Abordaremos,
em linhas gerais, a problemática da violência contra a mulher, tomando como
base o conceito de violência de gênero.
A
ocorrência de atos violentos entre homens e mulheres é um fato em nossa
sociedade. E a maioria desses atos é cometida por homens contra mulheres.
Brasil está entre
os 25 países com mais feminicídios
Quatorze países da América Latina –
incluindo o Brasil – e Caribe estão entre os 25 Estados com maior taxa de feminicídios,
segundo um relatório da organização Small
Arms Survey que aponta El Salvador como o país com mais homicídios de
mulheres.
Entre as regiões com um índice de
feminicídios de mais de seis por cada 100 mil mulheres – considerado muito alto
– estão El Salvador, Jamaica, Guatemala, África do Sul, Rússia, Guiana,
Honduras, Azerbaijão, Antilhas, Colômbia, Bolívia e Bahamas.
Por outro lado, Brasil, Lituânia,
Belarus, Venezuela, Letônia, Belize, Cazaquistão, Moldávia, Quirguistão,
Ucrânia, Equador, República Dominicana e Estônia estão no grupo dos países com uma
alta taxa de homicídios de mulheres, de entre três e seis para cada 100 mil
mulheres.
Segundo o estudo da Small Arms Survey,
em torno de 66 mil mulheres são assassinadas a cada ano, 17% das quais são
vítimas de homicídios intencionais. (Fonte: BRASIL está entre os 25 países com
mais feminicídios. © Agência EFE).
O
que é violência de gênero
Do
ponto de vista da Sociologia, ser homem ou ser mulher envolve muito mais do que
ter um sexo biologicamente definido e distinto do outro: significa ter
sentimentos, atitudes e comportamentos associados ao “gênero”, termo utilizado
para distinguir homens e mulheres.
Por
essa razão, em Sociologia, a distinção homem/mulher não se limita ao sexo. O
gênero (masculino ou feminino) não é determinado apenas pelas características
genéticas ou biológicas.
Quando você se comporta de acordo com
as expectativas amplamente compartilhadas acerca de como homens e mulheres
devem agir, você está adotando um papel de gênero. (BRYM, Robert J. et al.
Sexualidade e gênero. In: ______. Sociologia: sua bússola para um novo
mundo. São Paulo: Cengage Learning, 2008. p. 250)
Quando
os homens têm muito mais poder social do que as mulheres – isto é,
quando ocupam a maioria das funções de comando, ganham mais do que as mulheres
nas mesmas ocupações, são preferidos para ocupar posições de autoridade, entre
outros exemplos – isso contribui para uma estrutura social na qual haverá uma
maior vulnerabilidade para a mulher. Por outro lado, em sociedades em que
homens e mulheres são socialmente mais iguais e as normas justificam a igualdade
de gênero, a proporção de agressão masculina é mais baixa.
A
violência do homem contra a mulher emerge em contextos sociais em que os papéis
de gênero reforçam a ideia de que é “natural” e “correto” que os homens dominem
as mulheres. Esses papéis são aprendidos nas famílias, na escola e por
intermédio dos meios de comunicação de massa, que ajudam a ditar as formas de
interação social. Nas sociedades que se desenvolveram como patriarcais – ou
seja, em que a figura de maior autoridade era o patriarca ou o chefe da
família, clã ou tribo –, os homens eram considerados os indivíduos de maior
valor e, por conseguinte, seu comportamento e modo de ser foram qualificados como
modelo a ser seguido na vida social.
Essa
representação de masculinidade enfatiza que os homens seriam mais racionais e
menos emotivos e apresentariam características marcadas pela virilidade, força
ou destreza física, agressividade, ambição, competitividade etc. Esses padrões
de comportamento geraram estereótipos que se tornaram referências e modelos
dominantes em nossa sociedade, formando uma concepção de masculinidade
idealizada.
Lei Maria da Penha
Maria
da Penha Maia Fernandes é líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.
Vítima de violência doméstica, por mais de 20 anos vem lutando pelo aumento no
rigor às punições contra agressores de mulheres. Em 1983, seu então marido, o
professor universitário colombiano, Marco António Heredia Viveiros, depois de
agressões e ameaças, tentou assassiná-la, atirando nela pelas costas enquanto
dormia. Maria ficou internada durante quatro meses e voltou para casa
paraplégica. Na ocasião, o agressor tentou eximir-se de culpa alegando para a
polícia que se tratava de um caso de assalto. Pouco depois, Maria sofreu nova
tentativa de assassinato por parte de Marco Antônio, que a empurrou da cadeira de
rodas e tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro. Depois desse episódio, ela
decidiu se separar e, desde então, deu início a uma longa história de lutas na
Justiça brasileira para obter a punição de seu agressor.
