sábado, 19 de maio de 2018

O darwinismo social


Dentre as preocupações que afloraram na época do iluminismo, há uma corrente, também influenciada pelas ciências biológicas, que buscava explicar a transformação das sociedades, a revolução tecnológica e a industrialização.

Procurava, ainda, justificar as diferenças entre as culturas e as relações interétnicas e internacionais. É o darwinismo social, que aplicava às diferentes sociedades as leis de evolução das espécies biológicas propostas por Charles Darwin.

No século XIX, as fronteiras europeias eram um entrave ao desenvolvimento do capitalismo. A Europa volta-se para as colônias, buscando transformar sua população em consumidores. Isso implicava transformar os hábitos e a cultura dos povos colonizados.

Nas colônias, os europeus tiveram de lidar com civilizações organizadas sob princípios diferentes dos seus. Tornava-se necessário organizar essas colônias sob novos moldes societários, estruturando-as segundo os princípios que regiam o capitalismo.

Transformar esse mundo conquistado em colônias que se submetessem aos valores capitalistas requeria uma empresa de grande envergadura. Dessa forma, a conquista europeia revestiu-se de uma aparência humanitária que ocultava a violência da ação colonizadora.

Era a “missão civilizadora” que países como Inglaterra, França, Holanda, Alemanha, Itália implantavam em diversas regiões do mundo, transformando radicalmente a tradição, os hábitos e os costumes, tentando moldá-los para se assemelharem à sociedade capitalista industrial europeia do século XIX.

Essa forma de pensar apoiava-se nos modelos teóricos desenvolvidos por Charles Darwin, que explicam a evolução biológica das espécies animais. Segundo Darwin, a seleção natural pressiona todas as espécies no sentido da sua adaptação ao ambiente, obrigando-as a se transformarem continuamente com a finalidade de se aperfeiçoarem e garantir a sobrevivência.

Em consequência, os organismos tendem a se adaptar cada vez melhor ao ambiente, criando formas mais complexas e avançadas de vida, que possibilitam, pela competição natural, a sobrevivência dos seres mais aptos e evoluídos. Transposto para a análise da sociedade, esse princípio resultou no chamado darwinismo social – segundo o qual as sociedades se modificam e se desenvolvem passando de um estágio inferior para outro superior, tornando o organismo social mais evoluído, mais adaptado e mais complexo. Esse tipo de mudança garantiria a sobrevivência dos organismos – sociedades e indivíduos –, mais fortes e mais evoluídos.

Por isso, os cientistas sociais estudaram as sociedades tradicionais encontradas na África, na Ásia, na América e na Oceania como exemplares de estágios anteriores, “primitivos”, do passado da humanidade. Assim, as sociedades mais simples e de tecnologia menos avançada deveriam evoluir em direção a níveis de maior complexidade até atingir o estágio mais avançado: o capitalismo europeu.

Uma visão crítica do darwinismo social – ontem e hoje

A transposição de conceitos físicos e biológicos para o estudo das sociedades e do comportamento humano promoveu desvios interpretativos graves, que legitimaram ações guiadas por preconceito e interesses particulares.

Um desses desvios ocorreu com a aplicação do conceito de espécie em Darwin para o estudo das diferentes sociedades e etnias. Se o homem constitui biologicamente uma espécie, o mesmo não se pode dizer das diferentes culturas que ele desenvolveu. O caráter cultural da vida humana imprime ao desenvolvimento das suas formas de vida princípios diferentes daqueles existentes na natureza.

Identificar a especificidade das regras que regem as sociedades é fundamental para o uso de conceitos de outras ciências. Ainda hoje, tenta-se essa transposição para justificar determinadas realidades sociais.
A regra darwinista da competição e da sobrevivência do mais forte é aplicada às leis de mercado, principalmente pela doutrina do liberalismo econômico, hoje batizada de neoliberalismo.

Pressupõe-se que a competitividade seja o princípio natural que assegura a sobrevivência do melhor, do mais forte e do mais adaptado.

É preciso lembrar que o mercado, como outros elementos da cultura humana, obedece a formas de organização social essencialmente humana, resultantes do desenvolvimento das relações entre os homens e entre as sociedades. Formas, portanto, mutáveis e relativas.

Ordem e progresso

No desenvolvimento da ciência que resultou no nascimento da Sociologia admitia-se, então, dois tipos diferentes de movimento na sociedade. Um levaria à evolução, transformando as sociedades, segundo a lei universal, da mais simples à mais complexa, da menos avançada à mais evoluída. Outro procuraria ajustar todos os indivíduos às condições estabelecidas, garantindo o melhor funcionamento da sociedade, o bem comum e os anseios da maioria da população.

Esses dois movimentos elegiam o progresso como princípio das transformações sociais em direção à evolução das sociedades; e, à ordem, o princípio regulador do ajustamento e da integração em torno de um objetivo comum.

Os movimentos reivindicatórios, os conflitos e as revoltas deveriam ser contidos sempre que pusessem em risco a ordem estabelecida ou o funcionamento da sociedade, ou, ainda, quando inibissem o progresso.

Auguste Comte foi um dos autores que defendeu a existência desses dois movimentos vitais: chamou de “dinâmico” o que representava a passagem para formas mais complexas de existência, como a industrialização; e de “estático” o responsável pela preservação dos elementos permanentes de toda organização social. Família, religião, propriedade, linguagem e o direito seriam as instituições responsáveis por esse movimento estático de coesão social. Justificava-se, desse modo, a intervenção na sociedade sempre que fosse necessário assegurar a ordem ou promover o progresso.

A existência da sociedade burguesa industrial era defendida tanto em face dos movimentos reivindicatórios que aconteciam em seu próprio interior quanto em face da resistência das colônias em aceitar o modelo industrial e urbano.

Essas ideias tiveram plena aceitação no século XIX, época de expansão europeia sobre o mundo, mas permanecem vivas e atuantes ainda hoje. Por exemplo, as intervenções dos Estados Unidos no Afeganistão (2001) e no Iraque (1991 e 2003) vêm coroadas de princípios humanitários e libertários que ainda explicam as diferenças sociais como diferença de graus de desenvolvimento e de evolução.


Em nome do Pai, do Filho e do Pastor Malafaia: Política, Família e o Desgaste da Democracia Brasileira

Os acontecimentos recentes envolvendo Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro, revelados em relatório final da Polícia Federal, escanca...