Tendo compreendido que o ser humano só existe como ser social e que, para se tornar um ser social é necessário passar pelos processos de socialização primária e secundária. Imaginamos também que já esteja consciente de que tais processos se dão por meio da incorporação de papéis socialmente construídos. É chegado o momento, portanto, de compreender como se dá o processo de construção da identidade. Para tanto, será necessário compreender o caráter processual de toda construção identitária.
Na socialização e nas interações sociais foi possível entender que a sociedade define o ser humano, mas agora chegou o momento de mostrar que o ser humano também define a sociedade (BERGER, 2007, p. 171).
Muitos foram os
autores que escreveram sobre esse tema, e
sob as mais diferentes perspectivas. Mas há
aspectos básicos na construção identitária
que independem da posição do autor. O
objetivo da sensibilização é o de iniciar a
discussão sobre quão complexa é a cons-
trução da identidade e que, assim como
a socialização, ela também é parte de um
processo, o que significa que o processo de
construção da identidade de uma pessoa
envolve um eterno desenvolver e transfor-
mar e acaba apenas com a sua morte.
super-herói tem uma história ou, na verdade,
eles são construídos ao longo de várias his-
tórias. Eles não se tornaram super-heróis
da noite para o dia. Suas identidades foram
sendo criadas, ao longo do tempo, a partir de
experiências e trocas estabelecidas com outras
personagens. O herói, portanto, se desenvolve
ao longo do tempo e vive um drama. No pro-
cesso de construção de sua identidade secreta,
o super-herói vive um dilema: revelá-la ou não
para os amigos e a pessoa amada; abandonar
ou não a carreira de herói e continuar a per-
seguir vilões. Sua identidade nunca é fechada
e acabada, pois ele vive o dilema entre ter de
escolher sempre entre uma coisa ou outra.
O importante é que todas ajudem na
reflexão sobre o caráter processual da cons-
trução da identidade desses super-heróis. Ou
seja, nenhum deles nasceu super-herói, ainda
que alguns, como o Super-Homem, tenham
nascido com superpoderes. Todos se transfor-
maram em heróis, assim como enquanto pes-
soas comuns eles passaram por um processo
de socialização em diferentes grupos ou insti-
tuições sociais, adquirindo novas identidades
pessoais. Para entender como são construídas
as identidades, é preciso considerar a ideia de
que se trata de um processo, de algo que está
em movimento, como um contínuo vir a ser.
o objetivo desse trabalho é refletir sobre
o quão complexa é a construção da identidade
de uma pessoa, pois ela não se faz por etapas,
uma depois da outra. Na verdade, a constru-
ção identitária de alguém não necessariamente
precisa seguir todos os passos trilhados por
outra pessoa. No processo de construção da
identidade existe tanto uma dimensão que
é individual quanto outra que é social. Cada
um de nós passa por experiências individuais
nas trocas afetivas com os outros que nos são
próximos. É isso que dá a dimensão individual.
Mas existem as regras sociais de troca, ou os
“mapas socioculturais” que definem a trajetó-
ria dos indivíduos na sociedade. Assim como
a identidade é processual e, portanto, nunca
termina, pois está sempre se desenvolvendo, o
mesmo ocorre com os super-heróis. Eles podem
mudar sua personalidade, amadurecer, ficar
mais felizes e infelizes ao longo das histórias. À
primeira vista pode até parecer que são sempre
os mesmos, mas, na verdade, ao longo de suas
trajetórias, a relação que estabelecem com os
outros não é sempre a mesma.
Os fatores que levaram cada
um dos heróis a desenvolver a sua identidade.
Procure destacar que a mudança da identidade pode ser provocada por uma série de
fatores, que podem revelar uma vontade cons-
ciente de mudar ou razões inconscientes. Às
vezes, um evento importante também pode
ajudar alguém a repensar a própria vida e a
reconstruir a sua identidade, como a morte
de uma pessoa próxima e querida (os pais de
Bruce Wayne ou o tio de Peter Parker), um
casamento, uma mudança de bairro, cidade
ou país, a revelação de alguma história da fa-
mília, entre muitos outros fatores.
Você pode listar possíveis fatores e acon-
tecimentos que levam alguém a alterar a
sua identidade, pois todos eles nos ajudam
a compreender o caráter processual de toda
construção identitária. A identidade de
um indivíduo pode mudar independente-
mente de sua vontade, em razão de fatores
imponderáveis como acidentes, separações,
nascimentos, a morte inesperada de alguém
querido e outros fatos que não foram pla-
nejados, ou devido à alteração na maneira
como os outros nos observam.
O objetivo é deixar claro que o senso
comum nos transmite a ideia de que a iden-
tidade é fechada e pronta. Na verdade, a
Sociologia procura mostrar justamente o
contrário. A identidade está sempre se desen-
volvendo. De fato, nunca somos, sempre esta-
mos, ou seja, a identidade é eterna construção
e reconstrução.
