O propósito aqui é sensibilizar para a ideia de como, onde e quando passamos a viver em sociedade. A partir de um exercício de estranhamento em relação à inserção dos alunos em seus grupos de origem e de convivência cotidiana e às suas trajetórias pessoais, pretendemos levá-los a perceber a dinâmica do processo de socialização.
Desse modo, procuraremos desnaturalizar a percepção das relações entre pais, filhos e irmãos, entre seus pares no cotidiano escolar e de suas comunidades (bairro, vizinhança, igreja e/ou outros espaços de sociabilidade), destacando as formas como agimos e reagimos em relação aos outros.
O objetivo é evidenciar que o comportamento diante do outro não é natural, mas culturalmente construído a partir de um conjunto de informações que interiorizamos à medida que convivemos com o outro (familiares, amigos, professores etc.), e salientar que esse comportamento é também condicionado pelas expectativas que nutrimos em relação ao modo como queremos ser aceitos e integrados em sociedade.
Quem somos?
O objetivo é chamar a atenção para as mudanças ocorridas em nossas trajetórias de vida. A ideia é despertar a reflexão sobre o contexto vivido pelos jovens desde o seu nascimento até o momento presente. Pode parecer um exercício simples, mas muitas pessoas, até mesmo por serem bastante jovens, não têm o hábito de pensar sobre a passagem do tempo.Não é comum a manutenção de diários pessoais, e, no caso daqueles que nasceram, cresceram e
sempre viveram no mesmo bairro, a primeira reação talvez seja de que pouco ou nada mudou
em suas vidas, exceto pelo fato de que “cresceram”. Porém, o propósito é justamente desconstruir a percepção de senso comum de que, se não vemos mudanças ao redor, não mudamos.
A questão central é a discussão: nós não somos quem somos por acaso.
Todos temos uma história. Mas o que faz de nós o que somos? Em grande parte, o lugar onde nascemos, quando nascemos e a maneira como aprendemos a viver e a conviver com os outros.
O que aprendemos - Socialização Primária
A partir da discussão anterior, passaremos à reflexão sobre como a trajetória particular de cada um contribuiu para nos tornar o que somos hoje. O objetivo, nesse momento, é identificar as pessoas envolvidas nas primeiras experiências afetivas e de aprendizado.Destacamos a importância do aprendizado da linguagem e das brincadeiras nessa fase. Existem em nós lembranças de palavras, expressões ou frases que costumávamos dizer ou qual foi a primeira palavra que dissemos.
O aprendizado da linguagem, das formas de convivência, das regras, constitui o que denominamos socialização. Do ponto de vista da Sociologia, a socialização constitui um processo, ou seja, um desenvolvimento pelo qual todos nós passamos no decorrer da vida e que possui diversas fases.
A socialização pode ser definida, em linhas gerais, como a imersão dos indivíduos no “mundo vivido”, que é, ao mesmo tempo, um “universo simbólico e cultural” e “um saber sobre esse mundo”. Em outras palavras, trata-se do processo de aprendizado de tudo aquilo que nos permite viver em sociedade. Desse modo, dizemos que nenhuma pessoa nasce membro de uma sociedade, mas precisa ser gradualmente introduzida nela por meio da interiorização de normas, regras, valores, crenças, saberes, modos de pensar e tantos outros elementos que compõem a herança cultural de um grupo social humano.
O bebê, ao nascer, ainda não detém esse conhecimento. À medida que cresce e se desenvolve, a criança absorve o mundo em que vive como o único que existe, pois é a única realidade que conhece. Ela faz isso por meio de um saber básico que lhe fornece toda a estrutura a partir da qual ela percebe o mundo ao redor, incluindo a linguagem que a ajuda a organizar o que apreende como realidade.
A incorporação desse “saber básico” no aprendizado “primário” depende da linguagem (falar, depois ler e escrever) e constitui o processo fundamental da socialização primária (DUBAR, 2005). Desse modo, os saberes básicos incorporados pelas crianças dependerão muito das relações entre sua família e os adultos encarregados de sua socialização.
