Sociologia do Desenvolvimento
Passaremos, agora, a estudar uma área
da sociologia que mereceu especial atenção no século XX, à qual se deu o nome
de sociologia do desenvolvimento. Trata-se de teorias que se dedicaram ao
estudo de problemas surgidos com o desenvolvimento sem precedentes do
capitalismo industrial e de sua internacionalização.
Após a Primeira Guerra
Mundial, concretizaram-se mudanças sociais em escala mundial: surgiram novas
potências industriais, entre as quais se destacam os EUA e a então URSS; os
ideais de livre-concorrência deram lugar ao capitalismo monopolista, com a
crescente participação do Estado como patrocinador das economias nacionais; e
novas nações se consolidaram na Ásia e na África.
A capitalização de recursos,
o aumento do consumo, a necessidade de barateamento dos custos das
matérias-primas e da força de trabalho pressionavam as potências industriais a
expandir sua estrutura econômica para além das fronteiras nacionais. Essas
mesmas pressões haviam levado a Inglaterra, a partir do início do século XIX, a
criar um vasto império colonial e a romper o equilíbrio europeu, apoiando –
sempre que possível – a independência das nações latino-americanas entre os
anos de 1810 e 1830. No século XX, a aceleração do processo de industrialização
e o aumento de nações concorrentes na corrida imperialista fizeram com que um
novo surto de modernização e formação de novos estados independentes atingisse
os continentes asiático e africano.
Guardadas as diferenças entre o contexto de
surgimento das nações latino-americanas, no século XIX, e o das nações
africanas e asiáticas, no século XX, percebe-se a constante internacionalização
do processo de industrialização e a expansão do modo de produção capitalista,
com a consequente transformação das antigas colônias em parceiros de novos
contratos econômicos. Para tanto, as novas nações tiveram de adotar o modelo de
sociedade ditado pela Europa, organizando um aparato de Estado capaz de
implementar políticas econômicas voltadas para o desenvolvimento do capitalismo
industrial.
Não se tratava mais de uma simples exploração econômica, como a
garantida pelo pacto colonial com a livre-exploração de recursos naturais por
parte das metrópoles, mas de criar condições que permitissem o ingresso das novas
nações no contexto das relações econômicas internacionais. Para produzir
matérias-primas e consumir produtos industrializados de origem europeia e
norte-americana, as recém-constituídas nações asiáticas e africanas, bem como
as latino-americanas, precisaram desenvolver sistemas modernos de transporte e
comunicação, mecanização da produção agrícola e formas de exploração de
recursos naturais e fontes de energia.
A modernização das nações, a criação de
uma burocracia estatal, a incipiente industrialização, o aparecimento de outras
classes sociais – como o operariado e a burguesia nacional – dotaram as novas
nações de uma estrutura semelhante à dos países industrializados. Parceiras e
concorrentes nesse processo de internacionalização do capitalismo industrial,
as nações passaram a ser classificadas de acordo com índices econômicos que as
diferenciavam como “avançadas” ou “atrasadas”, sendo essa diferenciação uma
questão de grau e não de qualidade. Todas as nações do mundo pareciam marchar
igualmente rumo ao desenvolvimento industrial. As diferenças se expressariam
apenas na velocidade do processo e no volume dos resultados alcançados.
1.2 Nova roupagem para
uma antiga relação de dominação
O capitalismo, em sua origem, promoveu
a subordinação do campo à cidade e da produção agrária aos interesses do
comércio e da indústria, que se tornaram prioritários a partir do renascimento
comercial. A primeira forma de exploração e acumulação de capital derivou da
separação entre campo e cidade, entre atividades agrárias e manufatureiras.
Essa divisão existente entre o campo e a cidade e entre o mundo rural e o
urbano se estendeu às relações internacionais por meio do colonialismo – as
metrópoles desenvolvendo a indústria com matéria-prima comprada das colônias
por preços baixos.
Os conflitos e lutas pela libertação das colônias, muitas
delas patrocinadas por países europeus concorrentes, tinham como um de seus
objetivos libertá-las desse comércio internacional que lhes reservava um papel
dependente e subalterno. Entretanto, a economia dos países latino-americanos
que se tornaram independentes nesse processo continuou organizada segundo o
modelo agrário-exportador, produzindo um fluxo de capitais e mercadorias que
propiciou o contínuo desenvolvimento industrial europeu.
Desse modo, as nações
capitalistas “centrais” aprimoraram seus avanços técnicos e econômicos,
tornando cada vez maior a distância que as separava das emergentes nações
agrícolas. As colônias, da forma como estavam organizadas, não eram mais
necessárias. A divisão econômica internacional entre países industrializados e
agrários forjava relações de dependência que substituíram com vantagem o antigo
imperialismo.
