sábado, 10 de março de 2018

Relações e Interações Sociais na Vida Cotidiana

Analisaremos aqui algumas formas de relação e interação entre seres humanos no interior de grupos
sociais. Tomando como base aquilo que interiorizamos durante o processo de socialização, procuraremos apresentar as diferentes estratégias que, consciente ou inconscientemente, empregamos no dia a dia para nos relacionarmos com os outros. Para isso, utilizaremos como referencial teórico a abordagem do sociólogo canadense Erving Goffman (1922-1982).

O objetivo é provocar, por meio do estranhamento, o questionamento sobre a naturalidade do modo como agimos e nos relacionamos no cotidiano, mostrando que, na realidade, nosso comportamento
depende em grande parte daquilo que pretendemos comunicar aos outros e da forma como os outros nos compreendem. É nesse jogo complexo de apresentações, em que nem sempre aparentamos aquilo que somos e tampouco somos vistos como gostaríamos que fôssemos, que se dão as relações e interações sociais no chamado plano microssocial, ou seja, nos pequenos grupos sociais em que
estamos inseridos: família, escola, trabalho, vizinhança, bairro, comunidade, internet etc.

A preocupação com o quê os outros pensam a nosso respeito é parte importante das relações entre os seres humanos. Isso acontece porque, de um lado, queremos fazer parte do grupo, não sermos excluídos e, por outro lado, também gostaríamos que os outros nos aceitassem como somos.
Afinal de contas, como vimos anteriormente, o ser humano não consegue viver sem o convívio com outras pessoas. Porém, ser aceito e não ser excluído do grupo exige muito esforço: é preciso conhecer as regras do grupo, saber conviver com as pessoas, relacionar-se, comunicar-se – uma série de conhecimentos que não aprendemos de um dia para o outro.

Esse conhecimento é adquirido por meio do processo de socialização. Aprendemos em casa e na escola, com nossa família, nossos pais, irmãos, avós, primos, tios, colegas, professores e muitas outras pessoas como nos comportarmos diariamente. Esse aprendizado é constante e diário, e não termina nunca. Vimos também que, muitas vezes, nem sempre o que aprendemos funciona em todas
as situações; desse modo, temos de nos adaptar ao imprevisível. Mas agora que já sabemos como aprendemos a viver em sociedade, é preciso compreender como utilizamos esse conhecimento para conviver.

Uma situação cada vez mais comum em nosso cotidiano é a entrevista de emprego. A preparação para uma entrevista dessas tem sido uma preocupação constante na vida de muitos jovens, que, inclusive, buscam profissionais no sentido de ajudá-los, capacitando-os a enfrentar essas situações. Esse tipo de situação é um dos exemplos mais contundentes em que a manipulação da imagem pessoal torna-se crucial para garantir uma vaga no mercado de trabalho.

Representando papéis sociais

Quando estamos na presença de outras pessoas, duas coisas acontecem: procuramos saber a respeito delas ou recuperamos em nossa memória aquilo que já sabemos. Essas informações são enriquecidas por diferentes formas de comunicação: a linguagem verbal (aquilo que dizemos e o que os outros dizem); e a linguagem e as expressões corporais, que comunicam de formas diversas dados sobre nós mesmos e sobre as pessoas com quem estamos falando (a postura do corpo, a expressão do rosto, a roupa que vestimos, os gestos, o modo de caminhar, de sorrir, de dirigir o olhar etc.).

Qual a finalidade de ter informações a respeito das outras pessoas? Como fazemos isso quando não
as conhecemos ou quando as conhecemos pela primeira vez?

Geralmente, quando entramos em uma situação de interação social, em que qualquer ação nossa, seja um simples olhar, influenciará a ação do outro, é importante definir que tipo de situação é essa e o que podemos esperar do comportamento do outro. Assim, saberemos qual é a melhor maneira de agir
para obter a resposta desejada. Quando não conhecemos as pessoas com quem vamos interagir, interpretamos o seu comportamento com base naquilo que podemos observar a respeito delas: sua expressão, sua postura, suas roupas, seus gestos, seu modo de falar, seu sotaque. Outros aspectos que influenciam nossa interpretação são o preconceito e noções retiradas do senso comum. Tanto que,
muitas vezes, acabamos cometendo enganos a respeito das pessoas e entrando naquilo a que chamamos de “saia justa”.

Um exemplo: Quem nunca chegou por trás de alguém, pensando tratar-se de um amigo, foi cumprimentá-lo e, quando a pessoa se virou, você viu que tinha se enganado? É interessante observar que nem sempre desejamos comunicar aos outros exatamente aquilo que somos. Dependendo da situação e do contexto social em que nos encontramos, a imagem social que desejamos transmitir pode variar. Há situações em que essa imagem é socialmente determinada, ou seja, somos obrigados a agir de acordo com o contexto social em que estamos. Voltemos ao exemplo da entrevista de emprego. Em uma situação de entrevista de emprego, por exemplo, o candidato deve assumir determinadas posturas e comportamentos exigidos socialmente se quiser causar boa impressão ao entrevistador e conquistar a vaga.

Um outro exemplo é quando uma pessoa está interessada por outra. Ela sabe que uma frase mal colocada pode significar jogar qualquer possibilidade de namoro pela janela. De maneira semelhante à da entrevista, uma pessoa que quiser causar boa impressão àquela que está interessada deve saber chamar a atenção, de acordo com as regras determinadas pelo grupo social do qual ela faz parte.