Chamamos de socialização primária a primeira fase da vida, em que aprendemos a falar, a brincar e a conviver com as outras pessoas, muitas vezes imitando o que nossos pais e as outras crianças fazem.
"A socialização primária é a primeira socialização que o indivíduo experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade." (BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 175).
"Durante a socialização primária, não escolhemos as pessoas responsáveis por este processo. Em outras palavras, não escolhemos a família em que nascemos. Para as crianças, essas pessoas se tornam seus 'outros significativos', pois são os responsáveis por cuidarem delas e lhes apresentarem, por assim dizer, o mundo ao redor. Ora, nossos pais, avós e irmãos também têm sua própria forma de pensar e ver o mundo, de modo que aquilo que nos ensinaram quando éramos crianças tem relação com a sua maneira de ver as coisas. Por essa razão, tendemos a reproduzir hábitos e costumes dos locais em que nascemos ou fomos criados. Somente mais tarde, quando entramos em contato com pessoas de origens diferentes, percebemos as diferenças entre nosso modo de pensar e agir e o dos outros." (Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola)
Muitas das experiências de socialização primária não são possíveis de ser lembradas sem a ajuda de outras pessoas. Boa parte de nossas lembranças é transmitida pelos nossos pais ou pelas pessoas que cuidaram de nós quando éramos bebês. Mesmo assim, elas fazem parte de nossas experiências de
socialização e constituem parte do repertório de práticas que utilizaremos como modelos quando tivermos nossos próprios filhos.
Como pensamos - Socialização secundária
Nessa fase, é importante destacar o mundo da escola como outro espaço de socialização, diferente do espaço familiar. É comum identificarmos experiências significativas ligadas à escola (amigos, professores, atividades educativas positivas ou negativas).O propósito é levar ao questionamento sobre a continuidade dos processos de socialização em outros espaços fora do âmbito em que se deu a socialização primária.
"A socialização secundária é qualquer processo subsequente que introduz um indivíduo já socializado em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade." (BERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 175.)
Durante a sua vida, o ser humano passará por inúmeras outras 'socializações secundárias', à medida que passa a frequentar outros espaços sociais e a interagir com novos grupos. Cada vez mais, precisará interiorizar novos conhecimentos e saberes específicos para lidar com a realidade de forma bem-sucedida. Um exemplo de processo de socialização secundária é a incorporação de saberes profissionais que preparam o indivíduo para o mundo do trabalho. Isso pode ser feito no interior de uma instituição educacional, como uma faculdade, por exemplo, ou no próprio ambiente de trabalho, à medida que o funcionário aprende, na convivência com os colegas e por meio das instruções de seus superiores, o que é preciso para desenvolver suas atividades." (Elaborado especialmente para o São Paulo faz escola).
É importante despertar a consciência para “outros significativos”, para além daqueles que integram o círculo familiar de cada um de nós e que também contribuíram para o nosso processo de socialização. Nesse sentido, a entrada em um contexto diferente, como outra turma ou escola, ou a mudança de cidade, necessariamente implicou o início de um novo processo de socialização em outro meio social.
O processo de socialização secundária nem sempre é realizado de forma contínua e tranquila em relação ao processo de socialização primária. Em outras palavras, muitas vezes, aquilo que aprendemos mais tarde, na convivência com amigos, colegas, professores, namorados e outras pessoas, nem sempre se encaixa com aquilo que aprendemos em nosso meio familiar de origem.
Esse processo, portanto, comporta rupturas, mudanças em nossa maneira de pensar e ver o mundo, que podem ou não ser dramáticas e dolorosas.
Esperamos ter apresentado uma noção inicial do que é socialização e de como se dá esse processo, tomando como referência as próprias experiências biográficas no âmbito pessoal. É preciso ter em mente a compreensão de que a socialização faz parte do desenvolvimento social de todo ser humano, sem o qual ele não pode ser integrado à sociedade. Além disso, esse processo perdura por toda a vida e nunca se completa, uma vez que estamos sempre entrando em contato com novas situações e aprendendo mais sobre a realidade que nos cerca.