sábado, 19 de maio de 2018

A sociologia e a expansão do capitalismo


Sociologia do Desenvolvimento

Passaremos, agora, a estudar uma área da sociologia que mereceu especial atenção no século XX, à qual se deu o nome de sociologia do desenvolvimento. Trata-se de teorias que se dedicaram ao estudo de problemas surgidos com o desenvolvimento sem precedentes do capitalismo industrial e de sua internacionalização.

Após a Primeira Guerra Mundial, concretizaram-se mudanças sociais em escala mundial: surgiram novas potências industriais, entre as quais se destacam os EUA e a então URSS; os ideais de livre-concorrência deram lugar ao capitalismo monopolista, com a crescente participação do Estado como patrocinador das economias nacionais; e novas nações se consolidaram na Ásia e na África.

A capitalização de recursos, o aumento do consumo, a necessidade de barateamento dos custos das matérias-primas e da força de trabalho pressionavam as potências industriais a expandir sua estrutura econômica para além das fronteiras nacionais. Essas mesmas pressões haviam levado a Inglaterra, a partir do início do século XIX, a criar um vasto império colonial e a romper o equilíbrio europeu, apoiando – sempre que possível – a independência das nações latino-americanas entre os anos de 1810 e 1830. No século XX, a aceleração do processo de industrialização e o aumento de nações concorrentes na corrida imperialista fizeram com que um novo surto de modernização e formação de novos estados independentes atingisse os continentes asiático e africano.

Guardadas as diferenças entre o contexto de surgimento das nações latino-americanas, no século XIX, e o das nações africanas e asiáticas, no século XX, percebe-se a constante internacionalização do processo de industrialização e a expansão do modo de produção capitalista, com a consequente transformação das antigas colônias em parceiros de novos contratos econômicos. Para tanto, as novas nações tiveram de adotar o modelo de sociedade ditado pela Europa, organizando um aparato de Estado capaz de implementar políticas econômicas voltadas para o desenvolvimento do capitalismo industrial.

Não se tratava mais de uma simples exploração econômica, como a garantida pelo pacto colonial com a livre-exploração de recursos naturais por parte das metrópoles, mas de criar condições que permitissem o ingresso das novas nações no contexto das relações econômicas internacionais. Para produzir matérias-primas e consumir produtos industrializados de origem europeia e norte-americana, as recém-constituídas nações asiáticas e africanas, bem como as latino-americanas, precisaram desenvolver sistemas modernos de transporte e comunicação, mecanização da produção agrícola e formas de exploração de recursos naturais e fontes de energia.

A modernização das nações, a criação de uma burocracia estatal, a incipiente industrialização, o aparecimento de outras classes sociais – como o operariado e a burguesia nacional – dotaram as novas nações de uma estrutura semelhante à dos países industrializados. Parceiras e concorrentes nesse processo de internacionalização do capitalismo industrial, as nações passaram a ser classificadas de acordo com índices econômicos que as diferenciavam como “avançadas” ou “atrasadas”, sendo essa diferenciação uma questão de grau e não de qualidade. Todas as nações do mundo pareciam marchar igualmente rumo ao desenvolvimento industrial. As diferenças se expressariam apenas na velocidade do processo e no volume dos resultados alcançados.

1.2 Nova roupagem para uma antiga relação de dominação

O capitalismo, em sua origem, promoveu a subordinação do campo à cidade e da produção agrária aos interesses do comércio e da indústria, que se tornaram prioritários a partir do renascimento comercial. A primeira forma de exploração e acumulação de capital derivou da separação entre campo e cidade, entre atividades agrárias e manufatureiras. Essa divisão existente entre o campo e a cidade e entre o mundo rural e o urbano se estendeu às relações internacionais por meio do colonialismo – as metrópoles desenvolvendo a indústria com matéria-prima comprada das colônias por preços baixos.

Os conflitos e lutas pela libertação das colônias, muitas delas patrocinadas por países europeus concorrentes, tinham como um de seus objetivos libertá-las desse comércio internacional que lhes reservava um papel dependente e subalterno. Entretanto, a economia dos países latino-americanos que se tornaram independentes nesse processo continuou organizada segundo o modelo agrário-exportador, produzindo um fluxo de capitais e mercadorias que propiciou o contínuo desenvolvimento industrial europeu.

Desse modo, as nações capitalistas “centrais” aprimoraram seus avanços técnicos e econômicos, tornando cada vez maior a distância que as separava das emergentes nações agrícolas. As colônias, da forma como estavam organizadas, não eram mais necessárias. A divisão econômica internacional entre países industrializados e agrários forjava relações de dependência que substituíram com vantagem o antigo imperialismo.

