interno bruto (PIB) dos países “desenvolvidos”. Existe esperança para esse mundo “em desenvolvimento”?

Existe, se pensarmos como os cientistas da atualidade, reconhecendo que o subdesenvolvimento não afeta somente os países pobres nem pode ser explicado apenas em função deles. Também haverá esperança se tivermos consciência da interdependência existente no mundo, a qual se expressa nos movimentos de oposição a testes nucleares e nos estudos do efeito estufa para a camada de ozônio da atmosfera; se reconhecermos que a violência e a pobreza são problemas que ameaçam a segurança também dos países, setores e regiões ricas e “desenvolvidas”.

1.3 O desenvolvimentismo e a nova tecnologia

O colonialismo, entendido como um sistema de exploração imposto pelas metrópoles europeias às regiões conquistadas do resto do mundo, já teve diferentes fases.

A primeira, de exploração comercial, quando os sistemas produtivos autóctones puderam ser conservados enquanto a produção destinava-se ao mercado europeu. As relações coloniais então se baseavam essencialmente na conquista da terra, na dominação étnica, na orientação da produção e na apropriação da matéria-prima a baixo custo.

A segunda fase, industrial, exigiu a substituição dos sistemas produtivos e o início da internacionalização da economia. As relações de dependência então assumiam também um caráter tecnológico. Data dessa época a expansão ferroviária e hidroelétrica.

Além da transposição de tecnologia, as relações coloniais envolviam ainda a compra de matéria-prima a baixo custo pelos países industrializados e a venda de produtos manufaturados europeus a custo elevado e sem concorrência. Uma terceira etapa se verificou com a implantação das multinacionais e com o financiamento do desenvolvimento industrial no chamado Terceiro Mundo, quando sistemas produtivos inteiros foram transplantados de um país para outro.

As relações de dependência assumem cada vez mais um caráter tecnológico e financeiro. Entramos agora numa nova fase em que o mundo se encontra inteiramente conectado a uma nova rede tecnológica e de telecomunicações. Nesse estágio, podemos dizer que o domínio tecnológico suplanta o da produção. A interdependência e a globalização dão novo sentido às formas tradicionais de colonialismo.

Nessa quarta fase de dependência nas relações internacionais, alguns aspectos adquirem especial importância: n As novas tecnologias industriais, como a robótica, dispensam mão de obra não qualificada, predominante nos países “não desenvolvidos” ou “em desenvolvimento”. Logo, nessas nações, o desemprego tenderá a ser maior e as rendas per capita e familiar menores, agravando a pobreza e diminuindo as possibilidades de reduzir as diferenças que as separam do mundo desenvolvido.

O descompasso tecnológico entre países ricos e pobres tende a aumentar à medida que se aceleram as invenções e mais rapidamente os equipamentos se tornam obsoletos. Isso exige que os planos de expansão tecnológica criem setores prioritários, uma vez que a atualização do parque industrial requer um enorme capital, especialmente reservado para essas necessidades. Como os países pobres não têm condições de promover a atualização de equipamentos em todos os setores produtivos, a tendência é aumentar o que chamamos de colonialismo interno, ou seja, as relações desiguais estabelecidas entre setores e regiões dentro de um mesmo país.

A possibilidade de autonomia tecnológica – e até mesmo a simples atualização  e  compatibilização com as inovações mundiais – exige pesquisa e investimentos na área de educação e treinamento, setores nitidamente carentes nos países “em desenvolvimento”.

·         As áreas de pesquisa, produção e administração se desenvolvem de maneira não integrada nos países “em desenvolvimento”, fazendo-se necessária a adoção de uma política tecnológica mais adequada, de forma a não reduzir o avanço tecnológico à mera compra de equipamentos.

·         A indústria nos países “em desenvolvimento” não pode competir com os produtos dos países “desenvolvidos”, de melhor qualidade e preço mais baixo. Essa concorrência desigual coloca os países “em desenvolvimento” em desvantagem diante da abertura de mercado e da globalização.

·         A informática é uma tecnologia integrativa. Nesse sentido, exige uma ação integrada envolvendo infra-estrutura, produção, mercado, consumo, poupança, reinvestimento, pesquisa e treinamento. Isso requer planejamento e decisão política. Exige que se priorize a atualização tecnológica em países onde as elites detêm privilégios advindos de setores tradicionais e “atrasados” da economia.

·         Existem técnicas produtivas que se aprimoram sem suporte de conhecimento científico, como, por exemplo, as técnicas de domesticação de animais que se desenvolveram no mundo, anteriores ao desenvolvimento do conhecimento científico e independentes desse. Não é o caso da informática, que exige o aperfeiçoamento da ciência e da pesquisa, nitidamente atrofiados nos países “em desenvolvimento”.

