sábado, 19 de maio de 2018

A sociologia de Durkheim


O que é fato social

A sociologia é a ciência que estuda a sociedade humana e cujo desenvolvimento se deu a partir da necessidade de compreensão do homem e de sua vida em grupo.

Auguste Comte foi um de seus precursores e aquele que atribuiu o nome sociologia às pesquisas sobre os princípios universais do comportamento social.

Agora, passaremos ao estudo dos grandes teóricos que constituem a sociologia clássica: Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx.

Após a morte de Comte, a elaboração teórica na sociologia viveu um período estacionário só quebrado com Durkheim, na metade do século XIX. Para ele era tempo de entrar “mais diretamente em relação com os fatos”, deixando para trás atitudes meramente especulativas.

Para isso, valeu-se da história, da etnografia (estudo descritivo das diversas etnias), do estudo das leis, da estatística e da filosofia. Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a constituir o objeto da sociologia e as regras para desvendá-lo. A obra mais importante nesse sentido foi “As regras do método sociológico”, na qual o autor procura instituir as fronteiras entre a sociologia e as demais ciências, dando-lhe autonomia e objetividade.

Nesse trabalho, procurou definir o que entendia por fatos sociais.

Características dos fatos sociais

Coerção

Para Durkheim, os fatos sociais distinguem-se dos fatos orgânicos ou psicológicos por se imporem ao indivíduo como uma poderosa força coercitiva à qual ele deve, obrigatoriamente, se submeter.

A adoção de um idioma, a organização familiar e o sentimento de pertencer a uma nação são manifestações do comportamento humano dotadas dessa força impositiva sobre o indivíduo, força essa que Durkheim denominou coerção social.

A força coercitiva dos fatos sociais se manifesta pelas “sanções legais” ou “espontâneas” a que o indivíduo está sujeito quando tenta rebelar-se contra ela.

·         “Legais” são as sanções prescritas pela sociedade, sob a forma de leis, nas quais se define a infração e se estabelece a penalidade correspondente.
·        “Espontâneas” são as que afloram como resposta a uma conduta considerada inadequada por um determinado grupo ou por uma sociedade.

Os olhares de reprovação de que somos alvo quando comparecemos a um local com a roupa inadequada constituem sanções espontâneas. Embora não codificados em lei, esses olhares têm o poder de conduzir o infrator para o comportamento esperado.

A reação negativa da sociedade a certa atitude ou comportamento é, muitas vezes, mais intimidadora do que a lei. A “educação” – entendida de forma geral, ou seja, a educação formal e a informal – desempenha, segundo Durkheim, uma importante tarefa nessa adequação dos indivíduos à sociedade em que vivem, a ponto de, após algum tempo, as regras estarem internalizadas nos membros do grupo e transformadas em hábitos.

O uso de uma determinada língua ou o gosto por determinada comida são internalizados no indivíduo, que passa a considerar tais hábitos como pessoais.

Exterioridade

A segunda característica dos fatos sociais é que eles existem e atuam independentemente da vontade ou adesão consciente dos indivíduos, sendo, assim, “exteriores a eles”. Ao nascermos já encontramos regras sociais, costumes e leis que somos coagidos a aceitar por meio de mecanismos de coerção social, como a educação. Não nos é dada a possibilidade de opinar ou escolher, sendo, assim, independentes de nós, de nossos desejos e vontades. Por isso os fatos sociais são ao mesmo tempo “coercitivos” e dotados de existência exterior às consciências individuais. A exterioridade dos fatos sociais tem comprovação nas muitas formas de agir e pensar que jamais seriam adotadas de forma espontânea, como se fossem imposição de nossos desejos e vontades.

Generalidade

Além da coerção e da exterioridade, é possível distinguir fatos sociais porque eles não se apresentam como fatos isolados. Eles são dotados de generalidade, envolvem muitos indivíduos e grupos ao longo do tempo, repetem-se e difundem-se. Permitem, por isso, uma grande sondagem como a que ele desenvolveu para estudar o suicídio, fato social dotado de grande generalidade. A assiduidade com que determinados fatos ocorrem na sociedade denota a sua importância e a necessidade de estudá-los, assim como torna a estatística uma das ferramentas que garante ao sociólogo a objetividade e o controle.

É pela generalidade que os fatos sociais exibem a sua natureza coletiva, sejam eles fatos observáveis, como o modelo das habitações de um grupo, sejam fatos morais, como os valores e as crenças.

