O
que é fato social
A sociologia é a ciência que estuda a
sociedade humana e cujo desenvolvimento se deu a partir da necessidade de
compreensão do homem e de sua vida em grupo.
Auguste Comte foi um de seus
precursores e aquele que atribuiu o nome sociologia às pesquisas sobre os
princípios universais do comportamento social.
Agora, passaremos ao estudo dos grandes
teóricos que constituem a sociologia clássica: Émile Durkheim, Max Weber e Karl
Marx.
Após a morte de Comte, a elaboração
teórica na sociologia viveu um período estacionário só quebrado com Durkheim,
na metade do século XIX. Para ele era tempo de entrar “mais diretamente em
relação com os fatos”, deixando para trás atitudes meramente especulativas.
Para isso, valeu-se da história, da
etnografia (estudo descritivo das diversas etnias), do estudo das leis, da
estatística e da filosofia. Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a
constituir o objeto da sociologia e as regras para desvendá-lo. A obra mais
importante nesse sentido foi “As regras
do método sociológico”, na qual o autor procura instituir as fronteiras
entre a sociologia e as demais ciências, dando-lhe autonomia e objetividade.
Nesse trabalho, procurou definir o que
entendia por fatos sociais.
Características
dos fatos sociais
Coerção
Para Durkheim, os fatos sociais
distinguem-se dos fatos orgânicos ou psicológicos por se imporem ao indivíduo
como uma poderosa força coercitiva à qual ele deve, obrigatoriamente, se
submeter.
A adoção de um idioma, a organização familiar
e o sentimento de pertencer a uma nação são manifestações do comportamento
humano dotadas dessa força impositiva sobre o indivíduo, força essa que Durkheim
denominou coerção social.
A força coercitiva dos fatos sociais se
manifesta pelas “sanções legais” ou “espontâneas” a que o indivíduo está
sujeito quando tenta rebelar-se contra ela.
·
“Legais” são as sanções prescritas pela
sociedade, sob a forma de leis, nas quais se define a infração e se estabelece
a penalidade correspondente.
· “Espontâneas” são as que afloram como
resposta a uma conduta considerada inadequada por um determinado grupo ou por
uma sociedade.
Os olhares de reprovação de que somos
alvo quando comparecemos a um local com a roupa inadequada constituem sanções
espontâneas. Embora não codificados em lei, esses olhares têm o poder de
conduzir o infrator para o comportamento esperado.
A reação negativa da sociedade a certa
atitude ou comportamento é, muitas vezes, mais intimidadora do que a lei. A
“educação” – entendida de forma geral, ou seja, a educação formal e a informal
– desempenha, segundo Durkheim, uma importante tarefa nessa adequação dos
indivíduos à sociedade em que vivem, a ponto de, após algum tempo, as regras
estarem internalizadas nos membros do grupo e transformadas em hábitos.
O uso de uma determinada língua ou o
gosto por determinada comida são internalizados no indivíduo, que passa a
considerar tais hábitos como pessoais.
Exterioridade
A segunda característica dos fatos
sociais é que eles existem e atuam independentemente da vontade ou adesão
consciente dos indivíduos, sendo, assim, “exteriores a eles”. Ao nascermos já
encontramos regras sociais, costumes e leis que somos coagidos a aceitar por
meio de mecanismos de coerção social, como a educação. Não nos é dada a
possibilidade de opinar ou escolher, sendo, assim, independentes de nós, de
nossos desejos e vontades. Por isso os fatos sociais são ao mesmo tempo
“coercitivos” e dotados de existência exterior às consciências individuais. A
exterioridade dos fatos sociais tem comprovação nas muitas formas de agir e
pensar que jamais seriam adotadas de forma espontânea, como se fossem imposição
de nossos desejos e vontades.
Generalidade
Além da coerção e da exterioridade, é
possível distinguir fatos sociais porque eles não se apresentam como fatos
isolados. Eles são dotados de generalidade, envolvem muitos indivíduos e grupos
ao longo do tempo, repetem-se e difundem-se. Permitem, por isso, uma grande
sondagem como a que ele desenvolveu para estudar o suicídio, fato social dotado
de grande generalidade. A assiduidade com que determinados fatos ocorrem na
sociedade denota a sua importância e a necessidade de estudá-los, assim como
torna a estatística uma das ferramentas que garante ao sociólogo a objetividade
e o controle.
É pela generalidade que os fatos
sociais exibem a sua natureza coletiva, sejam eles fatos observáveis, como o
modelo das habitações de um grupo, sejam fatos morais, como os valores e as
crenças.