Depois
de sete anos de batalha na Justiça, o ex-marido de Maria da Penha foi a júri em
1991. Condenado a 15 anos de prisão, a defesa apelou da sentença e, no ano
seguinte, a condenação foi anulada. Então, os advogados de Maria da Penha
conseguiram abrir um novo processo de julgamento e, em 1996, ele foi condenado
a dez anos e seis meses de prisão. No entanto, o agressor continuou recorrendo
e permaneceu livre até 2002, quando finalmente ficou em regime fechado por
apenas dois anos. O caso tinha sido enviado, em 1998, à Comissão Interamericana
de Direitos Humanos (CIDH), órgão principal e autônomo da Organização dos
Estados Americanos (OEA), pela demora injustificada em se dar uma decisão ao
processo. A denúncia à OEA evidenciou a tolerância do Estado brasileiro em
relação à violência contra a mulher, por não ter adotado as medidas efetivas e
necessárias para punir o agressor, apesar de todas as evidências. A comissão
responsabilizou o Estado brasileiro por omissão e negligência em relação ao
caso e sua atuação foi decisiva para que o processo fosse concluído no âmbito
nacional. O agressor foi preso, em outubro de 2002, quase vinte anos após o
crime, poucos meses antes da prescrição da pena.
Hoje,
Maria da Penha é coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação
de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV), no Ceará. Ela atua na
Coordenação de Políticas para Mulheres da Prefeitura de Fortaleza e é
considerada símbolo contra a violência doméstica. Em sua homenagem, a Lei de
Violência Doméstica contra a Mulher, sancionada pelo então presidente da
República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 7 de agosto de 2006, é conhecida
como Lei Maria da Penha.
Lei
no 11.340, de 7/08/2006
O
que é?
A
Lei Maria da Penha é uma lei especial criada para ser aplicada em casos de
violência doméstica e garante mecanismos de proteção às mulheres vítimas de
agressão. Ela impede, por exemplo, o encaminhamento ao Juizado Especial, onde
muitos dos casos acabam com o agressor pagando cestas básicas às suas vítimas.
Ela também aumenta a pena, que passou de seis meses a um ano de detenção para
de três meses a três anos. Além disso, a lei prevê a exigência da abertura de
processo em caráter urgente, a inclusão da mulher em serviços de proteção e a
garantia de acompanhamento de um policial caso a vítima precise ir à sua casa buscar
seus pertences. A lei também permite ao juiz impor ao agressor sanções
imediatas, como perda do porte de arma e proibição de se aproximar da vítima e
dos filhos do casal.
“TÍTULO I
DISPOSIÇÕES
PRELIMINARES
Art. 2o Toda mulher, independentemente
de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional,
idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana,
sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar
sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.
[...]
TÍTULO II
DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
E FAMILIAR CONTRA A MULHER
CAPÍTULO I
Disposições Gerais
Art. 5o Para os efeitos desta Lei,
configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual
ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I - no âmbito da unidade doméstica,
compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem
vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida
como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de
afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente
de coabitação.
Parágrafo único. As relações pessoais
enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6o A violência doméstica e
familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos
humanos.
CAPÍTULO II
DAS FORMAS DE VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER
Art. 7o São formas de violência
doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como
qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida
como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima
ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz,
insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e
vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida
como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar
de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da
força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade,
que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio,
à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e
reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida
como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou
total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores
e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
necessidades;
V - a violência moral, entendida como
qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.” (BRASIL. Lei no
11.340, de 7 de agosto de 2006 (denominada Maria da Penha). Disponível em: .
Acesso em: 3 dez. 2013)
É fato que, nas últimas décadas, temos
testemunhado importantes mudanças na maneira como são definidos os papéis de
homens e mulheres. Entretanto, no mercado de trabalho remunerado, em casa, nos
cargos governamentais e em todas as outras esferas da vida, os homens tendem a
possuir mais poder e autoridade do que as mulheres. Padrões cotidianos de
dominação de gênero, vistos como legítimos pela maioria das pessoas, estão
embutidos em nossas normas de namoro, sexo, família e trabalho. A partir desse
ponto de vista, a agressão masculina contra as mulheres é simplesmente a
expressão da autoridade masculina por outros meios. [...] muitos aspectos de
nossa cultura legitimam a dominação masculina, fazendo-a parecer válida ou
apropriada. Por exemplo, pornografia, piadas sobre mulheres, assobios e olhares
maliciosos podem parecer simples exemplos de jogos inofensivos. Em um nível
sociológico mais sutil, entretanto, são sinais da adequação da submissão das mulheres
aos homens [...]. A famosa frase “estou brincando” tem um custo. (BRYM, Robert J. et al. Sociologia:
sua bússola para o novo mundo. São Paulo: Cengage Learning, 2008. p. 275.)