Aprofunde essa ideia propondo
aos alunos a leitura (individual,
compartilhada ou conjunta) do
texto reproduzido a seguir e na seção Lição
de casa do Caderno do Aluno. Ele trata jus-
tamente do quão diferentes nos tornamos à
medida que envelhecemos. Apesar de muitas
vezes acharmos que nos mantemos os mes-
mos, nossa estrutura de personalidade muda
e isso interfere na nossa construção identi
"Talvez seja útil acrescentar que o conceito de identidade humana está relacionado com um
processo. É fácil isso passar despercebido. À primeira vista, as afirmações-eu e as afirmações-nós
talvez pareçam ter um caráter estático. Eu, diria alguém, sou sempre a mesma pessoa. Mas isso não
é verdade. Aos 50 anos, Hubert Humbert é diferente da pessoa que era aos 10. Por outro lado, a
pessoa de 50 anos mantém uma relação singular e muito especial com a de 10. Aos 50, já não tem
a mesma estrutura de personalidade dos 10 anos, mas é a mesma pessoa. É que a pessoa de 50 anos
proveio diretamente da de 1 e 2, e, portanto, da de 10 anos, no curso de um processo específico de
desenvolvimento. Essa continuidade do desenvolvimento é a condição para a identidade do indivíduo
de 10 e de 50 anos."
(Elias, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 152.)
Os processos de construção
da identidade
Chegou o momento de explicar para os
alunos os mecanismos de construção da
identidade. Um primeiro ponto a destacar
é o fato de que a identidade é relacional, ou
seja, marcada pela diferença (WOODWARD.
In: SILVA, 2000, p. 9). Logo, é importante
questioná-los: Mas por que ela é relacional?
O que vocês acham que isso significa?
que que o ser humano, para construir um
eu, precisa construir esse eu em uma relação
com um outro. Em outras palavras, para
que qualquer Eu surja, é preciso que exista
alguma coisa ou alguém que possa ser clas-
sificado como outro. Você pode escrever os
termos “eu” e “outro” na lousa e, entre eles,
a palavra relação. Muitos deles provavel-
mente acharão isso estranho, pois, do ponto
de vista do senso comum, acreditamos que a
identidade tem a ver com identificar-se com
os iguais. Mas é preciso explicar aos jovens
que, se as pessoas acreditam que existem
pessoas iguais e querem se unir ou se ligar a
elas, isso ocorre porque acreditam que exis-
tem os que sejam diferentes. Não interessa se
essas diferenças realmente existem, se elas
se baseiam em fatores reais ou imaginários.
Para a diferença existir, basta que as pessoas
acreditem que ela exista.
Essa construção se dá por meio de sím-
bolosa
, ou seja, ocorre o que chamamos
de uma marcação simbólica. Por meio da
marcação simbólica os grupos expressam
sua identidade uns para os outros. Na
maioria das vezes, o símbolo pode ser um
objeto, mas ele também pode ser um sinal,
um elemento gráfico, entre outros. Ele
passa uma mensagem, um significado, que
é entendido pelos outros grupos. Por exem-
plo: uma casa não é somente uma casa em
nossa sociedade. Uma casa também pode
ser um símbolo e assim passar uma men-
sagem. Se ela é pequena e está localizada
em um bairro mais simples, ela transmite
a ideia de que seus donos não têm muitas
posses. Se ela é grande, possui piscina e
um espaçoso jardim, transmite a ideia de
que os proprietários têm dinheiro e a casa
pode ser um símbolo de prestígio social. A
capacidade de atribuir significados às coi-
sas que nos cercam é típica do ser humano
e serve para expressar ideias e conceitos
e ajudar as pessoas na construção de sua
identidade.
Em sociedade, os indivíduos se iden-
tificam com outros indivíduos ou grupos
sociais e, para expressar essa identifica-
ção e/ou pertencimento, utilizam os mais
variados símbolos. Você pode dar alguns
exemplos de símbolos que servem para que
os diferentes grupos de uma sociedade se
diferenciem entre si, como os costumes
(por exemplo: comer com determinados
talheres pode ser uma forma de mostrar
a qual grupo você pertence) ou práticas
religiosas (em alguns lugares, dependendo
da religião à qual você pertence, você pode
passar diferentes mensagens sobre quem
você é). Ou ainda, as roupas que usamos, as
músicas que ouvimos, os livros que lemos,
o time de futebol para o qual torcemos etc.
Esses e tantos outros fatores e elementos
servem para a marcação simbólica entre
grupos e indivíduos. A marcação simbó-
lica expressa ideias e conceitos e ajuda
os indivíduos a construir sua identidade.
Por meio de tais marcações, o indivíduo
atribui sentido a sua vida e constrói um
lugar no mundo.
