Em uma grande agência de emprego no centro de São Paulo, uma cena se repete: com currículos em mãos, dezenas de pessoas formam fila para falar com a recepcionista.
"Você se cadastrou no nosso site?", ela pergunta. A frustração dos candidatos é visível, assim com o cansaço da mulher que, do outro lado do balcão, atende centenas deles em uma manhã.
O drama das 12 milhões de pessoas que hoje estão sem trabalho no Brasil é bem conhecido. Mas pouco se fala dos efeitos do desemprego para quem fica nas empresas. Com tantos demitidos, quem continua contratado pode virar um "funcionário-polvo", acumulando funções de ex-colegas, além de precisar lidar com o medo do desemprego.
Apesar de não ser medido em números, esse fenômeno é velho conhecido dos especialistas em mercado de trabalho. Segundo os professores entrevistados pela BBC Brasil, o aumento de pressão sobre os empregados é uma tendência natural em momentos de crise.
"Toda vez que uma empresa entra em dificuldade, ela precisa fazer o melhor possível com o pessoal que permanece. Fazer muito com pouco torna-se a chave do sucesso", explica o professor da FEA-USP José Pastore, que também é consultor em relações do trabalho.
Para manter o ritmo, diz Pastore, empresários ficam com os subordinados considerados mais versáteis, que podem aprender novas tarefas rapidamente. São eles os mais propícios a tornarem-se "funcionários-polvo".
Relatos de acúmulos de tarefas se espalham por indústria, comércio e serviços.
Concentrar tarefas não é a única pressão que os brasileiros sofrem com tantos demitidos no mercado. Com o desemprego acima de 11%, segundo o IBGE, o medo de ser mandado embora é outra preocupação constante.
De acordo com índice da CNI (Confederação Nacional da Indústria), o medo do desemprego ficou em 64,8 pontos em dezembro - o indicador vai de zero a cem pontos e, quanto mais alto, maior é o temor. O resultado do mês passado foi o maior desde 1996.
A relação patrão-empregado no Brasil não é só difícil em tempos de recessão, diz a professora Carmen Migueles, que fez doutorado em sociologia das organizações.
Migueles afirma que esse contato é árido por natureza. Segundo ela, os subordinados muitas vezes não percebem que os chefes também estão numa posição difícil. Por outro lado, os empresários não costumam compartilhar o que está acontecendo com seu negócio e subestimam a ajuda que seus empregados podem lhe oferecer.
Enquanto essas relações não mudam, a pressão dentro dos escritórios começa a afetar a saúde dos trabalhadores.
A Associação Nacional dos Médicos Peritos estima que o número de pedidos de auxílio-doença subiu até 30% no último ano. Os dados de 2016 ainda não foram divulgados pela Previdência Social.
O presidente da entidade, Francisco Cardoso, cita o caso de um homem que sofreu um burnout, problema conhecido como doença do esgotamento profissional, depois que todas as 40 pessoas do seu setor foram demitidas. Só ele ficou.
Síndrome de Burnout é um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, definido por Herbert J. Freudenberger como "(...) um estado de esgotamento físico e mental cuja causa está intimamente ligada à vida profissional".
A síndrome de Burnout inclui sintomas como agressividade e falhas de memória.
"É um caso isolado, mas tipifica aqueles que, pelo acúmulo de funções ou pela necessidade de afastar o desemprego, acabam trabalhando além do recomendável. Tem acontecido muito."
Giovana*, que gerencia a área de segurança de produto de uma indústria, diz que o excesso de trabalho trouxe de volta sua enxaqueca. Ela também foi parar no hospital por problemas nas costas e tendinite.
Fonte: BBC Brasil - UOL Economia