Objetivamos
trazer elementos para pensar sobre as diferentes formas de trabalho na história
da humanidade, com destaque para as características específicas do trabalho na
sociedade capitalista. Nesse
sentido, serão discutidos conceitos como divisão social e divisão manufatureira
do trabalho, relações de trabalho e alienação.
A
seguir apresentamos alguns cantos do poema “A
trama da rede”, de Carlos Brandão, cada um com uma ou duas estrofes. A
finalidade é trabalhar esse canto para compreender a divisão social do
trabalho.
A
trama da rede
I
Essa
é a trama da rede:
o
tecido das trocas que fabricam
o
pano de uma rede de dormir
enreda
o corpo do homem na tarefa
de
criar na máquina a rede com a mão.
A
armadilha do trabalho em casa alheia
engole
o homem e enovela todo o corpo
no
fio no fuso na roda na teia
do
maquinário da manufatura
que
produz o seu produto: a rede
e
reduz o corpo-operário à produção.
[...]
III
O
corpo-bailarino que transforma
a
coisa bruta em objeto
(a
fibra em fio e o fio em pano)
e
o objeto na mercadoria
(o
pano pronto na rede e sua valia)
transforma
o corpo do homem operário
em
outro puro objeto de trabalho
pronta
a fazer e refazer no fuso
aquilo
de que a fábrica faz sua riqueza
de
que, quem faz não se apropria.
[...]
VII
Sob
a trama do trabalho em tear alheio
o
corpo não possui seu próprio tempo
e
é inútil que lhe bata um coração.
O
relógio interior do operário
é
o que existe na oficina, fora dele,
de
onde controla o tear e o tecelão.
VIII
De
longe o dono zela por quem faz:
pela
força do homem que trabalha,
não
pela vida do trabalhador.
Aqui
não há lugar para o repouso
ainda
que o produto do trabalho
seja
uma rede de pano, de dormir
e
que comprada serve ao sono e ao amor.
IX
Durante
a flor da vida inteira
fazendo
a mesma coisa e refazendo
uma
operação simples de memória
o
operário condena o próprio corpo
a
ser tão automático e eficaz
que
domine o gesto que o destrói.
A
reprodução contínua, diária, igual
de
um mesmo gesto repetido e limitado
todos
os dias, sobre os mesmos passos,
ensina
ao artesão regras de maestria
do
trabalho que afinal então domina
através
de saber sua ciência
com
a sabedoria do corpo massacrado.
[...]
XI
Quem
fia e enfia?
Quem
carda e corta?
Quem
tece e trança?
Quem
toca e torce?
A
moça o menino.
A
velha o homem.
Eles
são, artistas,
parte
do trabalho coletivo
que
faz a trama da rede
e
a rede pronta:
o
objeto bonito do descanso
que
inventa a necessidade
da
servidão do trabalho
do
corpo produtivo.
XII
A
dança ritmada desse corpo
de
bailarino-operário de um ofício
de
que o produto feito não é seu,
cria
o servo de quem lhe paga aos sábados
para
o que sobra da vida de trabalho
do
corpo de quem fez e não viveu.
O
trabalho-pago, alheio e sempre o mesmo
obrigando
o operário bailarino
à
rotina de fazer sem possuir
torna-o,
artista, servo do ardil
de
entretecer panos e redes sem criar
e
recriar-se servo sem saber.
[...]
XIV
Não
conhece descanso o corpo na oficina.
Ele
é parte das máquinas que move
e
que movidas não sabem mais parar.
Os
pés descalços prolongam pedais
os
braços são como alavancas
e
as mãos estendem pontas de um fio
que
existe no fuso e no tear.
O
trabalho do corpo é o objeto
que
o homem vende ao dono todo o dia.
O
corpo-livre pertence ao maquinário
que
o homem converte no operário
de
que retira o preço do sustento:
a
comida a cama a casa o agasalho,
o
que mantém vivo o corpo e o seu trabalho.
