2.1 O crescimento da nação e do pensamento filosófico e científico alemão
Na Alemanha, ao contrário da Inglaterra e da França, entretanto, a realidade é outra. O pensamento burguês se organiza tardiamente e quando o faz, no século XIX, é sob influência de outras correntes filosóficas e da sistematização das ciências humanas, como a história e a antropologia. A Alemanha, ao contrário da Inglaterra e da França, se unifica e se organiza como Estado nacional mais tardiamente que o conjunto das nações europeias, o que atrasa seu ingresso na corrida industrial e imperialista iniciada na segunda metade do século XIX. Esse descompasso estimulou no país o interesse pela história como ciência da integração, da memória e do nacionalismo. Por tudo isso, o pensamento alemão se volta para a diversidade, enquanto o francês e o inglês, para a universalidade (pois esses países, além de disputarem a hegemonia econômica mundial, queriam integrar as colônias aos seus padrões culturais e ideológicos).
Devemos distinguir no pensamento alemão, portanto, a preocupação com o estudo da diferença, característica de sua formação política e de seu desenvolvimento econômico. Adicione-se a isso a herança puritana com seu apego à interpretação das escrituras e livros sagrados. Essa associação entre história, esforço interpretativo e facilidade em discernir diversidades caracterizou o pensamento alemão e influenciou muitos cientistas. Max Weber foi o grande sistematizador da sociologia na Alemanha.
2.2 A sociedade sob uma perspectiva histórica
No processo da formação da intelectualidade germânica, durante a criação da Alemanha, a denominada escola filosófica do idealismo alemão teve um papel de destaque. Dela fizeram parte filósofos do porte de Joahann G. Fitche, Friedrich Von Schelling e Wilhelm Hegel. Foi com Hegel que o idealismo alemão preconizou que a razão é histórica, ou seja, a verdade é construída no tempo. Essa nova forma de ver a razão pautava-se na ideia básica de que o ser está em constante transformação. Então, para se conhecer a verdade não se poderia parar a análise no que é estático, no que já existe, mas no que está por vir, no movimento, anunciado pelas contradições que a realidade apresenta. Hegel afirmava que a história não era a mera acumulação e justaposição de fatos acontecidos no tempo, mas o resultado de um processo determinado pelas contradições. Assim, cada sociedade é particular e única, determinada pelo seu processo histórico. Consequentemente, os indivíduos têm um papel relevante em uma sociedade, pois a ação deles interfere na realidade. O idealismo alemão preconizou grandes debates com os positivistas e os marxistas. Há, portanto, um forte contraste entre o positivismo durkheimiano e o idealismo alemão, que se expressa, entre outros elementos, nas maneiras diferentes como cada uma dessas correntes encara a história. Para o positivismo, a história é o processo universal de evolução da humanidade, cujos estágios o cientista pode perceber pelo método comparativo, capaz de aproximar sociedades humanas de todos os tempos e lugares.
A história particular de cada sociedade desaparece, diluída nessa lei geral que os pensadores positivistas tentaram reconstruir. Essa forma de pensar torna insignificantes as particularidades históricas, e as individualidades são dissolvidas em meio a forças sociais impositivas. Max Weber, figura dominante na sociologia alemã, com formação histórica consistente, se oporá à concepção positivista. Para ele, a pesquisa histórica é essencial para a compreensão das sociedades. Essa pesquisa, baseada na coleta de documentos e no esforço interpretativo das fontes, permite o entendimento das diferenças sociais (contradições sociais), que seriam, para Weber, de gênese e formação, e não de estágios de evolução.
Portanto, segundo a perspectiva de Weber, o caráter particular e específico de cada formação social deve ser respeitado. O conhecimento histórico, entendido como a busca de evidências, torna-se um poderoso instrumento para o cientista social. Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as particularidades de cada sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo histórico. Weber descartava em suas análises históricas todo determinismo e a ideia de uma sucessão necessária de estágios pelos quais passariam todas as sociedades. Do mesmo modo, rejeitava princípios idealistas que avaliavam a vida social por meio de juízos de valor e não da análise empírica. Reconhecia, entretanto, que aquilo que se obtém dos estudos históricos e da análise de documentos são dados esparsos que podem ser interpretados pelo cientista social, resultando em uma compreensão lógica dos acontecimentos. Essa lógica não deixava de emprestar, todavia, um caráter geral à elucidação da vida social. Assim, Weber, partindo da indução (raciocínio que se serve de indícios para chegar a uma causa por eles tornada evidente) e da análise empírica, admitia a possibilidade de construções teórica mais abrangentes.
