Teoria e Revolução
Quando um espaço contendo muitos
objetos é iluminado por luzes de diversas cores vindas de várias fontes,
obtemos diferentes imagens, cada uma colocando em destaque certos contornos e
formas. De maneira análoga, é isso que acontece com o campo científico: os
pressupostos teóricos iluminam de forma peculiar a realidade, resultando
diferentes níveis de abordagem e modelos teóricos particulares.
No primeiro
módulo, procuramos reconstruir o percurso que vai desde o surgimento do
pensamento sociológico até a organização das primeiras teorias sobre a
sociedade. Cada uma delas orientada por um conjunto de pressupostos diferentes
sobre a ciência, a realidade e a vida social. Assim como as diversas imagens
que obtemos do espaço da experiência acima, os diferentes modelos teóricos,
cada qual “pondo à luz” determinados aspectos da realidade social, oferecem
diferentes perspectivas que se complementam.
Abordamos o modelo positivista
inicialmente elaborado por Comte e, depois, o proposto por Durkheim, segundo o
qual a sociedade se apresenta como sendo mais do que a soma de indivíduos,
constituída por normas, instituições e valores característicos do social.
Passamos depois por Weber que, por sua vez, numa perspectiva mais dinâmica e
interpretativa, explicou os fatos sociais “à luz” da história e da
subjetividade do agente social.
Simultaneamente às elaborações dos fundadores
da sociologia, porém iluminando outras questões propostas pela realidade
social, desenvolveu-se o pensamento de Karl Marx, expresso pela teoria do
materialismo histórico, originando a corrente de pensamento mais revolucionária
tanto do ponto de vista teórico como da prática social. É também um dos
pensamentos mais difíceis de se compreender, explicar ou sintetizar.
Com o
objetivo de entender o sistema capitalista e modificá-lo, Marx escreveu sobre
filosofia, economia e sociologia. Ele produziu muito, suas ideias se
desdobraram em várias vertentes e foram incorporadas por diferentes estudiosos.
Sua intenção, porém, não era apenas contribuir para o desenvolvimento da
ciência, mas propor uma ampla transformação política, econômica e social.
Marx
não escreveu particularmente para os acadêmicos e cientistas, mas para todos os
homens que quisessem assumir sua vocação revolucionária. Sua obra máxima, O
capital, destinava-se a todos, não apenas aos estudiosos da economia, da
política e da sociedade. Este é um aspecto singular da teoria marxista. Há um
alcance mais amplo nas suas formulações, que adquiriram dimensões de ideal
revolucionário e ação política efetiva.
1.2 As origens
O pensamento marxista foi sintetizador
de diferentes preocupações filosóficas, políticas e científicas de sua época,
assim como herdeiro de fundamentos formulados por outros pensadores. Em
primeiro lugar, deve-se fazer justiça à influência da filosofia hegeliana, da
qual Marx absorveu uma diferente percepção da história – não um movimento
linear ascendente como propunham os evolucionistas, nem o resultado da ação
voluntariosa e consciente dos agentes envolvidos, como pensavam os
historiadores românticos.
Hegel entendia a história como um processo coeso que
envolvia diversas instâncias da sociedade – da religião à economia – e cuja
dinâmica se dava por oposições entre forças antagônicas – tese e antítese.
Desse embate emergia a síntese, que fechava o movimento “dialético” da
história. Marx utilizou esse método de explicação histórica para o qual os
agentes sociais, apesar de conscientes, não são os únicos responsáveis pela
dinâmica dos acontecimentos – as forças em oposição atuam sobre o devir.
Também
significativo foi o contato de Marx com o pensamento socialista francês e
inglês do século XIX, de Claude Henri de Rouvroy, ou conde de Saint-Simon
(1760-1825), François-Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858).
Marx admirava o pioneirismo desses críticos da sociedade burguesa e suas
propostas de transformação social, apesar de julgá-las “utópicas”, ou seja,
idealistas e irreais.
O pensamento marxista foi sintetizador
de diferentes preocupações filosóficas, políticas e científicas de sua época,
assim como herdeiro de fundamentos formulados por outros pensadores. Em
primeiro lugar, deve-se fazer justiça à influência da filosofia hegeliana, da
qual Marx absorveu uma diferente percepção da história – não um movimento
linear ascendente como propunham os evolucionistas, nem o resultado da ação
voluntariosa e consciente dos agentes envolvidos, como pensavam os
historiadores românticos.
