Apresentaremos aqui o que o caracteriza como entidade ou
organização política: a nacionalidade, a soberania e a finalidade. Sem essas
características, não existe Estado. E o que significa cada uma dessas
características?
Para esclarecer esta questão desenvolveremos uma discussão
utilizando como exemplo o caso de Israel e da Palestina.
O texto a seguir ajudará na discussão sobre o tema. O texto também
está disponível na seção Leitura e análise
A região da Palestina, situada no Oriente Médio, no lado
leste do Mar Mediterrâneo – fazendo divisa com o Líbano, ao norte; a Síria, a
nordeste; a Jordânia, a leste; e o Egito, ao sul –, é uma estreita faixa de
terra, desértica, sem petróleo e sem recursos minerais estratégicos. Habitada
inicialmente, entre outros povos, pelos hebreus, dos quais descendem os
judeus, em 2000 a.C., a Palestina esteve sob
o domínio dos mais diversos povos, entre romanos, árabes
e, mais recentemente, ingleses.
Os judeus foram expulsos da região durante o Império
Romano e então passaram a viver espalhados por vários lugares do mundo.
Embora dispersos, os judeus preservaram uma profunda consciência nacional e
conservaram suas tradições religiosas e seus costumes. Com o fim do Império
Romano e o surgimento do islamismo, no século VII, a Palestina passou a ser
dominada pelos árabes. Entre 1517 e 1917, tornou-se parte do Império Otomano[1]
e, durante a Primeira Guerra Mundial, passou a ser controlada pelos ingleses.
A disputa pelo território palestino remonta ao século XIX, com a emergência
de movimentos nacionalistas, entre os quais o movimento sionista em 1897, que
propunha o retorno dos judeus à Palestina e a formação de um Estado judaico.
A partir dessa época, milhares de judeus passaram a emigrar e a se instalar
na região. Com o fim da Primeira Guerra Mundial e o desmembramento do Império
Turco-Otomano, a Palestina passou para o controle do Reino Unido e permaneceu
sob o domínio britânico até o final da Segunda Guerra Mundial.
Em 1947, uma resolução da Organização das Nações Unidas
(ONU) propôs a divisão da Palestina em dois Estados: um judeu (Israel) e
outro árabe palestino. Lideranças judaicas apoiaram o plano, mas os árabes palestinos
não aceitaram a partilha e, apoiados pela Liga Árabe[2],
iniciaram uma guerra civil. Em 14 de maio de 1948, foi proclamada a criação
do Estado de Israel. Cinco países da Liga invadiram a Palestina, levando à primeira
guerra entre árabes e israelenses. Milhares de palestinos foram obrigados a se
refugiar nos países vizinhos. Os israelenses venceram a guerra e anexaram
territórios palestinos previstos pela ONU. A partir deste momento, o conflito
entre Israel e árabes, especialmente os palestinos, tornou-se constante.
Em 1964, foi fundada a Organização para a Libertação da
Palestina (OLP), liderada por Yasser Arafat, voltada para a luta pela criação
de um Estado palestino livre. Desde essa época, ambos os povos têm se enfrentado
em guerras, confrontos armados, revoltas populares (intifadas) e atos
terroristas perpetrados por grupos radicais que não reconhecem a existência
do Estado de Israel.
No dia 15 de novembro de 1988, o Conselho Nacional
Palestino, o corpo legislativo da OLP, estabeleceu a declaração do Estado da
Palestina, embora ele não seja um Estado independente, tampouco detenha
soberania sobre quaisquer territórios. O Estado foi reconhecido imediatamente
pela Liga Árabe, mas não pelas Nações Unidas.
Em 1993, teve início o Processo de Paz de Oslo3[3],
quando a OLP pôde estabelecer a Autoridade Nacional Palestina (ANP), ou seja,
uma espécie de governo representando os interesses dos palestinos. O acordo
previa que Israel cederia gradualmente o controle dos territórios onde vive a
maior parte dos palestinos (a Cisjordânia e a Faixa de Gaza) em troca da paz.
Isso implicava o reconhecimento mútuo e a coexistência com o Estado de
Israel.
Desde 2003, entretanto, os palestinos encontram-se divididos
pelo conflito entre duas facções: o Fatah, o partido majoritário, e o Hamas,
grupo político radical. Como resultado, o território controlado pela ANP está
seccionado entre a Cisjordânia, controlada pelo Fatah, e a Faixa de Gaza,
controlada pelo Hamas, que, apesar de ter vencido as eleições em 2006, não
tem sido autorizado a participar das negociações oficiais de paz, por ser
considerada uma organização terrorista por Israel e diversos outros países.
