quarta-feira, 2 de maio de 2018

A sociedade dos indivíduos

O que vem primeiro, o indivíduo ou a sociedade? Os indivíduos moldam a sociedade ou a sociedade molda os indivíduos? Em poucas palavras, podemos dizer que indivíduos c sociedade fazem parte da mesma trama, tecida pelas relações sociais, não há separação entre eles.

Nós, seres humanos, nascemos e passamos nossa existência em sociedade porque necessitamos uns dos outros para viver. O fato de precisarmos uns dos outros significa que não temos autonomia? Até que ponto dispomos de liberdade para decidir e agir? Até que ponto somos condicionados pela sociedade? A sociedade nos obriga a ser o que não queremos? E nós, podemos mudar a sociedade?

Para estudar essas questões, os sociólogos desenvolveram alguns conceitos, como socialização, instituição, hierarquia, poder, e geraram uma diversidade de análises. Algumas das principais serão examinadas nesta unidade.

O indivíduo, sua história e a sociedade

O indivíduo nunca teve tanta importância nas sociedades como nos dias de hoje. Quando analisamos as diversas formas de sociedade e como elas se organizaram historicamente, percebemos que só na modernidade a noção de indivíduo ganhou relevância.

Entre os povos antigos, pouco valor se dava à pessoa única. A importância do indivíduo estava inserida no grupo a que pertencia (família, Estado, clã, etc.). Basta analisar as sociedades tribais (indígenas), as da antiguidade (grega e romana) e a medieval: apesar das diferenças naturais entre os indivíduos, não havia sequer a hipótese de pensar em alguém desvinculado de seu grupo.

A ideia de indivíduo começou a ganhar força no século XVI, com a Reforma Protestante. Esse movimento religioso definia o homem como um ser criado à imagem e semelhança de Deus, com quem podia se relacionar sem a necessidade de intermediários — no caso, os clérigos cristãos. Isso significava que o ser humano, individualmente, passava a ter “poder”.

Mais tarde, no século XVIII, com o desenvolvimento do capitalismo e do pensamento liberal, a ideia de indivíduo e de individualismo firmou-se definitivamente, pois se colocava a felicidade humana no centro das atenções.

Não se tratava, entretanto, da felicidade como um todo, mas de sua expressão material. Importava o fato de a pessoa ser proprietária de bens, de dinheiro ou apenas de seu trabalho. No século XIX essa visão estava completamente estabelecida, e a sociedade capitalista, consolidada.

Mas como indivíduos e sociedade se tornam uma só engrenagem? A Sociologia dispõe de um conceito importante para investigar essa questão: socialização.

O processo de socialização, que examinaremos com mais detalhes no próximo capítulo, começa pela família, passa pela escola e chega aos meios de comunicação, mas inclui outros caminhos, como o convívio com a comunidade do bairro ou da igreja, com o grupo que frequenta o clube ou participa das festas populares, etc. Afinal, nosso dia a dia é pontuado por relações que não se restringem a um único espaço, nem apenas ao bairro ou à cidade em que nascemos e vivemos.

Nossas escolhas, seus limites e repercussões

Quando nascemos, já encontramos prontos valores, normas, costumes e práticas sociais. Também encontramos uma forma de produção da vida material que segue determinados parâmetros. Muitas vezes, não temos como interferir nem como fugir das regras já estabelecidas.

A vida em sociedade é possível, portanto, porque as pessoas falam a mesma
língua, são julgadas por determinadas leis comuns, usam a mesma moeda, além de ter uma história e alguns hábitos comuns, o que lhes dá um sentimento de pertencer a determinado grupo.

O fundamental é entender que o individual — o que é de cada um — e o comum — o que é compartilhado por todos — não estão separados; formam uma relação que se constitui conforme reagimos às situações que enfrentamos no dia a dia. Algumas pessoas podem ser mais passivas, outras mais ativas; algumas podem reagir e lutar, ao passo que outras se acomodam às circunstâncias.

Isso tudo é fruto das relações sociais. E é justamente nesse processo que construímos a sociedade em que vivemos. Se as circunstâncias formam os indivíduos, estes também criam as circunstâncias.

Existem vários níveis de interdependência entre a vida privada — a biografia de cada pessoa — e o contexto social mais amplo. Em uma eleição, por exemplo, o candidato no qual votamos está inscrito num partido, que, por sua vez, é organizado de uma forma previamente determinada pelas leis vigentes naquele momento em nosso país. Ou seja, votamos em alguém que já foi escolhido pelos membros do partido, os quais se reuniram para decidir quem deveria ser seu candidato.