Hegel entendia a história como um processo coeso que
envolvia diversas instâncias da sociedade – da religião à economia – e cuja
dinâmica se dava por oposições entre forças antagônicas – tese e antítese.
Desse embate emergia a síntese, que fechava o movimento “dialético” da
história.
Marx utilizou esse método de explicação histórica para o qual os
agentes sociais, apesar de conscientes, não são os únicos responsáveis pela
dinâmica dos acontecimentos – as forças em oposição atuam sobre o devir. Também
significativo foi o contato de Marx com o pensamento socialista francês e inglês
do século XIX, de Claude Henri de Rouvroy, ou conde de Saint-Simon (1760-1825),
François-Charles Fourier (1772-1837) e Robert Owen (1771-1858). Marx admirava o
pioneirismo desses críticos da sociedade burguesa e suas propostas de
transformação social, apesar de julgá-las “utópicas”, ou seja, idealistas e
irreais.
Essa trajetória é marcada pelo
desenvolvimento de conceitos importantes, como alienação, classes sociais,
valor, mercadoria, trabalho, mais-valia e modo de produção. Finalmente,
impossível não fazer referência ao seu grande interlocutor – Friedrich Engels
–, economista político e revolucionário alemão que trabalhou com Marx de 1844
até a morte deste, sendo co-fundador do socialismo científico, também conhecido
por “comunismo”– doutrina que demonstrava pela análise científica e dialética
da realidade social que as contradições históricas do capitalismo levariam,
necessariamente, à sua superação por um regime igualitário e democrático que
seria sua antítese.
1.3 O materialismo
histórico
Para entender o capitalismo e explicar
a natureza da organização econômica humana, Marx desenvolveu uma teoria
abrangente e universal, que procura dar conta de toda e qualquer forma
produtiva criada pelo homem. Os princípios básicos dessa teoria estão expressos
em seu método de análise – o materialismo histórico. Marx parte do princípio de
que a estrutura de uma sociedade qualquer reflete a forma como os homens se
organizam para a produção social de bens que engloba dois fatores fundamentais:
as forças produtivas e as relações de produção.
As forças produtivas constituem
as condições materiais de toda a produção. Qualquer processo de trabalho
implica matérias-primas identificadas e extraídas da natureza e o conjunto das
ferramentas ou máquinas, utilizadas segundo uma orientação técnica específica.
O homem, principal elemento das forças produtivas, é o responsável por fazer a
ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos. O desenvolvimento da
produção vai determinar a combinação e o uso desses diversos elementos: recursos
naturais, mão de obra disponível, instrumentos e técnicas produtivas. Essas
relações de produção procuram atingir o máximo de eficiência em função do
mercado existente.
A cada forma de organização das forças produtivas
corresponde uma determinada forma de relação de produção. As relações de
produção são as formas pelas quais os homens se organizam para executar a
atividade produtiva. Elas se referem às diversas maneiras pelas quais são
apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no processo de trabalho: as
matérias-primas, os instrumentos e a técnica, os próprios trabalhadores e o
produto final. Assim, as relações de produção podem ser, num determinado
momento, cooperativistas (como num mutirão), escravistas (como na Antiguidade),
servis (como na Europa feudal), ou capitalistas (como na indústria moderna).
Forças produtivas e relações de produção são frutos das condições naturais e
históricas de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela
qual ambas existem e são reproduzidas numa determinada sociedade constitui o
que Marx denominou “modo de produção”. Para Marx, o estudo do modo de produção
é fundamental para compreender como se organiza e funciona uma sociedade. As
relações de produção, nesse sentido, são consideradas as mais importantes entre
as relações sociais existentes.
Os modelos de família, as leis, a religião, as
ideias políticas, os valores sociais são aspectos cuja explicação depende, em
princípio, do estudo do desenvolvimento e do colapso de diferentes modos de produção.
Analisando a história, Marx identificou alguns modos de produção específicos:
sistema comunal primitivo, modo de produção asiático, modo de produção antigo,
modo de produção germânico, modo de produção feudal e modo de produção
capitalista.
A passagem de um modo de produção para outro é consequência da
contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e a apropriação que
se faz dos produtos gerados. Em cada modo de produção, a desigualdade de
propriedade, como fundamento das relações de produção, cria contradições que se
acirram até provocar um processo revolucionário, com a derrocada do modo de
produção vigente e a ascensão de outro.