BRANDÃO,
Carlos Rodrigues. Encarte de Tempo e Presença.
n. 1672, nov./dez. 1981.
Analisemos,
agora o poema. Ele foi escrito tendo como referência a leitura de trechos da
obra mais importante escrita por Karl Marx, O capital,
nos quais ele fala dos operários e dos usos de seus corpos no processo de
produção de mercadorias. Como diz Carlos Brandão, são “alegorias [exposição de
um pensamento sob forma figurada] sobre o trabalho”, escritas para um
documentário sobre a produção artesanal de redes no Ceará.
Para
aprofundar a compreensão do poema, destacamos os seguintes elementos:
a) Canto
I: o trabalho de tecer a rede é exercido em “casa alheia”, ou seja, não na casa
do trabalhador, mas no local determinado pelo seu patrão, na manufatura. Ali,
são reunidos vários trabalhadores que, exercendo diferentes trabalhos,
transformam os fios de várias cores em rede. A trama, o desenho da rede, é
mostrada como a trama que enreda, que prende o trabalhador à máquina, que impõe
seu movimento ao corpo do trabalhador.
b) Canto
III: o trabalhador que transforma a matéria-prima – o algodão – em fio, e o fio
em rede, produz uma mercadoria que não pertence a ele, mas, sim, a quem o
contratou. Ou seja, a rede que ele produz com o seu trabalho não pertence a
ele, mas, sim, a quem lhe paga o salário.
c)
Canto VII: o ponto central desse canto
se refere ao tempo ou ritmo de trabalho que, na manufatura, não é mais
determinado pelo trabalhador, mas, sim, pelo ritmo da máquina, imposto pelo
dono da oficina.
d) Canto
VIII: esse canto completa o anterior, pois se refere ao controle exercido pelo
dono da manufatura. Este não está preocupado com a saúde, com a vida do
trabalhador, mas, sim, com a produtividade do trabalho.
e) Canto
IX: na manufatura, o trabalhador executa movimentos repetitivos,
especializando-se apenas em uma atividade de trabalho. Ele executa sua tarefa
de forma automática, seguindo o movimento da máquina, sem nenhuma criatividade,
tornando-se um trabalhador limitado em seu conhecimento.
f)
Canto XI: essa estrofe refere-se ao
trabalho exercido por homens e mulheres, velhos, moças e crianças, tornados
servos do trabalho coletivo que produz a rede. Carlos Brandão explica, em uma
nota de rodapé, que, em Fortaleza, na produção de redes, além do trabalho na
oficina, também são realizadas tarefas de acabamento das redes, como as
“varandas”, nas casas dos trabalhadores. São os chamados trabalhos em
domicílio, nos quais as pessoas de uma mesma família, de diferentes idades, trabalham.
Lembre que o trabalho em domicílio existe, ainda hoje, por exemplo, nas
indústrias de confecção e de calçados.
g) Canto
XII: o trabalho exercido na produção de uma mercadoria, a rede, submete o
trabalhador e o seu corpo às determinações de seu patrão, aquele que lhe paga o
salário. Seu corpo, suas energias, sua força de trabalho são vendidos em troca de
um salário e usados na produção de uma mercadoria que não lhe pertence.
h) Canto
XIV: na manufatura, o corpo do operário parece ser um prolongamento da máquina
– seus braços, mãos e pés põem em movimento a máquina e são movidos por ela. O
corpo, a força de trabalho do trabalhador, torna-se um objeto que ele vende em
troca de seu meio de vida, aquilo que lhe permite sobreviver e retornar, todo
dia, ao local de trabalho, reproduzindo a sua servidão à máquina e ao patrão.
Aqui
introduziremos conceitos como divisão social do trabalho, divisão sexual e etária
do trabalho, relações de trabalho, processo de trabalho e alienação.
Divisão
social do trabalho e divisão manufatureira do trabalho
A
sociedade moderna teve início em meados do século XV, e sua constituição foi
marcada pelos processos de urbanização, que se iniciaram no século XII, e de
industrialização, que viriam a se intensificar na Inglaterra, no século XVIII.