"Receber uma identidade implica na atribuição de um lugar específico no mundo. Assim como esta
identidade é subjetivamente apreendida pela criança (“eu sou John Smith”), o mesmo se dá com o
mundo para o qual a identidade aponta. A apropriação subjetiva da identidade e a apropriação sub-
jetiva do mundo social são apenas aspectos diferentes do mesmo processo de interiorização, mediati-
zado pelos mesmos outros significativos."
(BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 178.)
É necessário que os jovens compreen-
dam que esse lugar no mundo não é imutá-
vel. Durante a sua vida, o indivíduo passa
por diferentes experiências, absorve dis-
tintas vivências, que fazem com que mo-
difique a sua relação com o mundo. Daí o
caráter processual de toda construção iden-
titária. Por isso é possível dizer que nunca
somos, mas sempre estamos. Infelizmente,
usamos no nosso dia a dia o verbo “ser”
para nos definir, mas na verdade devería-
mos usar o “estar”. Isso é parte do cará-
ter processual da identidade. Concebê-la
como um processo significa justamente isso:
entender que a construção da identidade de
uma pessoa só acaba com a sua morte. À
medida que ela passa por diferentes situa-
ções (criança, jovem, adulto, filho, mãe,
pai, avó, avô, aposentado, desempregado,
empregado, empregador, entre outras), vai
incorporando diferentes papéis e atitudes
diante da vida, do mundo e de si mesma.
Ao construir sua identidade, a pessoa cria
uma identidade para si e uma identidade para
o outro. Ou seja, existe a forma por meio da
qual ela se vê e existe a maneira pela qual os
outros a veem. Às vezes, uma coincide com
a outra e em outros casos, não. De qualquer
forma, ambas se interligam, mas isso não
ocorre de forma simples. Nunca é possível ter
certeza que a identidade para si concorda com
a identidade para o outro.
"Ora, todas as nossas comunicações com os outros são marcadas pela incerteza: posso tentar me colocar
no lugar dos outros, tentar adivinhar o que pensam de mim, até mesmo imaginar o que eles acham que
penso deles etc. Não posso estar na pele deles. Eu nunca posso ter certeza de que minha identidade para
mim coincide com minha identidade para o Outro. A identidade nunca é dada, ela sempre é construída e
deverá ser (re)construída em uma incerteza maior ou menor e mais ou menos duradoura."
(DUBAR, Claude. A socialização e construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 135.)
mostre
como o autor enfatiza o caráter processual
da construção identitária. Afinal, se por um
lado a identidade está sempre se desenvol-
vendo, pois passamos por diferentes situa-
ções em nossas vidas que contribuem para
isso, por outro, esse desenvolvimento não
está apenas relacionado com os diferentes
papéis que assumimos ao longo de nossa vida, mas também com a mensagem que
passamos ao incorporar esses papéis. Essa
mensagem é sempre passada por meio da
linguagem via comunicação.
Mas toda comunicação traz consigo
incertezas. Nunca podemos saber total-
mente se o outro compreendeu a mensa-
gem que passamos da forma que queremos
que ele a compreenda. O ser humano não
é fruto só do seu olhar sobre si próprio,
mas também do olhar e da compreensão
dos outros sobre ele. Ele é identificado
pelo outro, mas isso não significa que as
pessoas devam aceitar ou que aceitem essa
identificação. Isso pode gerar uma série
de problemas. Podemos nos ver de um jeito
e as pessoas de outro, uma vez que a mensa-
gem que transmitimos por meio da comuni-
cação não expressa necessariamente o que
gostaríamos de expressar.
Você pode colocar para a sala a seguinte
questão:
f Por que pode ser um problema a forma
como eu me vejo não ser igual à forma
pela qual os outros me veem?
Deixe-os se manifestar e aproveite a in-
tervenção dos alunos para explicar que o
outro só pode estabelecer alguma compreen-
são de quem somos na medida em que ele
faz alguma ideia do que somos. Mas como
alguém pode fazer uma ideia a respeito de nós?
Ele pode apelar à fantasia (o outro imagina
como somos) ou à mensagem que passamos
a nosso respeito (e isso se dá por meio da
comunicação, por intermédio da linguagem,
em que símbolos e ideias são trocados).
Mas isso não quer dizer que todos com-
preendam os mesmos símbolos e ideias da
mesma forma.
Logo, são dois processos: um é o de
como os outros nos atribuem identidades, e
o outro é o de como nós incorporamos isso
(ou não). Ambos os processos, é claro, não
são sempre coincidentes.
"O que está em jogo é exatamente a articulação desses dois processos complexos, mas autônomos:
a identidade de uma pessoa não é feita à sua revelia; no entanto, não podemos prescindir dos outros
para forjar nossa própria identidade."
(DUBAR, Claude. A socialização e construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 141)
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