1.4 As classes sociais
Outro conceito fundamental do marxismo
é o de classes sociais. Para ele, os inalienáveis direitos de liberdade e
justiça, considerados naturais pelo liberalismo, não resistem às evidências das
desigualdades sociais promovidas pelas “relações de produção”, que dividem os
homens em proprietários e não proprietários dos meios de produção.
Dessa divisão
se originam as classes sociais: os “proletários” – trabalhadores despossuídos
dos “meios de produção”, que vendem sua força de trabalho em troca de salário –
e os “capitalistas”, que, possuindo meios de produção sob a forma legal da
propriedade privada, “apropriam-se” do produto do trabalho de seus operários em
troca do salário do qual eles dependem para sobreviver. As classes sociais
formadas no capitalismo industrial – burgueses e proletários – estabelecem
intransponíveis desigualdades entre os homens e relações que são, antes de
tudo, de antagonismo e exploração.
O antagonismo e a exploração derivam dos
interesses inconciliáveis entre as classes. O capitalista procura preservar seu
direito à propriedade dos meios de produção e dos produtos. O trabalhador, por
sua vez, luta contra a exploração. Por outro lado, apesar das oposições, as
classes sociais são também complementares e interdependentes, pois uma só
existe em função da outra. Para Marx, a história humana é a história da luta de
classes, da disputa constante por interesses que se opõem. As divergências e
antagonismos das classes estão subjacentes a toda relação social, nos mais
diversos níveis da sociedade, em todos os tempos, desde o surgimento da
sociedade.
1.5 A origem histórica
do capitalismo
Para desenvolver sua teoria, Marx se
vale de uma sólida visão histórica e de conceitos abrangentes, da análise
crítica da época em que vive, buscando explicar a origem das classes sociais e
do capitalismo. É assim que ele atribui a origem das desigualdades sociais a
uma enorme quantidade de riquezas que se concentra, na Europa, do século XIII
até meados do século XVIII, nas mãos de uns poucos indivíduos que têm o
objetivo e as possibilidades de acumular bens e obter lucros cada vez maiores.
A produção artesanal europeia da Idade Média e do Renascimento, quando o
trabalhador era dono de sua oficina e dos instrumentos de produção, é, aos
poucos, substituída por oficinas organizadas pelos comerciantes enriquecidos. A
generalização desses galpões originou, em meados do século XVIII, na
Inglaterra, a Revolução Industrial que levou à falência os artesãos
individuais.
As máquinas e tudo o mais necessário ao processo produtivo – força
motriz, instalações, matérias-primas – ficaram acessíveis somente aos empresários
capitalistas com os quais os artesãos, isolados, não podiam competir.
Multiplicou-se o número de operários, isto é, trabalhadores “livres”
expropriados, artesãos que não conseguiam competir com o sistema industrial e
desistiam da produção individual, empregando-se nas indústrias, constituindo
uma nova classe social.
1.5.1 Trabalho,
valor e lucro
O capitalismo vê a força de trabalho
como mercadoria, mas é claro que não se trata de uma mercadoria qualquer. Ela é
a única capaz de criar valor. Os economistas clássicos ingleses, desde Adam
Smith, já haviam percebido isso ao terem reconhecido o trabalho como a
verdadeira fonte de riqueza das sociedades. Já haviam postulado que o valor das
mercadorias dependia do tempo de trabalho gasto na sua produção.
Marx acrescentou
que esse tempo de trabalho se estabelecia em relação às habilidades individuais
médias e às condições técnicas vigentes na sociedade. Por isso, dizia que no
valor de uma mercadoria era incorporado o “tempo de trabalho socialmente
necessário” à sua produção. Assim, o valor das mercadorias incorpora as várias
habilidades profissionais exigidas e todos os tempos de trabalho necessários.
Imaginemos um capitalista interessado em produzir sapatos.
Consideremos uma
unidade de moeda qualquer para calcular os custos de produção e o lucro. Pois
bem, suponhamos que a produção de um par lhe custe 100 moedas de matéria-prima,
mais 20 pelo desgaste dos instrumentos (ao término da vida útil dos
equipamentos, o empresário terá de substituí-los por novos), mais 30 de salário
diário pago a cada trabalhador. Essa soma – 150 unidades de moeda – representa
a despesa do capitalista com investimentos. O valor do par de sapatos produzido
nessas condições será a soma de todos os valores representados pelas diversas
mercadorias que entraram na produção (matéria-prima, instrumentos, força de
trabalho), o que totaliza também 150 unidades de moeda. Sabemos que o
capitalista produz para obter lucro, isto é, quer ganhar com seus produtos mais
do que investiu.