1.1.1   A objetividade do fato social

Além de identificar os fatos sociais por suas características, Durkheim desenvolve também uma metodologia própria dos estudos sociológicos. Herdeiro dos princípios positivistas e dos pressupostos cartesianos, Durkheim procura respeitar a distância e a neutralidade do cientista diante de seu objeto de estudo, condição necessária a uma ciência objetiva. Da mesma maneira que em outras ciências, o cientista social deveria apreender a realidade que o cerca sem distorcê-la de acordo com seus desejos e interesses particulares. Deveria deixar de lado suas prenoções, isto é, valores e sentimentos pessoais em relação àquilo que está sendo estudado, pois, tudo que nos mobiliza – nossas simpatias, paixões e opiniões – dificulta o conhecimento verdadeiro, fazendo-nos confundir o que vemos com aquilo que queremos ver. Levando às últimas consequências esse distanciamento que o cientista deve manter em relação a seu objeto de estudo, Durkheim aconselha o sociólogo a encarar os fatos sociais como “coisas”, isto é, objetos que lhe são exteriores. Diante deles, deve se colocar isento de paixão, desejo ou preconceito, para analisá-los por meio de instrumentos que permitem medir suas minúcias e regularidades – a observação, a descrição, a comparação e a estatística. O sociólogo deve também se manter neutro diante da opinião dos próprios envolvidos nas situações analisadas, pois elas representam apenas juízos de valor individuais, aos quais Durkheim propõe o exercício da dúvida metódica, ou seja, a necessidade de o cientista inquirir sobre a veracidade e objetividade dos fatos estudados, procurando anular, sempre, a influência de seus desejos, interesses e preconceitos.

1.1.2   Suicídio

Durkheim estudou profundamente o suicídio, utilizando nesse trabalho toda a metodologia defendida e propagada por ele. Considerou-o fato social por sua presença universal em toda e qualquer sociedade e por suas características exteriores e mensuráveis, completamente independentes das razões que levam cada suicida a acabar com a própria vida. Apesar de uma conduta marcada pela vontade individual, o suicídio interessa ao sociólogo por aquilo que tem de comum e coletivo e que, certamente, escapa às consciências individuais dos envolvidos – do suicida e dos que o cercam. Para Durkheim, a prova de que o suicídio depende de leis sociais e não da vontade dos sujeitos estava na regularidade com que variavam as taxas de suicídio de acordo com as alternâncias das condições históricas. Ele verificou, por exemplo, que as taxas de suicídio aumentavam nas sociedades em que havia a aceitação profunda de uma fé religiosa que prometesse a felicidade após a morte. É sobre fatos assim concretos e objetivos, gerais e coletivos, cuja natureza social se evidencia, que o sociólogo deve se debruçar.

1.2 Sociedade: um organismo em adaptação

Para Durkheim, a sociologia tinha por finalidade não só explicar a sociedade como também encontrar soluções para a vida social. A sociedade, como todo organismo, apresenta estados que podem ser considerados “normais” ou “patológicos”, isto é, saudáveis ou doentios.

Pode-se considerar um fato social como “normal” quando se encontra generalizado pela sociedade ou quando desempenha alguma função importante para sua adaptação ou sua evolução. Assim, por exemplo, afirma que o crime é normal não apenas por ser encontrado em toda e qualquer sociedade e em todos os tempos, mas também por representar um fato social que integra as pessoas em torno de determinados valores. Punindo o criminoso, os membros de uma coletividade reforçam seus princípios, renovando-os. O crime tem, portanto, uma importante função social. A “generalidade” de um fato social, isto é, sua unanimidade, é garantia de normalidade na medida em que representa o consenso social, a vontade coletiva, ou o acordo de um grupo a respeito de determinada questão.

1.3 A consciência coletiva e a consciência individual

Toda a teoria sociológica de Durkheim pretende demonstrar que os fatos sociais têm existência própria e independem daquilo que pensa e faz cada indivíduo em particular. Embora todos tenham sua “consciência individual”, seu modo próprio de se comportar e interpretar a vida, pode-se notar, no interior de qualquer grupo ou sociedade, formas padronizadas de conduta e pensamento. Essa constatação está na base do que Durkheim chamou de “consciência coletiva”. A consciência coletiva não se baseia na consciência de indivíduos singulares ou de grupos específicos, mas está espalhada por toda a sociedade. Ela revelaria, segundo Durkheim, o “tipo psíquico da sociedade”, que não seria apenas o produto das consciências individuais, mas algo diferente, que se imporia aos indivíduos e perduraria através das gerações. A consciência coletiva é, em certo sentido, a forma moral vigente na sociedade. Ela aparece como um conjunto de regras fortes e estabelecidas que atribuem valor e delimitam os atos individuais. É a consciência coletiva que define o que, numa sociedade, é considerado “imoral”, “reprovável” ou “criminoso”.