1.3 O capitalismo do
século XX
No século XX, com a indústria de massa,
inverte-se a relação entre produção e demanda. A partir de então, a produção
não se desenvolve mais impulsionada pela demanda, mas, graças aos recursos
tecnológicos, supera-a, criando-se uma sociedade da abundância em que os
produtos concorrem pela preferência dos consumidores.
Surgem as crises
sistêmicas, cujo exemplo mais característico foi o colapso da Bolsa de Valores
de 1929, nos Estados Unidos, decorrente da superprodução e da especulação
financeira, com reflexos em toda a estrutura econômica internacional. Essa
crise e as Guerras Mundiais afetaram a capacidade produtiva das nações
“centrais”, impulsionando, em alguns países “periféricos”, a formação de uma
indústria local de bens de consumo, a partir dos recursos acumulados com a
exportação agrária.
Um caso típico, nesse sentido, ocorrido no Brasil, foi a
industrialização de São Paulo, que, sem a concorrência dos produtos europeus,
pôde se desenvolver com a utilização do capital gerado pela exportação de café.
Esse capital acumulado auxiliou a industrialização de duas maneiras: sendo diretamente
investido em atividades industriais e formando uma classe abastada de
consumidores que incentivaram essas atividades. À medida que as economias
“centrais” se recuperavam, o panorama das relações econômicas internacionais se
modificava também com o aparecimento das empresas multinacionais.
Após a
Segunda Guerra Mundial, algumas grandes empresas, sediadas nas nações
“centrais”, abriram filiais em países do Terceiro Mundo, como ficou conhecido o
conjunto de países que, como ex-colônias europeias, buscava garantir seu espaço
no processo de divisão internacional da produção. Segundo esse processo, no
século XX, as nações podiam ser divididas em: Primeiro Mundo, correspondendo às
nações de economia capitalista desenvolvida; Segundo Mundo, às de economia socialista
industrializada; e, finalmente, Terceiro Mundo, reunindo as economias
periféricas a um e outro regime.
A criação dessas indústrias multinacionais nos
países periféricos incentivou, por um lado, o surgimento de fábricas de
componentes, de construção civil e de transportes, mas, por outro, criou uma
forte concorrência, impedindo o amplo desenvolvimento das indústrias nacionais
de grande porte nesses países. As filiais das grandes indústrias foram
beneficiadas com uma considerável redução nos custos de produção: nesses
países, a terra era mais barata e os salários muito mais baixos, pagos a uma
população migrante que deixava o campo em direção à cidade à medida que a
indústria se desenvolvia e a produção agrícola deixava de ser prioritária.
Além
disso, os governos das nações “periféricas” criaram diversos mecanismos para
facilitar a instalação das multinacionais, como isenção de impostos durante os
anos de implantação dos parques industriais, doação de terras e elaboração de
projetos de modernização para viabilizar o consumo e a expansão industrial. São
dessa época, por exemplo, os grandes planos de desenvolvimento elaborados pelo
governo brasileiro para abrir estradas, construir usinas, aumentar o setor de
serviços etc. Dois aspectos nas nações “subdesenvolvidas” foram diretamente
influenciados por essa nova fase de expansão do capitalismo industrial: um
deles foi o fortalecimento do Estado, responsável em grande parte por toda a
modernização que tornou viável a implantação das multinacionais; outro, foi o
incentivo às indústrias nacionais de artefatos subsidiários à produção de
grande porte dominada pelas multinacionais.
A indústria automobilística é a que
melhor exemplifica o que acabamos de relatar. Para que as diversas indústrias
multinacionais se implantassem foi preciso que, de um lado, os Estados
subdesenvolvidos planejassem redes de estradas de rodagem e organizassem formas
de exploração ou importação de combustível. De outro lado, cresceram
enormemente as indústrias nacionais de autopeças, subsidiárias à produção
multinacional.
Além do Brasil, o mesmo ocorreu no México e na Argentina e, em
outras proporções, nos demais países da América Latina, principalmente com o
estabelecimento das indústrias de exploração mineral. Hoje, os recursos
continuam fortalecendo as nações desenvolvidas, na forma de lucros enviados às
sedes das multinacionais e por meio do endividamento das nações “periféricas”,
pois a modernização destas se realizou mediante empréstimos tomados no
exterior. Atualmente, o processo de globalização da economia capitalista
industrial reforça as desigualdades estruturais entre países industrialmente
desenvolvidos e subdesenvolvidos, ou, como são chamados hoje, os países em
“vias de desenvolvimento”.
A abertura de mercado imposta pelo modelo econômico
conhecido como neoliberal tem criado grandes dificuldades para a indústria
nacional, que não está preparada para competir com produtos mais baratos e de
melhor qualidade. O incipiente parque industrial dos países em desenvolvimento
sofre novo golpe nessa secular concorrência entre metrópoles e colônias, países
industriais e agrícolas, desenvolvidos e subdesenvolvidos.