No exemplo acima, vemos, porém, que o valor de um produto
corresponde exatamente ao que se investe para produzi-lo. Como então se obtém o
lucro? O capitalista poderia lucrar simplesmente aumentando o preço de venda do
produto – por exemplo, cobrando 200 unidades de moeda pelo par de sapatos. Mas
o simples aumento de preços é um recurso transitório e com o tempo traz
problemas.
De um lado, uma mercadoria com preços
elevados, ao sugerir possibilidades de ganho imediato, atrai novos capitalistas
interessados em produzi-la. Com isso, porém, corre- -se o risco de inundar o
mercado com artigos semelhantes, cujo preço fatalmente cairá. De outro lado,
uma alta arbitrária no preço de uma mercadoria qualquer tende a provocar
elevação generalizada nos demais preços, pois, nesse caso, todos os capitalistas
desejarão ganhar mais com seus produtos.
Isso pode ocorrer durante algum tempo,
mas, se a disputa se prolongar, poderá levar o sistema econômico a
desorganização. De acordo com a análise de Marx, não é no âmbito da compra e da
venda de mercadorias que se encontram bases estáveis para o lucro dos
capitalistas individuais, nem para a manutenção do sistema capitalista. Ao
contrário, a valorização da mercadoria se dá no âmbito de sua produção.
1.5.2 A
mais-valia
Retomemos o nosso exemplo. Suponhamos
que o operário tenha uma jornada diária de nove horas e confeccione um par de
sapatos a cada três horas. Nessas três horas ele cria uma quantidade de valor
correspondente ao seu salário, que é suficiente para obter o necessário à sua
subsistência. Como o capitalista lhe paga o valor de um dia de força de
trabalho, no restante do tempo, seis horas, o operário produz mais mercadorias,
que geram um valor maior do que lhe foi pago na forma de salário.
A duração da
jornada de trabalho resulta, portanto, de um cálculo que leva em consideração o
quanto interessa ao capitalista produzir para obter lucro sem desvalorizar seu
produto. Suponhamos uma jornada de nove horas, ao final da qual o sapateiro
produza três pares de sapatos. Cada par continua valendo 150 unidades de moeda,
mas agora eles custam menos ao capitalista. É que, no cálculo do valor dos três
pares, a quantia investida em meios de produção também foi multiplicada por
três, mas a quantia relativa ao salário – correspondente a um dia de trabalho
– permaneceu constante. Desse modo, o custo de cada par de sapatos se reduziu a
130 moedas.
Ao final da jornada de trabalho, o
operário recebe 30 unidades de moeda, ainda que seu trabalho tenha rendido o
dobro ao capitalista: 20 unidades de moeda, por par de sapatos produzido,
totalizando 60 unidades de moeda. Esse valor a mais não retorna ao operário:
incorpora-se ao produto e é apropriado pelo capitalista. Visualiza-se,
portanto, que uma coisa é o valor da força de trabalho, isto é, o salário, e
outra é o quanto esse trabalho rende ao capitalista. Esse valor excedente
produzido pelo operário é o que Marx chama de mais-valia. O capitalista pode
obter mais-valia procurando aumentar constantemente a jornada de trabalho, tal
como no nosso exemplo (segundo Marx, é a mais-valia absoluta).
Porém, não é
possível estender indefinidamente a jornada de trabalho. A outra forma de se
obter mais valia é melhorando a tecnologia de produção. A tecnologia aplicada
faz aumentar a produtividade, isto é, as mesmas nove horas de trabalho agora
produzem um número maior de mercadorias. A mecanização também faz com que a
qualidade dos produtos dependa menos da habilidade e do conhecimento técnico do
trabalhador individual.
Numa situação dessas, portanto, a força de trabalho
vale cada vez menos e, ao mesmo tempo, produz cada vez mais. Esse é, em
síntese, o processo de obtenção daquilo que Marx denomina mais-valia relativa.
O processo descrito esclarece a dependência do capitalismo em relação ao
desenvolvimento das tecnologias de produção. Mostra, ainda, como o trabalho,
sob o capital, perde todo o atrativo e faz do operário mero “apêndice da
máquina”.
1.5.3 As
relações políticas
Após essa análise detalhada do modo de
produção capitalista, Marx passa ao estudo das formas políticas produzidas no
seu interior. Ele constata que as diferenças entre as classes sociais não se
reduzem a diversas quantidades de riquezas, mas expressam uma diferença de
“existência material”. Os indivíduos de uma mesma classe social partilham uma
situação de classe que lhes é comum, incluindo valores, comportamentos, regras
de convivência e interesses.