1.1.1 A
objetividade do fato social
Além de identificar os fatos sociais
por suas características, Durkheim desenvolve também uma metodologia própria
dos estudos sociológicos. Herdeiro dos princípios positivistas e dos
pressupostos cartesianos, Durkheim procura respeitar a distância e a
neutralidade do cientista diante de seu objeto de estudo, condição necessária a
uma ciência objetiva. Da mesma maneira que em outras ciências, o cientista
social deveria apreender a realidade que o cerca sem distorcê-la de acordo com
seus desejos e interesses particulares. Deveria deixar de lado suas prenoções,
isto é, valores e sentimentos pessoais em relação àquilo que está sendo
estudado, pois, tudo que nos mobiliza – nossas simpatias, paixões e opiniões –
dificulta o conhecimento verdadeiro, fazendo-nos confundir o que vemos com aquilo
que queremos ver. Levando às últimas consequências esse distanciamento que o
cientista deve manter em relação a seu objeto de estudo, Durkheim aconselha o
sociólogo a encarar os fatos sociais como “coisas”, isto é, objetos que lhe são
exteriores. Diante deles, deve se colocar isento de paixão, desejo ou
preconceito, para analisá-los por meio de instrumentos que permitem medir suas
minúcias e regularidades – a observação, a descrição, a comparação e a
estatística. O sociólogo deve também se manter neutro diante da opinião dos
próprios envolvidos nas situações analisadas, pois elas representam apenas
juízos de valor individuais, aos quais Durkheim propõe o exercício da dúvida
metódica, ou seja, a necessidade de o cientista inquirir sobre a veracidade e objetividade
dos fatos estudados, procurando anular, sempre, a influência de seus desejos,
interesses e preconceitos.
1.1.2 Suicídio
Durkheim estudou profundamente o
suicídio, utilizando nesse trabalho toda a metodologia defendida e propagada
por ele. Considerou-o fato social por sua presença universal em toda e qualquer
sociedade e por suas características exteriores e mensuráveis, completamente
independentes das razões que levam cada suicida a acabar com a própria vida.
Apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicídio interessa ao
sociólogo por aquilo que tem de comum e coletivo e que, certamente, escapa às
consciências individuais dos envolvidos – do suicida e dos que o cercam. Para
Durkheim, a prova de que o suicídio depende de leis sociais e não da vontade
dos sujeitos estava na regularidade com que variavam as taxas de suicídio de
acordo com as alternâncias das condições históricas. Ele verificou, por
exemplo, que as taxas de suicídio aumentavam nas sociedades em que havia a
aceitação profunda de uma fé religiosa que prometesse a felicidade após a
morte. É sobre fatos assim concretos e objetivos, gerais e coletivos, cuja
natureza social se evidencia, que o sociólogo deve se debruçar.
1.2 Sociedade: um
organismo em adaptação
Para Durkheim, a sociologia tinha por
finalidade não só explicar a sociedade como também encontrar soluções para a
vida social. A sociedade, como todo organismo, apresenta estados que podem ser
considerados “normais” ou “patológicos”, isto é, saudáveis ou doentios.
Pode-se considerar um fato social como
“normal” quando se encontra generalizado pela sociedade ou quando desempenha
alguma função importante para sua adaptação ou sua evolução. Assim, por
exemplo, afirma que o crime é normal não apenas por ser encontrado em toda e qualquer
sociedade e em todos os tempos, mas também por representar um fato social que
integra as pessoas em torno de determinados valores. Punindo o criminoso, os
membros de uma coletividade reforçam seus princípios, renovando-os. O crime
tem, portanto, uma importante função social. A “generalidade” de um fato
social, isto é, sua unanimidade, é garantia de normalidade na medida em que
representa o consenso social, a vontade coletiva, ou o acordo de um grupo a
respeito de determinada questão.
1.3 A consciência coletiva
e a consciência individual
Toda a teoria sociológica de Durkheim
pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e independem
daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Embora todos tenham sua
“consciência individual”, seu modo próprio de se comportar e interpretar a
vida, pode-se notar, no interior de qualquer grupo ou sociedade, formas
padronizadas de conduta e pensamento. Essa constatação está na base do que
Durkheim chamou de “consciência coletiva”. A consciência coletiva não se baseia
na consciência de indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está
espalhada por toda a sociedade. Ela revelaria, segundo Durkheim, o “tipo
psíquico da sociedade”, que não seria apenas o produto das consciências
individuais, mas algo diferente, que se imporia aos indivíduos e perduraria
através das gerações. A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral
vigente na sociedade. Ela aparece como um conjunto de regras fortes e
estabelecidas que atribuem valor e delimitam os atos individuais. É a
consciência coletiva que define o que, numa sociedade, é considerado “imoral”,
“reprovável” ou “criminoso”.