Essa sociedade resultou de um processo de transformação, em que se constituíram
um novo modo de trabalhar, relações sociais diferentes e um novo modo de vida
marcado pelo desenvolvimento industrial.
Como
forma de compreender melhor esse processo histórico, leia
com
os alunos o texto a seguir:
O esfacelamento do mundo feudal
consistiu em um longo processo, no qual as velhas formas de trabalho artesanal
foram sendo substituídas pelo trabalho em domicílio, a partir do campo,
produzindo para as indústrias em desenvolvimento nas cidades. Assim, durante o
século XIV, foram desenvolvidas as indústrias rurais em domicílio, como forma
de aumentar a produção. Os comerciantes distribuíam a matéria-prima nas casas
dos camponeses e ali era executada uma parte ou a totalidade do trabalho. Essas
indústrias representaram uma forma de transição entre o artesanato e a
manufatura e permitiram a acumulação de capital nas mãos desses comerciantes,
além de formar mão de obra para o trabalho industrial nas cidades.
(Elaborado especialmente para o São
Paulo faz escola)
O
termo manufatura é uma palavra vem do latim e quer dizer
trabalho manual. Para o seu desenvolvimento foi necessária a existência de dois
fatores.
1º fator: Um empresário com capital para comprar
a matéria-prima e ferramentas e concentrar em sua oficina um grande número de
trabalhadores. Em vez de distribuir esses meios de produção nas casas dos trabalhadores,
o comerciante transformado em industrial os junta sob um mesmo teto, criando,
assim, a manufatura. Veja o Canto I do poema de Carlos Brandão – o autor está
justamente se referindo a esse processo de concentração de produção em um único
local.
2º fator: A existência de trabalhadores livres,
ou seja, que não são mais donos dos meios de produção e dependem, para a sua
sobrevivência, da venda de seu trabalho, ou seja, sua força de trabalho,
transformando-se, assim, em trabalhadores assalariados.
Veja
o texto a seguir:
A divisão do trabalho existiu em todas
as sociedades, desde o momento em que os seres humanos começaram a trocar
coisas e produtos, criando uma interdependência entre si. Assim, o artesão troca
o produto de seu trabalho, o tecido, pelo algodão, cultivado pelo agricultor. A
base da troca está na necessidade que o indivíduo tem de produtos que ele não
produz. A divisão do trabalho deriva, portanto, do caráter específico do
trabalho humano e ocorre quando os seres humanos, na vida em sociedade, dividem
entre si as diferentes especialidades e ofícios. A divisão do trabalho em
ofícios ou especialidades existiu em todas as sociedades conhecidas e um dos seus
principais fatores é a divisão sexual do trabalho. Ou seja, havia uma divisão
entre especialidades ou ofícios preferencialmente atribuídos às mulheres e
outros preferencialmente atribuídos aos homens.
(Elaborado especialmente para o São
Paulo faz escola)
Sobre
a divisão sexual do trabalho, podemos dar alguns exemplos. A fiação e a
tecelagem foram comumente vistas como atividades femininas, enquanto a caça, a
pesca e a pecuária eram tidas como atividades masculinas.
Antigamente,
eram destinadas às mulheres as ocupações relacionadas com o cuidado da casa,
como cozinhar, lavar, limpar e cuidar dos filhos. Hoje, já temos homens
cozinheiros, faxineiros etc. Uma ideia muito recorrente em diversas épocas e
culturas é a de que existem trabalhos que as mulheres não são capazes de realizar
e outros que elas realizariam muito melhor que os homens. Você pode ampliar
essa discussão e, junto com os alunos, buscar outros exemplos de trabalhos que antes
eram executados só por homens e que hoje são executados por mulheres ou
vice-versa.
Retomando
o poema de Carlos Brandão, Canto XIV, é possível entender melhor o que, de
forma alegórica, o poeta diz.