1.4 Morfologia social: as espécies sociais

Durkheim também considerava a comparação de uma sociedade com outra como um objetivo da sociologia, constituindo-se numa morfologia social (estudo comparativo dos sistemas estruturais de diferentes comunidades) para classificar as espécies sociais à maneira que a biologia fazia com as espécies animais. Também inspirado nas ciências naturais, Durkheim propunha que toda sociedade tivesse evoluído de uma forma social mais simples, a horda, constituída de um único segmento de indivíduos semelhantes e justapostos como átomos. Das combinações entre essas formas simples e igualitárias originaram-se as sociedades mais complexas como os clãs (conjunto de famílias que se presumem ou são descendentes de ancestrais comuns) e as tribos (grupo social autônomo que apresenta certa homogeneidade física, linguística, cultural etc.). Durkheim procurou, entretanto, diferenciar as espécies sociais das fases históricas pelas quais passavam as sociedades. As transformações históricas são mais efêmeras, enquanto a diversidade de espécies é mais constante. Em uma nota de rodapé de As regras do método sociológico, ele dizia:

“Desde suas origens, passou a França por formas de civilização muito diferentes: começou por ser agrícola, passou em seguida pelo artesanato e pelo pequeno comércio, depois pela manufatura e, finalmente, chegou à grande indústria. Ora, é impossível admitir que uma mesma individualidade coletiva possa mudar de espécie três ou quatro vezes. Uma espécie deve definir-se por caracteres mais constantes. O estado econômico, tecnológico etc. apresenta fenômenos por demais instáveis e complexos para fornecer a base para uma classificação.” (DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Op. cit. p. 82.)

Para os bons resultados desse trabalho de constituição de uma morfologia social, Durkheim orienta os sociólogos a se valerem de apurada observação empírica. Foi por meio dela que ele pôde identificar dois tipos diferentes de solidariedade entre os homens, provenientes da divisão social do trabalho: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica. A passagem de um tipo para outro constituía uma metamorfose de um estágio inferior de vida social a outro superior.

Solidariedade mecânica e solidariedade orgânica

Solidariedade mecânica, para Durkheim, era aquela que predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se identificavam por meio da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo em geral independentes e autônomos em relação à divisão social do trabalho. A consciência coletiva exerce aqui todo seu poder de coerção sobre os indivíduos. 

Solidariedade orgânica é aquela típica das sociedades capitalistas, em que, pela acelerada divisão social do trabalho, os indivíduos se tornavam interdependentes. Essa interdependência garante a união social, em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas, como ocorre nas sociedades contemporâneas. Nas sociedades capitalistas, a consciência coletiva se afrouxa, ao mesmo tempo em que os indivíduos se tornam mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a desenvolver maior autonomia pessoal.

1.5 Durkheim e a sociologia científica

Durkheim se distingue dos demais positivistas porque suas ideias ultrapassaram a reflexão filosófica e chegaram a constituir um todo organizado e sistemático de pressupostos teóricos e metodológicos sobre a sociedade. Propunha uma rigorosa postura empírica, centrada na verificação dos fatos que poderiam ser observados, mensurados e relacionados por meio de dados coletados diretamente pelo cientista. Observação, mensuração e interpretação eram aspectos complementares do método durkheimiano. Ainda que preocupado com as leis gerais capazes de explicar a evolução das sociedades humanas, Durkheim ateve-se também às particularidades da sociedade em que vivia, aos mecanismos de coesão dos pequenos grupos e à formação de sentimentos comuns resultantes da convivência social. Pode-se dizer que já se delineava uma apreensão da sociologia em que se relacionavam harmonicamente o geral e o particular. Em vista de todos esses aspectos tão relevantes e inéditos, os limites antes impostos pela filosofia positivista perderam sua importância, fazendo dos estudos de Durkheim um constante objeto de interesse da sociologia contemporânea.

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