1.3 O capitalismo do século XX

No século XX, com a indústria de massa, inverte-se a relação entre produção e demanda. A partir de então, a produção não se desenvolve mais impulsionada pela demanda, mas, graças aos recursos tecnológicos, supera-a, criando-se uma sociedade da abundância em que os produtos concorrem pela preferência dos consumidores.

Surgem as crises sistêmicas, cujo exemplo mais característico foi o colapso da Bolsa de Valores de 1929, nos Estados Unidos, decorrente da superprodução e da especulação financeira, com reflexos em toda a estrutura econômica internacional. Essa crise e as Guerras Mundiais afetaram a capacidade produtiva das nações “centrais”, impulsionando, em alguns países “periféricos”, a formação de uma indústria local de bens de consumo, a partir dos recursos acumulados com a exportação agrária.

Um caso típico, nesse sentido, ocorrido no Brasil, foi a industrialização de São Paulo, que, sem a concorrência dos produtos europeus, pôde se desenvolver com a utilização do capital gerado pela exportação de café. Esse capital acumulado auxiliou a industrialização de duas maneiras: sendo diretamente investido em atividades industriais e formando uma classe abastada de consumidores que incentivaram essas atividades. À medida que as economias “centrais” se recuperavam, o panorama das relações econômicas internacionais se modificava também com o aparecimento das empresas multinacionais.

Após a Segunda Guerra Mundial, algumas grandes empresas, sediadas nas nações “centrais”, abriram filiais em países do Terceiro Mundo, como ficou conhecido o conjunto de países que, como ex-colônias europeias, buscava garantir seu espaço no processo de divisão internacional da produção. Segundo esse processo, no século XX, as nações podiam ser divididas em: Primeiro Mundo, correspondendo às nações de economia capitalista desenvolvida; Segundo Mundo, às de economia socialista industrializada; e, finalmente, Terceiro Mundo, reunindo as economias periféricas a um e outro regime.

A criação dessas indústrias multinacionais nos países periféricos incentivou, por um lado, o surgimento de fábricas de componentes, de construção civil e de transportes, mas, por outro, criou uma forte concorrência, impedindo o amplo desenvolvimento das indústrias nacionais de grande porte nesses países. As filiais das grandes indústrias foram beneficiadas com uma considerável redução nos custos de produção: nesses países, a terra era mais barata e os salários muito mais baixos, pagos a uma população migrante que deixava o campo em direção à cidade à medida que a indústria se desenvolvia e a produção agrícola deixava de ser prioritária.

Além disso, os governos das nações “periféricas” criaram diversos mecanismos para facilitar a instalação das multinacionais, como isenção de impostos durante os anos de implantação dos parques industriais, doação de terras e elaboração de projetos de modernização para viabilizar o consumo e a expansão industrial. São dessa época, por exemplo, os grandes planos de desenvolvimento elaborados pelo governo brasileiro para abrir estradas, construir usinas, aumentar o setor de serviços etc. Dois aspectos nas nações “subdesenvolvidas” foram diretamente influenciados por essa nova fase de expansão do capitalismo industrial: um deles foi o fortalecimento do Estado, responsável em grande parte por toda a modernização que tornou viável a implantação das multinacionais; outro, foi o incentivo às indústrias nacionais de artefatos subsidiários à produção de grande porte dominada pelas multinacionais.

A indústria automobilística é a que melhor exemplifica o que acabamos de relatar. Para que as diversas indústrias multinacionais se implantassem foi preciso que, de um lado, os Estados subdesenvolvidos planejassem redes de estradas de rodagem e organizassem formas de exploração ou importação de combustível. De outro lado, cresceram enormemente as indústrias nacionais de autopeças, subsidiárias à produção multinacional.

Além do Brasil, o mesmo ocorreu no México e na Argentina e, em outras proporções, nos demais países da América Latina, principalmente com o estabelecimento das indústrias de exploração mineral. Hoje, os recursos continuam fortalecendo as nações desenvolvidas, na forma de lucros enviados às sedes das multinacionais e por meio do endividamento das nações “periféricas”, pois a modernização destas se realizou mediante empréstimos tomados no exterior. Atualmente, o processo de globalização da economia capitalista industrial reforça as desigualdades estruturais entre países industrialmente desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou, como são chamados hoje, os países em “vias de desenvolvimento”.

A abertura de mercado imposta pelo modelo econômico conhecido como neoliberal tem criado grandes dificuldades para a indústria nacional, que não está preparada para competir com produtos mais baratos e de melhor qualidade. O incipiente parque industrial dos países em desenvolvimento sofre novo golpe nessa secular concorrência entre metrópoles e colônias, países industriais e agrícolas, desenvolvidos e subdesenvolvidos.