A diminuição das
funções do Estado preconizada pelo neoliberalismo coloca em xeque as indústrias
nacionais dos países mais pobres, que contam cada vez menos com subsídios e
empréstimos estatais. Os índices de endividamento externo das nações
subdesenvolvidas e a dependência tecnológica são os sinais mais agudos dessa
nova situação de dependência.
1.4 Novos rumos da
sociologia
Como vemos, as relações internacionais
de produção capitalista se transformaram no decorrer de quase cinco séculos de
expansão, assim como se alteraram as feições internas das colônias,
transformadas em países capitalistas. Parceiras de um mesmo jogo, partes de um
único contrato, produtores e consumidores dos mesmos produtos, as nações não
podiam mais ser divididas em “civilizadas” e “primitivas”, como propunham as
primeiras análises sociológicas das diversidades culturais.
O pensamento
sociológico criou, então, não só novas perspectivas para a análise das relações
intersocietárias, como também outros conceitos para identificar os processos
que ocorriam nas diversas nações do mundo.
Junto a esse movimento de modernização,
entraram nos países subdesenvolvidos não só produtos e tecnologia, mas também
conhecimento e ciência, gerando diferentes formas de interpretação do mundo.
Criaram-se a partir daí novas universidades e aprofundaram-se os estudos de
ciências humanas e exatas nas nações subdesenvolvidas ou do Terceiro Mundo.
A
industrialização e o desenvolvimento econômico passaram a constituir o objeto
central de estudo dos sociólogos, quer nas nações desenvolvidas quer naquelas
que se industrializavam. No entanto, nestas deu-se atenção especial ao estudo
dos impasses e obstáculos à plena industrialização, bem como aos fenômenos de
resistência e conservadorismo.
Costuma-se dizer que, nesse processo de
transferência da Europa para países do Terceiro Mundo, a sociologia se
“indigenizou”, numa referência ao pensamento social que nele se desenvolve e
que passa a analisar o mundo do ponto de vista e a partir das nações
periféricas. O cientista social das sociedades dependentes, com um passado
colonial de conflitos étnicos e culturais e forte imigração, com relações de
dominação internas e externas que se sobrepõem, reelabora os conceitos
aprendidos da Europa.
As mudanças promovidas pela industrialização e pela
internacionalização do capitalismo, entretanto, não afetaram apenas o
pensamento sociológico produzido nos países pobres. Transformações radicais
ocorreram nas ciências sociais do Primeiro Mundo. A emigração para a América de
intelectuais perseguidos pelos diversos regi- mes ditatoriais europeus – do
nazismo ao stalinismo – desloca o eixo da produção científica e estimula o desenvolvimento
das universidades no novo continente.
A produção intelectual e científica
europeia sofreu um duro golpe do qual talvez não tenha ainda se refeito
totalmente. As grandes escolas do pensamento entram em decadência, desfazem-se
os grupos mais coesos e a pesquisa passa a expressar esforços quase individuais
de análise. Os anos 1960, entretanto, serão férteis em ideias e movimentos
políticos, com o aparecimento de novas tendências menos dogmáticas, mais
militantes e de âmbito internacional.
Depois das duas guerras mundiais, a
emergência dos Estados Unidos como grande potência e centro econômico e
político do Ocidente repercutiu na produção do pensamento filosófico,
científico e artístico. Passou a predominar nesses campos do saber uma
preocupação mais pragmática voltada para as necessidades imediatas da sociedade
e, nas ciências sociais, particularmente, o interesse por temas como integração
social, controle da violência e dos movimentos sociais, planificação e
administração urbanas e planejamento empresarial.
O desenvolvimento desses
estudos fez com que a sociologia, especialmente a norte-americana, abandonasse
os modelos mais abrangentes e as análises mais universais, dedicando-se a
teorias de médio alcance. Outra tendência dos estudos sociais foi a
interdisciplinaridade, com estudos que integravam conceitos e metodologia de
pesquisa desenvolvidos pela psicologia social, linguística e psicanálise.
Também na Europa, modelos teóricos universais como aqueles desenvolvidos por
autores clássicos – Durkheim, Weber e Marx –, aos quais dedicamos a primeira
parte deste livro, deram lugar a teorias que se voltavam para determinados
recortes da realidade social, analisados a partir de uma releitura das teorias
clássicas. O processo de globalização e o advento das mídias digitais e da
comunicação em rede vão ser assuntos prioritários de uma nova geração de
sociólogos europeus, entre os quais se destacam Manuel Castells, Antony Giddens
e Jürgen Habermas.