Para
avançar na apresentação de outras questões relacionadas à divisão de trabalho
na manufatura, leia o texto abaixo:
A manufatura se estendeu de meados do
século XVI ao último terço do século XVIII, sendo substituída pela grande
indústria. Na manufatura, foram introduzidas algumas inovações técnicas que modificaram
a forma como o trabalho era organizado. Aos poucos, o trabalhador foi deixando
de ser responsável pela produção integral de determinado objeto e passou a se
dedicar unicamente a uma atividade. A divisão do trabalho foi acelerada, fazendo
que um produto deixasse de ser obra de um único trabalhador e se tornasse o
resultado da atividade de inúmeros trabalhadores. Dessa maneira, o produto
passava por vários trabalhadores, cada um acrescentando alguma coisa a ele e,
no final do processo, o produto era o resultado não de um trabalhador
individual, mas de um trabalhador coletivo. Essa é a divisão do trabalho que
persiste na sociedade capitalista, e que se caracteriza pela especialização das
funções, ou seja, pela especialização do trabalhador na execução de uma mesma e
única tarefa, especializando também o seu corpo nessa operação.
Na divisão manufatureira do trabalho,
o ser humano é levado a desenvolver apenas uma habilidade parcial, limitando o
conjunto de habilidades e capacidades produtivas que possuía quando era
artesão. É isso que torna o trabalhador dependente e o faz vender a sua força
de trabalho; e esta só serve quando comprada pelo capital e posta a funcionar
no interior da oficina. Segundo Karl Marx, essa divisão do trabalho tinha como
objetivo o aumento da produtividade e o aperfeiçoamento do método de trabalho e
teve como resultado o que ele chama de “a virtuosidade do trabalhador mutilado”[1],
com a especialização dos ofícios. Na manufatura, portanto, a produtividade do
trabalho dependia da habilidade (virtuosidade) do trabalhador e da perfeição de
suas ferramentas, e já havia o uso esporádico de máquinas. Foi apenas com o
surgimento da grande indústria que a máquina passou a desempenhar um papel
fundamental, primeiro, com base na mecânica, depois, na eletrônica e,
atualmente, na microeletrônica.
(Elaborado especialmente para o São
Paulo faz escola)
Veja
o texto abaixo:
Uma das características mais
distintivas do sistema econômico das sociedades modernas é a existência de uma divisão
do trabalho extremamente complexa: o trabalho
passou a ser dividido em um número enorme de ocupações diferentes nas quais as
pessoas se especializam. Nas sociedades tradicionais, o trabalho que não fosse
agrário implicava o domínio de um ofício. As habilidades do ofício eram
adquiridas em um período prolongado de aprendizagem, e o trabalhador
normalmente realizava todos os aspectos do processo de produção, do início ao
fim. Por exemplo, quem trabalhasse com metal e tivesse que fazer um arado iria
forjar o ferro, dar-lhe a forma e montar o próprio implemento. Com o progresso
da produção industrial moderna, a maioria dos ofícios tradicionais desapareceu
completamente, sendo substituída por habilidades que fazem parte de processos de
produção de maior escala. Um eletricista que hoje trabalhe em um ambiente industrial,
por exemplo, pode examinar e consertar alguns componentes de um tipo de
máquina; diferentes pessoas lidarão com os demais componentes e com outras
máquinas. A sociedade moderna testemunhou uma mudança na localização do
trabalho. Antes da industrialização, a maior parte do trabalho ocorria em casa,
sendo concluído coletivamente por todos os membros da família. Os avanços na
tecnologia industrial, como o uso do carvão, contribuíram para a separação
entre trabalho e casa. As fábricas de propriedade dos empresários tornaram-se
foco de desenvolvimento industrial: maquinários e equipamentos concentraram-se
dentro destas, e a produção em massa de
mercadorias começou a ofuscar a habilidade artesanal em pequena escala, que
tinha a casa como base. As pessoas que procurassem emprego em fábricas eram
treinadas para se especializarem em uma tarefa, recebendo um ordenado por esse
trabalho. O desempenho era supervisionado pelos gerentes, os quais se
preocupavam em implementar técnicas para ampliar a produtividade e a disciplina
dos trabalhadores.
