Dentre as preocupações que afloraram na
época do iluminismo, há uma corrente, também influenciada pelas ciências
biológicas, que buscava explicar a transformação das sociedades, a revolução
tecnológica e a industrialização.
Procurava, ainda, justificar as
diferenças entre as culturas e as relações interétnicas e internacionais. É o darwinismo
social, que aplicava às diferentes sociedades as leis de evolução das
espécies biológicas propostas por Charles Darwin.
No século XIX, as fronteiras europeias
eram um entrave ao desenvolvimento do capitalismo. A Europa volta-se para as
colônias, buscando transformar sua população em consumidores. Isso implicava
transformar os hábitos e a cultura dos povos colonizados.
Nas colônias, os europeus tiveram de
lidar com civilizações organizadas sob princípios diferentes dos seus.
Tornava-se necessário organizar essas colônias sob novos moldes societários,
estruturando-as segundo os princípios que regiam o capitalismo.
Transformar esse mundo conquistado em
colônias que se submetessem aos valores capitalistas requeria uma empresa de
grande envergadura. Dessa forma, a conquista europeia revestiu-se de uma
aparência humanitária que ocultava a violência da ação colonizadora.
Era a “missão civilizadora” que países
como Inglaterra, França, Holanda, Alemanha, Itália implantavam em diversas
regiões do mundo, transformando radicalmente a tradição, os hábitos e os
costumes, tentando moldá-los para se assemelharem à sociedade capitalista
industrial europeia do século XIX.
Essa forma de pensar apoiava-se nos
modelos teóricos desenvolvidos por Charles Darwin, que explicam a evolução
biológica das espécies animais. Segundo Darwin, a seleção natural pressiona
todas as espécies no sentido da sua adaptação ao ambiente, obrigando-as a se
transformarem continuamente com a finalidade de se aperfeiçoarem e garantir a
sobrevivência.
Em consequência, os organismos tendem a
se adaptar cada vez melhor ao ambiente, criando formas mais complexas e
avançadas de vida, que possibilitam, pela competição natural, a sobrevivência
dos seres mais aptos e evoluídos. Transposto para a análise da sociedade, esse
princípio resultou no chamado darwinismo social – segundo o qual as sociedades
se modificam e se desenvolvem passando de um estágio inferior para outro
superior, tornando o organismo social mais evoluído, mais adaptado e mais
complexo. Esse tipo de mudança garantiria a sobrevivência dos organismos –
sociedades e indivíduos –, mais fortes e mais evoluídos.
Por isso, os cientistas sociais
estudaram as sociedades tradicionais encontradas na África, na Ásia, na América
e na Oceania como exemplares de estágios anteriores, “primitivos”, do passado
da humanidade. Assim, as sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada
deveriam evoluir em direção a níveis de maior complexidade até atingir o
estágio mais avançado: o capitalismo europeu.
Uma
visão crítica do darwinismo social – ontem e hoje
A transposição de conceitos físicos e
biológicos para o estudo das sociedades e do comportamento humano promoveu
desvios interpretativos graves, que legitimaram ações guiadas por preconceito e
interesses particulares.
Um desses desvios ocorreu com a
aplicação do conceito de espécie em Darwin para o estudo das diferentes
sociedades e etnias. Se o homem constitui biologicamente uma espécie, o mesmo
não se pode dizer das diferentes culturas que ele desenvolveu. O caráter
cultural da vida humana imprime ao desenvolvimento das suas formas de vida
princípios diferentes daqueles existentes na natureza.
Identificar a especificidade das regras
que regem as sociedades é fundamental para o uso de conceitos de outras
ciências. Ainda hoje, tenta-se essa transposição para justificar determinadas
realidades sociais.
A regra darwinista da competição e da
sobrevivência do mais forte é aplicada às leis de mercado, principalmente pela
doutrina do liberalismo econômico, hoje batizada de neoliberalismo.
Pressupõe-se que a competitividade seja
o princípio natural que assegura a sobrevivência do melhor, do mais forte e do
mais adaptado.
É preciso lembrar que o mercado, como
outros elementos da cultura humana, obedece a formas de organização social
essencialmente humana, resultantes do desenvolvimento das relações entre os
homens e entre as sociedades. Formas, portanto, mutáveis e relativas.
Ordem
e progresso
No desenvolvimento da ciência que
resultou no nascimento da Sociologia admitia-se, então, dois tipos diferentes
de movimento na sociedade. Um levaria à evolução, transformando as sociedades,
segundo a lei universal, da mais simples à mais complexa, da menos avançada à
mais evoluída. Outro procuraria ajustar todos os indivíduos às condições
estabelecidas, garantindo o melhor funcionamento da sociedade, o bem comum e os
anseios da maioria da população.
Esses dois movimentos elegiam o
progresso como princípio das transformações sociais em direção à evolução das
sociedades; e, à ordem, o princípio regulador do ajustamento e da integração em
torno de um objetivo comum.
Os movimentos reivindicatórios, os
conflitos e as revoltas deveriam ser contidos sempre que pusessem em risco a
ordem estabelecida ou o funcionamento da sociedade, ou, ainda, quando inibissem
o progresso.
Auguste Comte foi um dos autores que
defendeu a existência desses dois movimentos vitais: chamou de “dinâmico” o que
representava a passagem para formas mais complexas de existência, como a
industrialização; e de “estático” o responsável pela preservação dos elementos
permanentes de toda organização social. Família, religião, propriedade,
linguagem e o direito seriam as instituições responsáveis por esse movimento
estático de coesão social. Justificava-se, desse modo, a intervenção na
sociedade sempre que fosse necessário assegurar a ordem ou promover o
progresso.
A existência da sociedade burguesa
industrial era defendida tanto em face dos movimentos reivindicatórios que
aconteciam em seu próprio interior quanto em face da resistência das colônias
em aceitar o modelo industrial e urbano.
Essas ideias tiveram plena aceitação no
século XIX, época de expansão europeia sobre o mundo, mas permanecem vivas e
atuantes ainda hoje. Por exemplo, as intervenções dos Estados Unidos no
Afeganistão (2001) e no Iraque (1991 e 2003) vêm coroadas de princípios
humanitários e libertários que ainda explicam as diferenças sociais como
diferença de graus de desenvolvimento e de evolução.