Quando decidimos votar ou não votar em alguém, prestamos atenção à propaganda política, conversamos com parentes e amigos, participamos de comícios, acompanhamos as notícias nos meios de comunicação. Portanto, as decisões que tomamos, em nossas relações com outras pessoas, têm ligação com decisões que já foram tomadas. As leis que regem os partidos políticos e as eleições foram decididas por pessoas (no caso, deputados e senadores) consideradas representantes da sociedade. Mas, muitas vezes, o cidadão não sabe como essas leis foram feitas, tampouco quais foram os interesses de quem as fez.

Assim o indivíduo está de alguma maneira condicionado por decisões e escolhas que ocorrem fora de seu alcance, em outros níveis da sociedade.

Entretanto, as decisões que a pessoa toma a conduzem a diferentes direções na vida. Seja qual for, a direção seguida sempre será resultado das decisões
do indivíduo.

As decisões de um indivíduo podem levá-lo a se destacar em certas situações históricas, construindo o que se costuma classificar como uma trajetória de vida notável. No entanto, ao considerarmos as características individuais e sociais, bem como os aspectos históricos da formação de uma pessoa, podemos afirmar que não existem determinismos históricos ou sociais que tornam alguns indivíduos mais “especiais” que outros, pois a história de uma sociedade é feita por todos os que nela vivem, uns de modo obstinado à procura de seus objetivos, outros com menos intensidade, mas todos procurando resolver as questões que se apresentam em seu cotidiano, conforme seus interesses e seu poder de influir nas situações existentes.

De acordo com Norbert Elias, a sociedade não é um baile à fantasia, em que cada um pode mudar a máscara ou a fantasia a qualquer momento. Desde o nascimento, estamos presos às relações que foram estabelecidas antes de nós e que existem e se estruturam durante nossa vida.

Das questões individuais às questões sociais

Podemos chamar de questões sociais alguns problemas que vão além de nosso dia a dia como indivíduos, que não dizem respeito somente a nossa vida privada, mas estão ligados à estrutura de uma ou de várias sociedades. É o caso do desemprego, por exemplo, que afeta milhões de pessoas em diversos grupos sociais.

Um bom exemplo desse assunto é dado pelo sociólogo estadunidense C. Wright Mills (1915-1962), que escreveu o livro A imaginação sociológica (1959). Mills considera que, se numa cidade de 100 mil habitantes poucos indivíduos estão sem trabalho, há um problema pessoal, que pode ser resolvido tratando as habilidades e potencialidades de cada um. Entretanto, se em um país com 50 milhões de trabalhadores 5 milhões não encontram emprego, a questão passa a ser social e não pode ser resolvida como um problema individual.

Nesse caso, a busca de soluções passa por uma análise mais profunda da estrutura econômica e política dessa sociedade.

Existem também situações que afetam o cotidiano das pessoas e que são ocasionadas por acontecimentos que atingem a maioria dos países: por exemplo, a crise de 1929, que levou ao colapso todo o sistema financeiro mundial; a chamada Crise do Petróleo, em 1973, provocada pela elevação súbita dos preços da principal matéria-prima do mundo; o ataque, em 11 de setembro de 2001, às Torres Gêmeas em Nova York, que alterou substancialmente a relação dos Estados Unidos com os outros países e, principalmente, o cotidiano do cidadão estadunidense.

Podemos perceber, assim, que acontecimentos completamente independentes de nossa vontade nos atingem fortemente. No entanto, é importante destacar que, tanto em 1929 como em 1973 e em 2001, os eventos mencionados foram resultado de uma configuração social criada pelas decisões de algumas pessoas, que provocaram situações que foram muito além de suas expectativas.

Essas situações, além de afetar as relações políticas, econômicas e financeiras de todos os países, também prejudicaram indivíduos em muitos lugares, até na satisfação de suas necessidades, como o consumo de alimentos e de combustível.

Esses pontos, que estão presentes na biografia de cada um de nós, fazem parte da história da sociedade em que vivemos e, muitas vezes, assumem forma ainda mais ampla. Tomar uma decisão é algo individual e social ao mesmo tempo, sendo impossível separar esses planos.

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FONTE: Tomazi, Nelson Dacio - Sociologia para o ensino médio / Nelson Dacio Tomazi. —2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2010, pg. 12 - 16.

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