1.4 Morfologia social:
as espécies sociais
Durkheim também considerava a
comparação de uma sociedade com outra como um objetivo da sociologia,
constituindo-se numa morfologia social (estudo comparativo dos sistemas
estruturais de diferentes comunidades) para classificar as espécies sociais à
maneira que a biologia fazia com as espécies animais. Também inspirado nas
ciências naturais, Durkheim propunha que toda sociedade tivesse evoluído de uma
forma social mais simples, a horda, constituída de um único segmento de
indivíduos semelhantes e justapostos como átomos. Das combinações entre essas
formas simples e igualitárias originaram-se as sociedades mais complexas como
os clãs (conjunto de famílias que se presumem ou são descendentes de ancestrais
comuns) e as tribos (grupo social autônomo que apresenta certa homogeneidade
física, linguística, cultural etc.). Durkheim procurou, entretanto, diferenciar
as espécies sociais das fases históricas pelas quais passavam as sociedades. As
transformações históricas são mais efêmeras, enquanto a diversidade de espécies
é mais constante. Em uma nota de rodapé de As regras do método sociológico, ele
dizia:
“Desde suas origens, passou a França
por formas de civilização muito diferentes: começou por ser agrícola, passou em
seguida pelo artesanato e pelo pequeno comércio, depois pela manufatura e,
finalmente, chegou à grande indústria. Ora, é impossível admitir que uma mesma
individualidade coletiva possa mudar de espécie três ou quatro vezes. Uma
espécie deve definir-se por caracteres mais constantes. O estado econômico,
tecnológico etc. apresenta fenômenos por demais instáveis e complexos para
fornecer a base para uma classificação.” (DURKHEIM, Émile. As regras do método
sociológico. Op. cit. p. 82.)
Para os bons resultados desse trabalho
de constituição de uma morfologia social, Durkheim orienta os sociólogos a se
valerem de apurada observação empírica. Foi por meio dela que ele pôde
identificar dois tipos diferentes de solidariedade entre os homens,
provenientes da divisão social do trabalho: a solidariedade mecânica e a
solidariedade orgânica. A passagem de um tipo para outro constituía uma
metamorfose de um estágio inferior de vida social a outro superior.
Solidariedade mecânica e solidariedade
orgânica
Solidariedade mecânica, para Durkheim,
era aquela que predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos
se identificavam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes,
permanecendo em geral independentes e autônomos em relação à divisão social do
trabalho. A consciência coletiva exerce aqui todo seu poder de coerção sobre os
indivíduos.
Solidariedade orgânica é aquela típica das sociedades capitalistas,
em que, pela acelerada divisão social do trabalho, os indivíduos se tornavam
interdependentes. Essa interdependência garante a união social, em lugar dos
costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, como ocorre nas
sociedades contemporâneas. Nas sociedades capitalistas, a consciência coletiva
se afrouxa, ao mesmo tempo em que os indivíduos se tornam mutuamente
dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a desenvolver
maior autonomia pessoal.
1.5 Durkheim e a
sociologia científica
Durkheim se distingue dos demais
positivistas porque suas ideias ultrapassaram a reflexão filosófica e chegaram
a constituir um todo organizado e sistemático de pressupostos teóricos e
metodológicos sobre a sociedade. Propunha uma rigorosa postura empírica,
centrada na verificação dos fatos que poderiam ser observados, mensurados e
relacionados por meio de dados coletados diretamente pelo cientista.
Observação, mensuração e interpretação eram aspectos complementares do método durkheimiano.
Ainda que preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução das
sociedades humanas, Durkheim ateve-se também às particularidades da sociedade
em que vivia, aos mecanismos de coesão dos pequenos grupos e à formação de
sentimentos comuns resultantes da convivência social. Pode-se dizer que já se
delineava uma apreensão da sociologia em que se relacionavam harmonicamente o
geral e o particular. Em vista de todos esses aspectos tão relevantes e
inéditos, os limites antes impostos pela filosofia positivista perderam sua
importância, fazendo dos estudos de Durkheim um constante objeto de interesse
da sociologia contemporânea.