Nós,
seres humanos, nascemos e passamos nossa existência em sociedade porque
necessitamos uns dos outros para viver. O fato de precisarmos uns dos outros
significa que não temos autonomia? Até que ponto dispomos de liberdade para
decidir e agir? Até que ponto somos condicionados pela sociedade? A sociedade
nos obriga a ser o que não queremos? E nós, podemos mudar a sociedade?
Para
estudar essas questões, os sociólogos desenvolveram alguns conceitos, como
socialização, instituição, hierarquia, poder, e geraram uma diversidade de
análises. Algumas das principais serão examinadas nesta unidade.
O indivíduo, sua história e a sociedade
O
indivíduo nunca teve tanta importância nas sociedades como nos dias de hoje.
Quando analisamos as diversas formas de sociedade e como elas se organizaram
historicamente, percebemos que só na modernidade a noção de indivíduo ganhou
relevância.
Entre os
povos antigos, pouco valor se dava à pessoa única. A importância do indivíduo
estava inserida no grupo a que pertencia (família, Estado, clã, etc.). Basta
analisar as sociedades tribais (indígenas), as da antiguidade (grega e romana)
e a medieval: apesar das diferenças naturais entre os indivíduos, não havia
sequer a hipótese de pensar em alguém desvinculado de seu grupo.
A ideia
de indivíduo começou a ganhar força no século XVI, com a Reforma Protestante.
Esse movimento religioso definia o homem como um ser criado à imagem e
semelhança de Deus, com quem podia se relacionar sem a necessidade de
intermediários — no caso, os clérigos cristãos. Isso significava que o ser humano,
individualmente, passava a ter “poder”.
Mais
tarde, no século XVIII, com o desenvolvimento do capitalismo e do pensamento
liberal, a ideia de indivíduo e de individualismo firmou-se definitivamente,
pois se colocava a felicidade humana no centro das atenções.
Não se
tratava, entretanto, da felicidade como um todo, mas de sua expressão material.
Importava o fato de a pessoa ser proprietária de bens, de dinheiro ou apenas de
seu trabalho. No século XIX essa visão estava completamente estabelecida, e a
sociedade capitalista, consolidada.
Mas como
indivíduos e sociedade se tornam uma só engrenagem? A Sociologia dispõe de um
conceito importante para investigar essa questão: socialização.
O
processo de socialização, que examinaremos com mais detalhes no próximo capítulo,
começa pela família, passa pela escola e chega aos meios de comunicação, mas inclui outros caminhos, como o convívio
com a comunidade do bairro ou da igreja, com o
grupo que frequenta o clube ou participa das festas populares, etc. Afinal,
nosso dia a dia é pontuado por relações que não se restringem a um único
espaço, nem apenas ao bairro ou à cidade em que nascemos e vivemos.
Nossas
escolhas, seus limites e repercussões
Quando nascemos, já encontramos prontos valores, normas, costumes
e práticas sociais. Também encontramos uma forma de produção da vida material que
segue determinados parâmetros. Muitas vezes, não temos como interferir nem como
fugir das regras já estabelecidas.
A vida em sociedade é possível, portanto, porque as pessoas falam
a mesma
língua, são julgadas por determinadas leis comuns, usam a mesma
moeda, além de ter uma história e alguns hábitos comuns, o que lhes dá um
sentimento de pertencer a determinado grupo.
O fundamental é entender que o individual — o que é de cada um — e
o comum — o que é compartilhado por todos — não estão separados; formam uma
relação que se constitui conforme reagimos às situações que enfrentamos no dia
a dia. Algumas pessoas podem ser mais passivas, outras mais ativas; algumas
podem reagir e lutar, ao passo que outras se acomodam às circunstâncias.
Isso tudo é fruto das relações sociais. E é justamente nesse
processo que construímos a sociedade em que vivemos. Se as circunstâncias
formam os indivíduos, estes também criam as circunstâncias.
Existem
vários níveis de interdependência entre a vida privada — a biografia de cada
pessoa — e o contexto social mais amplo. Em uma eleição, por exemplo, o
candidato no qual votamos está inscrito num partido, que, por sua vez, é
organizado de uma forma previamente determinada pelas leis vigentes naquele
momento em nosso país. Ou seja, votamos em alguém que já foi escolhido pelos
membros do partido, os quais se reuniram para decidir quem deveria ser seu
candidato.
