A desigualdade e a exclusão têm na
modernidade ocidental um significado distinto do que tiveram nas sociedades do
antigo regime. Pela primeira vez na história, a igualdade, a liberdade e a
cidadania são reconhecidas como princípios emancipatórios da vida social.
A desigualdade e a exclusão têm, pois,
de ser justificadas como exceções ou incidentes de um processo societal que
lhes não reconhece legitimidade, em princípio. E, perante elas, a única
política social legitimada é a que define os meios para minimizar uma e outra.
Nada disto, como sabemos, vale para as sociedades sujeitas ao colonialismo
europeu. Aí vigoraram a desigualdade e a exclusão como princípios de regulação
cuja validade não implicou qualquer relação dialética com a emancipação.
Durante o longo tempo do ciclo colonial, a “opção” para essas sociedades foi,
quando muito, entre a violência da coerção e a violência da assimilação.
A importância da perspectiva
pós-colonial reside hoje em mostrar que o “outro” da modernidade europeia, a
“exterioridade colonial” foi, de fato, um elemento constitutivo originário da
modernidade [...]. A desigualdade e a exclusão são dois sistemas de pertença
hierarquizada. No sistema de desigualdade, a pertença dá-se pela integração
subordinada enquanto que no sistema de exclusão a pertença dá-se pela exclusão.
A desigualdade implica um sistema
hierárquico de integração social. Quem está embaixo está dentro e a sua
presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema
igualmente hierárquico mas dominado pelo princípio da segregação: pertence-se
pela forma como se é excluído. Quem está embaixo, está fora. Estes dois
sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois
que, na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois
sistemas, em combinações complexas.
Como é no século XIX que se consuma a
convergência da modernidade e do capitalismo, é neste século que melhor se
podem analisar os sistemas de desigualdade e de exclusão. O grande teorizador
da desigualdade na modernidade capitalista é, sem dúvida, Karl Marx. Segundo
ele, a relação capital/trabalho é o grande princípio da integração social na
sociedade capitalista, uma integração que assenta na desigualdade entre o
capital e o trabalho, uma desigualdade classista baseada na exploração.
Fonte: SANTOS, Boaventura Sousa. A gramática
do tempo. São Paulo: Cortez, 2006. p. 280