O contraste que existe na divisão do
trabalho entre as sociedades tradicionais e as modernas é verdadeiramente extraordinário.
Mesmo nas maiores sociedades tradicionais, geralmente não havia mais do que 20
ou 30 ofícios, contando funções especializadas como as de mercador, soldado e
padre. Em um sistema industrial moderno, existem literalmente milhares de
ocupações distintas. O censo do RU [Reino Unido] lista cerca de 20 mil empregos
diferentes na economia britânica. Nas comunidades tradicionais, a maior parte
das pessoas trabalhava na agricultura, sendo economicamente autossuficiente. Produziam
seus próprios alimentos, suas roupas, além de outros artigos que necessitassem.
Um dos aspectos principais das sociedades modernas, em contraste, é uma enorme
expansão da interdependência econômica.
Para termos acesso aos produtos e aos serviços que nos mantêm vivos, todos nós dependemos
de um número imenso de trabalhadores – que, hoje em dia, estão bem espalhados
pelo mundo. Com raras exceções, a vasta maioria dos indivíduos nas sociedades
modernas não produz o alimento que come, a casa onde mora ou os bens materiais
que consome.
Os primeiros sociólogos escreveram
extensivamente a respeito das consequências potenciais da divisão do trabalho –
tanto para os trabalhadores em termos individuais, quanto para toda a
sociedade. Para Marx, a mudança para a industrialização e a mão de obra
assalariada certamente resultaria numa alienação entre
os trabalhadores. Uma vez que estivessem empregados numa fábrica, os trabalhadores
perderiam todo o controle do seu trabalho, sendo obrigados a desempenhar
tarefas monótonas, de rotina, que despojariam seu trabalho do valor criativo
intrínseco. Em um sistema capitalista, os trabalhadores acabam adotando uma
orientação instrumental para o trabalho, afirmava ele, vendo-o como nada mais
do que uma maneira de ganhar a vida.
(GIDDENS, Anthony. Sociologia.
4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. p. 309)
Para
demonstrar como no capitalismo, com o aumento da divisão do trabalho, cada
trabalhador passou a depender cada vez mais das atividades de outro trabalhador
para conseguir viver, basta observar como precisamos das atividades de outras
pessoas para sobreviver. É possível, portanto, discutir, a partir da observação
de como a sociedade está organizada, que os indivíduos possuem ocupações diversas,
interdependentes entre si e que garantem a dinâmica de funcionamento da sociedade.
Dependemos de padeiros, açougueiros, agricultores etc. para obter alguns itens
básicos de nossa alimentação; do motorista de ônibus ou maquinista de trem para
nos deslocarmos pela cidade; do inspetor e de faxineiros, por exemplo, para
estar em um espaço escolar em ordem e limpo; de pessoas na secretaria da escola
para resolver questões administrativas etc. Sinta-se à vontade para formular
outros exemplos com base em suas vivências e experiências.
Relações
de trabalho e alienação
Retomemos
os cantos VII e VIII do poema de Carlos Brandão. Isso permitirá esclarecer
o que Marx chama de sujeição ou submissão do trabalho ao capital, ou o controle
exercido pelo dono da manufatura sobre o trabalho e os trabalhadores. Tendo o
poema como inspiração, leia o texto a seguir com o objetivo de aprofundar essa discussão.
A produção capitalista pressupõe, como
já vimos, a existência do trabalho livre, e não a servidão e a escravidão. O
trabalhador é livre, porém não dispõe dos meios de trabalho e de vida.
Portanto, para a sua sobrevivência, ele precisa vender a única propriedade de
que dispõe: a sua força de trabalho. O trabalhador, por conseguinte, submete-se
ao domínio do capital, aceitando suas imposições e determinações.
O objetivo maior que direciona todo o
processo de produção capitalista é a maior produção de mais-valia[2],
e, portanto, a maior exploração possível da força de trabalho.