Os maiores obstáculos para a constituição efetiva do
Estado palestino estão nas violentas disputas entre facções palestinas desde
a eleição, em 2006, do grupo Hamas (não reconhecido internacionalmente) e nos
constantes ataques de ambos os lados às populações civis em cidades
israelenses e da Faixa de Gaza. Essa situação impede as iniciativas em busca
de negociações por acordos de paz e a retirada dos assentamentos judeus na
Cisjordânia, reivindicadas pelos palestinos.
Atualmente, os destinos da região continuam incertos. Se
os palestinos já conquistaram a autonomia em algumas cidades da Cisjordânia e
em Gaza, ainda não possuem um Estado independente e soberano. Alguns passos,
contudo, têm sido dados nessa direção. O mais importante deles ocorreu em 29
de novembro de 2012, quando a Assembleia Geral da Organização das Nações
Unidas concedeu à
Palestina a condição de Estado observador não membro, por
138 votos a favor, 9 contra e 41 abstenções. Isso representa um passo
importante, ainda que não definitivo, para que sua condição de Estado seja
reconhecida plenamente[4].
Além disso, desde 1996, a Palestina possui um comitê olímpico e, em 1998, a
Fifa reconheceu a seleção palestina de futebol como uma entidade
independente.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz
escola.
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O que levou à proclamação do Estado de Israel, em 1948?
Não descartamos a hipótese de alguns defenderem a importância de
os judeus terem direito a um Estado próprio, tendo em vista o desfecho da Segunda
Guerra Mundial e as revelações das atrocidades cometidas nos campos de
concentração durante o nazismo. Entre os principais fatores a ser apontados
estão:
- o movimento sionista, iniciado em 1897, que propunha a volta dos
judeus à “Terra Prometida”, ou seja, à região onde se situava o antigo reino de
Judá, em 1200 a.C.;
- o acirramento dos movimentos políticos nacionalistas judaicos
após o Holocausto,
decorrentes dos desdobramentos da Segunda Guerra Mundial;
- o fracasso do plano das Nações Unidas em criar dois Estados, em
1947, que levou
Israel a proclamar sua própria independência e delimitar suas
fronteiras de acordo com seus próprios interesses, entre os quais a firme
resolução de garantir um território seguro para o estabelecimento de uma nação
judaica.
O que houve com os árabes palestinos que viviam na região?
De acordo com o texto, milhares de palestinos foram
obrigados a se refugiar nos países vizinhos. Veja:
- segundo a ONU, aproximadamente 700 mil palestinos deixaram suas
aldeias, vilas e cidades de origem durante a guerra árabe-israelense de 1948.
Hoje, esses refugiados e seus descendentes chegam a 4,25 milhões de pessoas;
- os países onde vivem essas pessoas não reconhecem os refugiados
como cidadãos. Atualmente, eles podem ser considerados “apátridas”, uma vez que
não são cidadãos israelenses, tampouco jordanianos, sírios, egípcios, libaneses
ou sauditas;
- um dos grandes pontos de disputa entre israelenses e palestinos
desenvolve-se em torno do direito de retorno dos refugiados que deixaram suas
casas em 1948 e em 1967 (quando um segundo conflito levou a um novo movimento
emigratório) aos seus locais de origem, inclusive de seus familiares e
descendentes. A questão é se os palestinos devem ter o direito às suas
propriedades originais ou se estabelecer somente na Cisjordânia ou na Faixa de
Gaza.
A partir dessas duas questões, já pode desenvolver melhor esse tema,
ou seja, os elementos que caracterizam o Estado. Rememoremos a seguinte
questão: O que tornou possível a existência do Estado de Israel?
Alguns podem afirmar que o fato de ter vencido a guerra contra os
países da Liga Árabe e ter conquistado mais territórios foram fatores
fundamentais para a consolidação do Estado de Israel. Outros, ainda, destacam o
papel dos Estados Unidos da América (EUA) como apoiadores e aliados dos
israelenses.
Porém, os elementos constitutivos a ser assinalados são:
- população: não se podem esquecer os milhares de judeus
que haviam emigrado para a região desde os primórdios do movimento sionista, no
final do século XIX;
- território: a conquista de um território e a delimitação
de fronteiras foram fundamentais para o estabelecimento do Estado de Israel, em
1948;
- governo: a formação e a organização de um governo, desde
a declaração da independência do Estado, unificaram o país imediatamente.