Quando decidimos votar ou não votar em alguém, prestamos atenção à propaganda política, conversamos com parentes e amigos,
participamos de comícios, acompanhamos as
notícias nos meios de comunicação. Portanto, as
decisões que tomamos, em nossas relações com outras pessoas, têm ligação
com decisões que já foram tomadas. As leis que regem
os partidos políticos e as eleições foram decididas por pessoas (no caso,
deputados e senadores) consideradas representantes da sociedade. Mas, muitas
vezes, o cidadão não sabe como essas leis foram feitas, tampouco quais foram os
interesses de quem as fez.
Assim o indivíduo está de alguma maneira condicionado por decisões
e escolhas que ocorrem fora de seu alcance, em outros níveis da sociedade.
Entretanto, as decisões que a pessoa toma a conduzem a diferentes
direções na vida. Seja qual for, a direção seguida sempre será resultado das
decisões
do indivíduo.
As decisões de um indivíduo podem levá-lo a se destacar em certas
situações históricas, construindo o que se costuma classificar como uma
trajetória de vida notável. No entanto, ao considerarmos as características
individuais e sociais, bem como os aspectos históricos da formação de uma
pessoa, podemos afirmar que não existem determinismos históricos ou sociais que
tornam alguns indivíduos mais “especiais” que outros, pois a história de uma
sociedade é feita por todos os que nela vivem, uns de modo obstinado à procura
de seus objetivos, outros com menos intensidade, mas todos procurando resolver
as questões que se apresentam em seu cotidiano, conforme seus interesses e seu poder
de influir nas situações existentes.
De acordo com Norbert Elias, a sociedade não é um baile à
fantasia, em que cada um pode mudar a máscara ou a fantasia a qualquer momento.
Desde o nascimento, estamos presos às relações que foram estabelecidas antes de
nós e que existem e se estruturam durante nossa vida.
Das
questões individuais às questões sociais
Podemos chamar de questões sociais alguns problemas que vão além
de nosso dia a dia como indivíduos, que não dizem respeito somente a nossa vida
privada, mas estão ligados à estrutura de uma ou de várias sociedades. É o caso
do desemprego, por exemplo, que afeta milhões de pessoas em diversos grupos
sociais.
Um bom exemplo desse assunto é dado pelo sociólogo estadunidense C.
Wright Mills (1915-1962), que escreveu o livro A imaginação sociológica (1959).
Mills considera que, se numa cidade de 100 mil habitantes poucos indivíduos
estão sem trabalho, há um problema pessoal, que pode ser resolvido tratando as
habilidades e potencialidades de cada um. Entretanto, se em um país com 50
milhões de trabalhadores 5 milhões não encontram emprego, a questão passa a ser
social e não pode ser resolvida como um problema individual.
Nesse caso, a busca de soluções passa por uma análise mais
profunda da estrutura econômica e política dessa sociedade.
Existem
também situações que afetam o cotidiano das pessoas e que são ocasionadas por
acontecimentos que atingem a maioria dos países: por exemplo, a crise de 1929,
que levou ao colapso todo o sistema financeiro mundial; a chamada Crise do
Petróleo, em 1973, provocada pela elevação súbita dos preços da principal
matéria-prima do mundo; o ataque, em 11 de setembro de 2001, às Torres Gêmeas
em Nova York, que alterou substancialmente a relação dos Estados Unidos com os
outros países e, principalmente, o cotidiano do cidadão estadunidense.
Podemos
perceber, assim, que acontecimentos completamente independentes de nossa
vontade nos atingem fortemente. No entanto, é importante destacar que, tanto em
1929 como em 1973 e em 2001, os eventos mencionados foram resultado de uma
configuração social criada pelas decisões de algumas pessoas, que provocaram
situações que foram muito além de suas expectativas.
Essas
situações, além de afetar as relações políticas, econômicas e financeiras de
todos os países, também prejudicaram indivíduos em muitos lugares, até na
satisfação de suas necessidades, como o consumo de alimentos e de combustível.
Esses
pontos, que estão presentes na biografia de cada um de nós, fazem parte da
história da sociedade em que vivemos e, muitas vezes, assumem forma ainda mais
ampla. Tomar uma decisão é algo individual e social ao mesmo tempo, sendo
impossível separar esses planos.
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FONTE: Tomazi, Nelson Dacio - Sociologia
para o ensino médio / Nelson Dacio Tomazi. —2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2010,
pg. 12 - 16.