É nesse quadro que se colocam as questões de desenvolvimento e globalização, que devem ser analisadas pelos países “em desenvolvimento” em suas políticas econômicas e científicas. Mas nem tudo está a favor dos países ricos. A globalização torna todos os países extremamente interdependentes.

Para o consumo dos produtos dos países industrializados, para a implantação das multinacionais em países ditos emergentes, é preciso que se promova o desenvolvimento tecnológico global. As redes de comunicação, ao remover as fronteiras territoriais, tornam os países ricos também vulneráveis aos diferentes males, que passam a circular de maneira mais livre e descontrolada pelo planeta.

O enfraquecimento dos Estados nacionais, causado, entre outras razões, pelos efeitos da globalização, democratiza a pobreza, o analfabetismo e as deficiências regionais, além de fazer recrudescer, nos países “desenvolvidos”, conflitos mascarados pela integração nacional, como os étnicos e os religiosos. Hoje, o colonialismo tornou-se mais complexo e radical. Os países “desenvolvidos” também apresentam problemas graves que parecem estar longe de serem solucionados – há pobreza, além de conflitos envolvendo minorias étnicas e raciais.

O controle da expansão demográfica nos países ricos provocou o surgimento de cifras negativas de crescimento, ao lado de uma multiplicação geométrica da pobreza nos países pobres. O desemprego estrutural aumenta com a utilização de mão de obra barata nos países “em desenvolvimento” pelas empresas transnacionais.

Enfim, o risco de um grande conflito social torna-se cada vez mais real. Está longe o tempo em que os países “desenvolvidos” se arriscavam a conceber a questão do desenvolvimento como um problema que dizia respeito apenas às nações pobres. Quando o terremoto em Kobe, no Japão (1995), deixou parte das indústrias norte-americanas sem os componentes eletrônicos produzidos naquele país, a globalização mostrou suas fraquezas.

E o que dizer diante da ameaça de escassez de matérias-primas e até mesmo de água? No entanto, a complexidade do colonialismo se dá não apenas por implicar a apropriação de produtos e uma política de preços ou ainda a especulação em torno do endividamento externo. Hoje, o colonialismo também envolve desenvolvimento técnico e científico, treinamento, políticas complexas de investimento e uma atuação econômica globalizada, na qual investidores do mundo inteiro realizam negócios lucrativos em nome de suas empresas e não mais em nome de seus países. E esperam retorno desse investimento.

Além disso, a formação de blocos econômicos representando alianças, acordos, parcerias, em substituição ao secular padrão do Estado-nação, faz emergir divergências e identidades novas. Antigas rivalidades deixam de existir, aproximando velhos inimigos, ao mesmo tempo em que laços tradicionais são desfeitos, criando centros de forças no cenário internacional.

1.4 A contribuição latino-americana

As teorias que foram estudadas neste capítulo dizem respeito a análises geradas a partir dos países ricos, desenvolvidos ou industrializados. No entanto, os países pobres e “em desenvolvimento” não ficaram imunes a essas preocupações.

O estudo do desenvolvimentismo ocupou grande parte do pensamento sociológico latino- -americano, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, quando se passou a acreditar no planejamento e no engendramento de políticas públicas capazes de romper com os círculos viciosos do subdesenvolvimento. México, Chile, Argentina e Brasil tiveram trabalhos de destaque que tinham a vantagem de terem surgido do convívio com os problemas que essas teorias abordavam.

Estado e ciência começaram a propor formas possíveis de enfrentamento e superação das situações de marginalidade e dependência, quer de um país sobre outro, quer de uma região sobre outra. Houve financiamento de pesquisas e grande parte dos estudos sociológicos voltou-se para o desenvolvimentismo. As pesquisas realizadas no Brasil pela Cepal – Comissão Econômica para a América Latina –, desenvolvidas sob a orientação de Celso Furtado, repercutiram internacionalmente. Por elas pode-se combater a teoria clássica do liberalismo segundo a qual o mercado livre é capaz de distribuir riqueza nacional e internacionalmente. Provou-se que as desigualdades perduram e se aprofundam.

Outro mérito desses estudos foi ter influenciado as políticas econômicas desses países que, adotando estratégias de maior agressividade na defesa de seus interesses, promoveram o desenvolvimento durante os anos 1950 e 1960. A partir de então, todavia, com o apoio dos regimes militares instalados na América Latina, o desenvolvimento começou a ser pensado como resultado de uma ação conjunta com as empresas privadas. Foi então que, com esse objetivo, instalaram-se no país a Volkswagen, a Ford e muitas outras empresas.

Como explicar e entender a “liberdade de escolha” no mundo em que vivemos?

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