2.3 O Método compreensivo e a ação social: uma ação com sentido
Weber buscou na escola neokantiana, que surgiu na Alemanha em meados do século XIX, originária do idealismo alemão, as bases para o seu método de análise sociológico, que também ficou conhecido como método compreensivo. Entre os neokantianos ganhou destaque Wilhelm Dilthey (1833-1911), que, na tentativa de separar a ciência da humanidade da ciência natural, estabeleceu a diferença entre os modos explicativo e compreensivo. O modo explicativo era a característica essencial das ciências naturais, que buscavam determinar o efeito causal dos fenômenos, ou seja, buscavam explicar as causas que davam existência aos fenômenos naturais. A compreensão seria o modo típico das ciências humanas, que não devia explicar os fatos em si, determinando as suas causas imediatas, mas, sim, compreender os processos da ação humana e dela extrair o seu sentido.
Consequentemente, o ponto de partida da sociologia de Weber não estava nas entidades coletivas, grupos ou instituições. Seu objeto de investigação era a ação social, a conduta humana dotada de sentido, ou seja, de uma justificativa subjetivamente elaborada. Na teoria weberiana, o homem passou a ter, como indivíduo, o significado e a especificidade do agente social que dá sentido à sua ação: estabelece a conexão entre o motivo da ação, a ação propriamente dita e seus efeitos. Se para a sociologia positivista a ordem social submete os indivíduos como força exterior a eles, para Weber, ao contrário, não existe oposição absoluta entre indivíduo e sociedade: as normas sociais só se tornam concretas quando se manifestam em cada indivíduo sob a forma de motivação. Cada sujeito age levado por um motivo que é dado pela tradição, por interesses racionais ou pela emotividade. O motivo que transparece na ação social permite desvendar o seu sentido, pode ser expresso pelo agente ou estar implícito em sua atitude ou comportamento. Esse motivo individual e subjetivo é também social na medida em que cada um age levando em conta a resposta ou a reação dos outros. Ao cientista compete compreender o sentido das diferentes ações sociais e prever as suas consequências, muitas das quais imperceptíveis para os próprios agentes. É possível decompor a ação social em diferentes etapas desvendando suas conexões. O simples ato de enviar uma carta é composto de uma série de ações sociais com sentido – escrever, selar, enviar e receber –, que terminam por realizar um objetivo. Por outro lado, muitos agentes ou atores estão relacionados a essa ação social – o atendente, o carteiro etc. Essa interdependência entre os sentidos das diversas ações – mesmo que orientadas por motivos diversos – é que dá a esse conjunto de ações seu caráter social. O cientista social, identificando essa motivação, desvenda diferentes instâncias da vida social, política, econômica ou religiosa. Esse esforço de compreensão, todavia, nada tem a ver com a análise psicológica. Por mais individual que seja a intenção de um agente, por um impulso interno e pessoal, sua ação envolve a ação de outros e a teia de ações interdependentes, que caracteriza a vida social, manifesta-se. Por outro lado, Weber distingue ação de relação social. Para que se estabeleça uma relação social é preciso que o sentido seja compartilhado. Por exemplo, um sujeito que pede uma informação a outro estabelece uma ação social: ele tem um motivo e age em relação a outro indivíduo, mas tal motivo não é compartilhado, portanto não é uma relação social. Numa sala de aula, em que o objetivo da ação dos vários sujeitos é compartilhado, existe uma relação social. Pela frequência com que certas ações sociais se manifestam, o cientista pode conceber as tendências gerais que levam os indivíduos, em dada sociedade, a agir de determinado modo.
2.4 A tarefa do cientista
Weber, no desenvolvimento de sua teoria, como vimos, rejeita as proposições positivistas do evolucionismo ou da crença de que as sociedades reproduzam um mesmo modelo de transformação histórica, que as leva de estágios de organização inferiores (ou mais simples) para outros mais elevados (ou complexos). Weber também descarta, como elemento central para explicar a emergência dos fatos sociais, a oposição durkheimiana entre indivíduo e sociedade, quer no entendimento de como o indivíduo atua e integra a vida social, quer no papel que desempenha o cientista em seus estudos das sociedades. As atitudes e as motivações, tanto do indivíduo como do cientista, dão sentido às ações sociais e colocam o sociólogo em condições de interpretar tais ações, percebendo-lhes o significado e a direção.
Embora Weber não exija do sociólogo a neutralidade defendida pelos positivistas diante da realidade, ele não considera que seja objetivo da sociologia a transformação social, como preconizava Durkheim. Assim, as crenças pessoais do cientista, mesmo sendo importantes para a sua atuação como cientista, devem estimulá-lo a uma análise profunda e objetiva sem, no entanto, comprometer o estudo da realidade. Diferentemente de Durkheim, Weber não valoriza a análise quantitativa dos fenômenos sociais, pois, por mais que os acontecimentos possam ser quantificáveis, é o método de interpretação científica e a compreensão dos fatos que garantem a cientificidade das análises. Assumindo a subjetividade que guia o cientista, Weber aceita a parcialidade de toda e qualquer explicação científica. Para ele, os acontecimentos são o resultado de múltiplas e diversas determinações que se combinam e se complementam. Causas econômicas, políticas ou religiosas estão na raiz do comportamento social, sem qualquer primazia de umas sobre outras.