A essas diferenças econômicas e sociais segue-se
uma desigual distribuição de poder. As classes economicamente dominantes
desenvolveram formas de dominação políticas que lhes permitem apropriar-se do
aparato de poder do Estado e, com ele, legitimar seus interesses sob a forma de
leis e planos econômicos e políticos.
Cada forma assumida pelo Estado na
sociedade burguesa, seja sob o regime liberal, monárquico,
monárquico-constitucional ou ditatorial, representa diferentes maneiras pelas
quais ele se transforma num “comitê para gerir os negócios comuns de toda a
burguesia”. Para Marx, as condições específicas de trabalho geradas pela
industrialização tendem a promover a consciência da classe
trabalhadora da exploração que sofre e, consequentemente, tendem a impulsionar
a sua organização política para a ação.
1.6 A amplitude da
contribuição de Marx
A teoria marxista repercutiu de maneira
decisiva não só na Europa – objeto primeiro de seus estudos – como nas colônias
europeias e em movimentos de independência. Incentivou os operários a organizar
partidos marxistas – e os sindicatos revolucionários –, levou intelectuais à
crítica da realidade e influenciou as atividades científicas de modo geral e as
ciências humanas em particular.
Por outro lado, cada sociedade representava
para Marx uma totalidade, isto é, um conjunto único e integrado das diversas
formas de organização humana nas suas mais diversas instâncias – família,
poder, religião. Entretanto, apesar de considerar as sociedades da sua época
e do passado como totalidades e como situações históricas concretas, Marx
conseguiu, pela profundidade de suas análises, extrair conclusões de caráter
geral e aplicáveis a formas sociais diferentes.
O sucesso e a penetração do
materialismo histórico, quer no campo da ciência – ciências política, econômica
e social –, quer no campo da organização política, deve-se ao universalismo de
seus princípios e ao caráter totalizador que Marx imprimiu às suas ideias.
Deve-se também ao caráter militante das ideias propostas, voltadas para a ação
prática e para a práxis revolucionária.
Com o marxismo, a questão da
objetividade científica foi posta em um novo patamar. Para Marx, a questão da
objetividade só se coloca como consciência crítica. A ciência, assim como a
ação política, só pode ser verdadeira e não ideológica se refletir uma situação
de classe e, consequentemente, uma visão crítica da realidade.
Nessa
perspectiva, objetividade não é uma questão de método, mas de como o pensamento
científico se insere no contexto das relações de produção e na história. A
ideia de uma sociedade “doente” ou “normal”, preocupação dos cientistas sociais
positivistas, desaparece em Marx. Para ele, a sociedade é constituída de relações
de conflito e é de sua dinâmica que surge a mudança social. Fenômenos como
luta, contradição, revolução e exploração são constituintes dos diversos
momentos históricos e não disfunções sociais. Não é preciso afirmar a
contribuição da teoria marxista para o desenvolvimento das ciências sociais.
A
abordagem do conflito, da dinâmica histórica, da relação entre consciência e
realidade e da correta inserção do homem e de sua práxis no contexto social
foram conquistas jamais abandonadas pelos sociólogos. Isso sem contar a
habilidade com que o método marxista possibilita o constante deslocamento do
geral para o particular, das leis macrossociais para suas manifestações
históricas, do movimento estrutural da sociedade para a ação humana individual
e coletiva.
A teoria marxista teve ampla aceitação teórica e metodológica,
assim como política e revolucionária. Em 1917, uma revolução inspirada nas
ideias marxistas, a Revolução Bolchevique, na Rússia, criava no mundo o
primeiro Estado operário. Essa revolução impulsionou a teoria marxista em todo
o mundo. Na sociologia chegou mesmo a dominar várias gerações de sociólogos.
O
fim da União Soviética, 72 anos após o seu surgimento, não significou o fim da história ou da sociologia, nem o
esgotamento do marxismo como postura teórica das mais amplas e fecundas, com um
poder de explicação não alcançado pelas análises posteriores. O que se torna
necessário é rever essa sociedade cujas relações de produção se organizam sob
novos princípios – enfraquecimento dos estados nacionais, mundialização do
capitalismo, formação de blocos supranacionais e organização política de
minorias étnicas, religiosas e até sexuais –, entendendo que as contradições
não desapareceram e se expressam em novas instâncias.