A diminuição das funções do Estado preconizada pelo neoliberalismo coloca em xeque as indústrias nacionais dos países mais pobres, que contam cada vez menos com subsídios e empréstimos estatais. Os índices de endividamento externo das nações subdesenvolvidas e a dependência tecnológica são os sinais mais agudos dessa nova situação de dependência.

1.4 Novos rumos da sociologia

Como vemos, as relações internacionais de produção capitalista se transformaram no decorrer de quase cinco séculos de expansão, assim como se alteraram as feições internas das colônias, transformadas em países capitalistas. Parceiras de um mesmo jogo, partes de um único contrato, produtores e consumidores dos mesmos produtos, as nações não podiam mais ser divididas em “civilizadas” e “primitivas”, como propunham as primeiras análises sociológicas das diversidades culturais.

O pensamento sociológico criou, então, não só novas perspectivas para a análise das relações intersocietárias, como também outros conceitos para identificar os processos que ocorriam nas diversas nações do mundo.

Junto a esse movimento de modernização, entraram nos países subdesenvolvidos não só produtos e tecnologia, mas também conhecimento e ciência, gerando diferentes formas de interpretação do mundo. Criaram-se a partir daí novas universidades e aprofundaram-se os estudos de ciências humanas e exatas nas nações subdesenvolvidas ou do Terceiro Mundo.

A industrialização e o desenvolvimento econômico passaram a constituir o objeto central de estudo dos sociólogos, quer nas nações desenvolvidas quer naquelas que se industrializavam. No entanto, nestas deu-se atenção especial ao estudo dos impasses e obstáculos à plena industrialização, bem como aos fenômenos de resistência e conservadorismo.

Costuma-se dizer que, nesse processo de transferência da Europa para países do Terceiro Mundo, a sociologia se “indigenizou”, numa referência ao pensamento social que nele se desenvolve e que passa a analisar o mundo do ponto de vista e a partir das nações periféricas. O cientista social das sociedades dependentes, com um passado colonial de conflitos étnicos e culturais e forte imigração, com relações de dominação internas e externas que se sobrepõem, reelabora os conceitos aprendidos da Europa.

As mudanças promovidas pela industrialização e pela internacionalização do capitalismo, entretanto, não afetaram apenas o pensamento sociológico produzido nos países pobres. Transformações radicais ocorreram nas ciências sociais do Primeiro Mundo. A emigração para a América de intelectuais perseguidos pelos diversos regi- mes ditatoriais europeus – do nazismo ao stalinismo – desloca o eixo da produção científica e estimula o desenvolvimento das universidades no novo continente.

A produção intelectual e científica europeia sofreu um duro golpe do qual talvez não tenha ainda se refeito totalmente. As grandes escolas do pensamento entram em decadência, desfazem-se os grupos mais coesos e a pesquisa passa a expressar esforços quase individuais de análise. Os anos 1960, entretanto, serão férteis em ideias e movimentos políticos, com o aparecimento de novas tendências menos dogmáticas, mais militantes e de âmbito internacional.

Depois das duas guerras mundiais, a emergência dos Estados Unidos como grande potência e centro econômico e político do Ocidente repercutiu na produção do pensamento filosófico, científico e artístico. Passou a predominar nesses campos do saber uma preocupação mais pragmática voltada para as necessidades imediatas da sociedade e, nas ciências sociais, particularmente, o interesse por temas como integração social, controle da violência e dos movimentos sociais, planificação e administração urbanas e planejamento empresarial.

O desenvolvimento desses estudos fez com que a sociologia, especialmente a norte-americana, abandonasse os modelos mais abrangentes e as análises mais universais, dedicando-se a teorias de médio alcance. Outra tendência dos estudos sociais foi a interdisciplinaridade, com estudos que integravam conceitos e metodologia de pesquisa desenvolvidos pela psicologia social, linguística e psicanálise.

Também na Europa, modelos teóricos universais como aqueles desenvolvidos por autores clássicos – Durkheim, Weber e Marx –, aos quais dedicamos a primeira parte deste livro, deram lugar a teorias que se voltavam para determinados recortes da realidade social, analisados a partir de uma releitura das teorias clássicas. O processo de globalização e o advento das mídias digitais e da comunicação em rede vão ser assuntos prioritários de uma nova geração de sociólogos europeus, entre os quais se destacam Manuel Castells, Antony Giddens e Jürgen Habermas.

Como explicar e entender a “liberdade de escolha” no mundo em que vivemos?

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