Ao adotar essas formas de comportamento, em que a imagem pessoal é manipulada nas situações de relação e interação social, dizemos que estamos exercendo papéis, como o faz um ator quando assume o papel de uma personagem. A diferença é que, socialmente, não precisamos “decorar”
um roteiro predefinido de falas para exercer um papel; a maneira como vamos agir e o que vamos dizer será influenciado pela situação em que nos encontramos e nosso comportamento geralmente se baseia naquilo que já experimentamos antes ou vimos outras pessoas fazerem.

De modo a esclarecer o que vem a ser um “papel”, do ponto de vista da Sociologia, veja o texto abaixo.

"Um papel, portanto, pode ser definido como uma resposta tipificada a uma expectativa tipificada. A sociedade predefeniu a tipologia fundamental. Usando a linguagem do teatro, do qual se derivou o conceito de papel, podemos dizer que a sociedade proporciona o script (roteiro) para todos os personagens. Por conseguinte, tudo quanto os atores têm a fazer é assumir os papéis que lhes foram distribuídos antes de levantar o pano. Desde que desempenhem seus papéis como estabelecido no script, o drama social pode ir adiante como planejado. O papel oferece o padrão segundo o qual o indivíduo deve agir na situação. Tanto na sociedade quanto no teatro, variará a exatidão com que os papéis fornecem instruções ao ator." (BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 2007. p. 108-109.)

Para a Sociologia, assumir papéis sociais não é um exercício que os indivíduos fazem de forma consciente o tempo todo. Embora haja situações em que alguns papéis sejam assumidos de forma intencional e calculada, em outras, agimos de modo inconsciente.

Isso ocorre porque não conseguimos pensar o tempo inteiro sobre o que estamos fazendo. Do
contrário, enlouqueceríamos. Alguns comportamentos sociais são fortemente marcados pela tradição do grupo ou pela posição social que o indivíduo ocupa na sociedade e que requer determinados tipos de expressão. E é preciso considerar também as falhas de comunicação que há nas interações sociais. Há situações em que um indivíduo se põe a representar um papel que provoca nos outros uma impressão totalmente diferente daquela que ele originalmente pretendia provocar. Os outros, por sua vez, podem dar a entender que compreenderam perfeitamente o que o indivíduo queria dizer, ainda
que não tenham compreendido absolutamente nada. Ou simplesmente considerá-lo um grande paspalhão. É mais ou menos o que acontece quando “damos um fora” sem perceber.

Com o objetivo de elucidar o modo como os papéis sociais são representados na vida cotidiana, utilizaremos as metáforas empregadas pelo sociólogo canadense Erving Goffman para conceituar a representação social do eu nas interações sociais.

Erving Goffman nasceu no Canadá, em 1922, e faleceu na Filadélfia, em 1982, nos Estados Unidos. Foi um sociólogo reconhecido por seus estudos sobre as interações humanas. Seu método de pesquisa preferencial era a observação, e a partir dele escreveu sobre o comportamento cotidiano das pessoas em diversas situações. Analisou as diferenças entre o comportamento masculino e feminino, de pessoas internadas em instituições de tratamento de doenças mentais, além de outros temas de interesse também da Antropologia e da Psiquiatria. Entre suas obras mais famosas, destaca-se A representação do eu na vida cotidiana.

Para entender como nos relacionamos com as outras pessoas no dia a dia, Goffman propôs que pensássemos as interações como se elas estivessem ocorrendo no espaço de um “teatro imaginário”. Desse modo, ele utiliza as mesmas denominações retiradas da linguagem teatral para se referir aos dramas sociais.

* Palco: é onde os atores, ou seja, as pessoas que participam ativamente da representação, desenvolvem a interação. É composto de um “cenário”, que compreende a mobília, a decoração, a distribuição das pessoas e dos objetos no espaço e outros elementos que compõem o “pano de fundo” para o desenrolar da ação humana executada dentro dele.

* Plateia: é onde ficam os observadores, ou seja, as pessoas que observam a interação, mas não atuam diretamente. Ela é parte importante da representação, porque as ações sempre são influenciadas por quem está assistindo.

* Fachada: é a parte da frente do palco onde se desenvolve a representação. Goffman também utiliza esse termo para se referir ao tipo de comportamento (ou, em outras palavras, ao papel) que adotamos quando estamos diante de outras pessoas.
"Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação." (GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1989. p. 29.)

* Bastidores: é a parte que fica detrás do palco e não pode ser vista pelo público que está na plateia. Justamente porque não pode ser vista, é o local ideal para que os comportamentos que precisam ser manipulados para uma plateia deixem de sê-lo. É nos bastidores que os atores podem ficar mais à vontade, sair do papel, relaxar, enfim, deixar de representar.

Relações e interações sociais na prática cotidiana

Aqui, analisaremos mais detidamente como as relações e as interações sociais se efetivam na prática cotidiana. As situações dramatizadas não são reais, mas encenações daquilo que representamos no dia a dia. A consciência disso é o que propicia o estranhamento, pois todos estarão atentos e observando cada palavra e cada movimento representados.

O objetivo final é empregar de forma consciente os modelos utilizados por Goffman para o entendimento das interações sociais na vida cotidiana, a fim de que possamos percebê-los e compreendê-los. Considerando que as situações dramatizadas não são reais, mas encenadas, acreditamos que com tal atividade os alunos compreenderão a relação entre comportamentos e
papéis sociais.

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