2.5 O tipo ideal
Dentre os instrumentos de que o sociólogo dispõe para compreender e interpretar a vida social, um dos mais importantes para Weber é o que ele chamou de “tipo social”. Trata-se de uma construção teórica abstrata que o cientista elabora por meio do estudo sistemático das diversas manifestações particulares de um fenômeno, no qual ele acentua aquilo que lhe pareça característico ou fundante. Nenhum dos exemplos representará de forma perfeita e acabada o tipo ideal, mas manterá com ele uma grande semelhança e afinidade, permitindo comparações e a percepção de semelhanças e diferenças. Constitui-se em um trabalho teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é essencial na diversidade das manifestações da vida social, permitindo a identificação de exemplares em diferentes tempos e lugares. O tipo ideal não é um modelo concreto ou empírico a ser buscado pelas formações sociais históricas nem a ser observado pelo cientista. É um instrumento de análise científica, numa construção do pensamento que permite conceituar fenômenos e formações sociais e identificar na realidade observada suas manifestações. Permite ainda comparar tais manifestações.
“O tipo do grande proprietário de terra romano não é o do agricultor que dirige pessoalmente a empresa, mas é o homem que vive na cidade, pratica a política e quer, antes de tudo, perceber rendas em dinheiro. A gestão de suas terras está nas mãos dos servos inspetores (villici).” (WEBER, Max. As causas sociais do declínio da cultura antiga. In: COHN, Gabriel (Org.). Sociologia. São Paulo: Ática, 1979).
O tipo ideal nada tem a ver com as espécies sociais de Durkheim, que pretendiam ser exemplos de sociedades observadas em diferentes graus de complexidade num continuum evolutivo.
2.5.1 A ética protestante e o espírito do capitalismo
Um dos trabalhos mais conhecidos e importantes de Weber é A ética protestante e o espírito do capitalismo, no qual ele relaciona o papel do protestantismo na formação do comportamento típico do capitalismo ocidental moderno.
Weber parte de dados estatísticos que lhe mostraram a proeminência de adeptos da Reforma Protestante entre os grandes homens de negócios, empresários bem- -sucedidos e trabalhadores qualificados. A partir daí, procura estabelecer conexões entre a doutrina e a pregação protestante, seus efeitos no comportamento dos indivíduos e sobre o desenvolvimento capitalista. Weber descobre que os valores do protestantismo – como a disciplina ascética (consagração a exercícios espirituais de autodisciplina), a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a propensão ao trabalho – atuavam de maneira decisiva sobre os indivíduos. No seio das famílias protestantes, os filhos eram criados para o ensino especializado e para o trabalho fabril, optando sempre por atividades mais adequadas à obtenção do lucro, preferindo o cálculo e os estudos técnicos ao estudo humanístico. Weber mostra a formação de uma nova mentalidade, um ethos – conjunto dos costumes e hábitos fundamentais – propício ao capitalismo, em flagrante oposição ao “alheamento” e à atitude contemplativa do catolicismo, voltado para a oração, sacrifício e renúncia da vida prática. Um dos aspectos importantes desse trabalho, no seu sentido teórico, está em expor as relações entre religião e sociedade e desvendar particularidades do capitalismo. Além disso, nessa obra, podemos ver de que maneira Weber aplica seus conceitos e posturas metodológicas. Alguns dos principais aspectos da análise:
1. A relação entre a religião e a sociedade não se dá por meios institucionais, mas por intermédio de valores introjetados nos indivíduos e transformados em motivos da ação social. A motivação do protestante, segundo Weber, é o trabalho, enquanto dever e vocação, como um fim absoluto em si mesmo, e não o ganho material obtido por meio dele.
2. O motivo que mobiliza internamente os indivíduos é consciente. Entretanto, os atos individuais vão além das metas propostas e aceitas por eles. Buscando sair-se bem na profissão, mostrando sua própria virtude e vocação e renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se adapta facilmente ao mercado de trabalho, acumula capital e o reinveste produtivamente.
3. Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a motivação dos indivíduos e os efeitos de sua ação no meio social. Procedendo assim, Weber analisa os valores do catolicismo e do protestantismo, mostrando que os últimos revelam a tendência ao racionalismo econômico, base da ação capitalista.
4. Para constituir o tipo ideal de capitalismo ocidental moderno, Weber estuda as diversas características das atividades econômicas em várias épocas e lugares, antes e após o surgimento das atividades mercantis e da indústria. E, conforme seus preceitos, constrói um tipo gradualmente estruturado a partir de suas manifestações particulares tomadas à realidade histórica. Assim, diz ser o capitalismo, na sua forma típica, uma organização econômica racional assentada no trabalho livre e orientada para um mercado real, não para a mera especulação ou rapinagem. O capitalismo promove a separação entre empresa e residência, a utilização técnica de conhecimentos científicos e o surgimento do direito e da administração racionalizados.