A dominação do capital sobre o
trabalho tem o objetivo de garantir a exploração do processo de trabalho
social. Com isso, a dominação tem como condição o antagonismo inevitável entre
o capitalista e o trabalhador.
Para os trabalhadores, entretanto, a
cooperação imposta pela divisão do trabalho não significa a percepção de sua
força como grupo. A relação que estabelecem é com o capital, e não entre si. O
trabalhador torna-se incapaz de perceber que a riqueza que ele desenvolve é
produto de seu trabalho, como também não consegue se reconhecer no produto de
seu trabalho. A consequência da divisão do trabalho é a separação, no processo
de trabalho, entre concepção e execução do trabalho. A decisão sobre o que
produzir e como produzir não é mais responsabilidade do trabalhador, mas, sim,
do capital ou de seus representantes. Além disso, o produto, a mercadoria, não
resulta de seu trabalho individual, e sim do trabalho de todos. Ele realiza apenas uma parte
dela e, assim, o produto do trabalho, a mercadoria, aparece ao trabalhador como
algo alheio, estranho a ele. A relação do trabalhador com o produto de seu
trabalho é, portanto, de alheamento, de estranhamento. O trabalhador, que
colocou a sua vida no objeto, agora se defronta com ele, como se a coisa, a
mercadoria, tivesse vida própria, independente, e fosse dotada de um poder
diante dele. De fato, assim como o trabalho já não lhe pertence, mas a um outro
homem (o proprietário dos meios de produção), o produto de seu trabalho
igualmente não lhe pertence. Esse processo é o que Marx chama de relação
alienada do homem com outro homem, com o produto de seu trabalho e com o
trabalho. Para Marx, então, o trabalho livre, assalariado, é trabalho alienado.
(Elaborado especialmente para o São
Paulo faz escola)
Enfatizamos
que, no processo de produção capitalista, temos não só a produção de
mercadorias, mas essencialmente a produção de relações sociais. Se há
capitalistas e trabalhadores, isso implica não só posições definidas no
processo de produção, mas também na sociedade. Ocorre a separação entre a concepção
e a execução do trabalho; ou seja, o trabalho pode resultar da concepção de uma
pessoa e a execução de outra. Isso é produto da divisão do trabalho.
Questões (responder no Google Formulários):
1.
Dê exemplos de trabalhos que antes
eram executados só por homens e que hoje são executados também por mulheres.
2.
Dê exemplos de trabalhos que antes
eram executados só por mulheres e que hoje são executados também por homens.
3.
Retomemos o canto IX do poema “A trama
da rede” e, com a ajuda do texto, escrevam em seus Cadernos o que é a divisão
manufatureira do trabalho e quais são as suas implicações para o trabalho e
para os trabalhadores.
4.
Qual é a principal diferença entre as
sociedades tradicionais e as sociedades modernas no que diz respeito à divisão
do trabalho? Quais foram as consequências dessa mudança?
5.
O texto afirma que a sociedade moderna
testemunhou uma mudança na localização do trabalho. Quais alterações nas
relações de trabalho essa mudança acarretou?
6.
O que é a interdependência econômica
que existe hoje nas sociedades modernas?
7.
Ao final do texto, há uma breve
explicação das preocupações de Marx em relação às consequências da divisão do
trabalho. Explique com suas palavras o que você entendeu desse ponto do texto.
8.
Qual é o objetivo da dominação do
capital sobre o trabalho?
9.
O que Marx entende por trabalho
alienado?
[1] Marx utiliza o termo “mutilado” para enfatizar a limitação
das habilidades do trabalhador, reduzido ao exercício de uma única e repetitiva
atividade.
[2] O comprador da força de trabalho ou da capacidade de
trabalho não se limita a usá-la somente durante o tempo necessário para repor o
valor da força de trabalho, mas, sim, durante um tempo além dele, quando o
trabalhador produz, então, um valor excedente, ou uma mais-valia, da qual o
capitalista se apropria.