Lembrando os três aspectos que caracterizam um Estado como
entidade ou organização política, sem os quais ele não pode existir: a
nacionalidade,
a soberania e a finalidade, analisaremos a questão palestina.
Elementos que caracterizam o Estado
- Nacionalidade: está baseada na ideia de nação,
que “está intimamente ligada também à cultura de um povo, cultura esta que se
constrói através do tempo e se delineia em grande parte em função dos acontecimentos
históricos que marcaram a caminhada daquele povo”1[5].
- Soberania: deve ser entendida de duas formas: 1) como
sinônimo de independência, ou seja, quando um Estado, especialmente
seu próprio povo, afirma-se como soberano, isto é, não mais submisso a
qualquer potência estrangeira; 2) como expressão de poder jurídico mais
alto, ou seja, dentro dos limites jurídicos e territoriais do Estado,
este é quem tem o poder de decisão em última instância, isto é, exerce o
poder soberano ou o poder máximo. Um Estado, para ser
verdadeiramente soberano, só reconhece um tipo de soberania: a) una, b) indivisível,
c) inalienável e d) imprescritível. O que isso significa?
a) Significa que a soberania deve ser una, porque,
em um mesmo Estado, não se admite a convivência de duas soberanias (mais de
um poder superior no mesmo âmbito).
b) A soberania do Estado deve prevalecer sobre todo e
qualquer assunto. Por essa razão, é considerada indivisível, não sendo
admissível a existência de várias partes separadas da mesma soberania.
c) Ela é inalienável, ou seja, não pode ser
retirada; do contrário, quem quer que a detenha (seja o povo, a nação ou o
Estado) desaparece quando ficar sem ela.
d) Finalmente, é imprescritível, isto é, não tem
prazo para terminar; do contrário, quem quer que a detenha (seja o povo, a
nação ou o Estado) desaparece quando ela termina.
- Finalidade: o fim ou o propósito do Estado é o bem
comum, entendido como o conjunto de todas as condições de vida social que
permitam e favoreçam o desenvolvimento das pessoas que vivem naquele
território, sob aquele governo em particular.
Elaborado especialmente para o São Paulo faz
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É importante lembrar que o povo judeu, embora estivesse espalhado
em diversos países, manteve laços de reconhecimento e união por meio de sua
cultura, sua língua, suas tradições e sua religião, e foi com base nessa
identidade que pôde construir uma ideia de nação.
O Estado de Israel, além de independente, detém a soberania
política e jurídica sobre os territórios proclamados sob sua jurisdição e domínio
militar. Você pode chamar a atenção para as particularidades apresentadas a
respeito do conceito de soberania.
Exercícios:
A partir da leitura do texto sobre o conflito entre Israel e
palestinos, responda:
1) Considerando-se
apenas os elementos constitutivos do Estado, os palestinos detêm as condições
necessárias para formar um Estado próprio?
2) Em 1988, o
Conselho Nacional Palestino declarou a existência do Estado da Palestina. Porém,
diversos países não reconhecem a existência desse Estado. Considerando-se as
características do Estado, por que a Palestina ainda não se constituiu efetivamente
como Estado? Justifique sua resposta.
3) Leia a afirmação
a seguir:
“O Estado é o responsável pela organização e pelo controle da
sociedade, pois é o único que pode manter forças armadas (Exército e força
policial) e tem legitimidade ou autoridade para impor a ordem pela força
(monopólio legítimo do uso da força e da coerção)”.
Com base no que foi debatido a respeito das características do
Estado, desenvolva um texto dissertativo relacionando seu papel como responsável
pelo controle e pela organização social com as noções de soberania e finalidade
do Estado.
[1] Império que existiu entre 1299 e 1922 e que em seu apogeu se estendeu
pela Anatólia – região que hoje corresponde à Turquia –, pelo Oriente Médio,
por parte do sudeste europeu e pelo norte da África. Foi estabelecido por uma
tribo de turcos oguzes no oeste da Anatólia e era governado pela dinastia
Osmanli, de onde deriva o nome “otomano”.
[3]
Possui esse nome porque foi realizado na capital da Noruega.
[4] Fonte de dados: ONU. Assembleia Geral da ONU concede status de
Estado Observador não membro à Palestina. Disponível em:
.
Acesso em: 20 dez. 2013.
[5]
DE CICCO, Cláudio; GONZAGA, Álvaro de A. Teoria Geral do Estado e
Ciência Política. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 53-54.