quarta-feira, 2 de maio de 2018

O processo de socialização


No capítulo anterior vimos como o indivíduo atua na sociedade e como a sociedade atua na vida do indivíduo. O processo pelo qual os indivíduos formam a sociedade e são formados por ela é chamado de socialização. A imagem que melhor descreve esse processo é a de uma rede tecida por relações sociais que vão se entrelaçando e compondo diversas outras relações até formar toda a sociedade.

Cada indivíduo, ao fazer parte de uma sociedade, insere-se em múltiplos grupos e instituições que se entrecruzam, como a família, a escola e a Igreja.

E, assim, o fio da meada parece interminável porque forma uma complexa rede de relações que permeia o cotidiano. Ainda que cada sujeito tenha sua individualidade, esta se constrói no contexto das relações sociais com os diferentes grupos e instituições dos quais ele participa, tendo por isso experiências semelhantes ou diferentes das de outras pessoas.

O que nos é comum

Ao nascer, chega-se a um mundo que já está pronto, e essa relação com o “novo” é de total estranheza. A criança vai sentir frio e calor, conforto e desconforto, vai sorrir e chorar; enfim, vai se relacionar e conviver com o mundo externo. Para viver nesse mundo, ela vai aprender a conhecer seu corpo, seja observando e tocando partes dele, seja se olhando no espelho. Nesse momento ainda não se reconhece como pessoa, pois não domina os códigos sociais; é o “nenê”, um ser genérico.

Com o tempo, a criança percebe que existem outras coisas a seu redor: o berço (quando o tem), o chão (que pode ser de terra batida, de cimento, de tábuas ou de mármore com tapetes) e os objetos que compõem o ambiente em que vive. Percebe que existem também pessoas — pai, mãe, irmãos, tios, avós — com as quais vai ter de se relacionar. Vê que há outras com nomes como José, Maurício, Solange, Marina, que são chamadas de amigos ou colegas. Passa, então, a diferenciar as pessoas da família das demais. À medida que cresce, vai descobrindo que há coisas que pode fazer e coisas que não pode fazer. Posteriormente saberá que isso é determinado pelas normas e costumes da sociedade à qual pertence.

No processo de conhecimento do mundo, a criança observa que alguns dias são diferentes dos outros. Há dias em que os pais não saem para trabalhar e ficam em casa mais tempo. São ocasiões em que assiste mais à televisão, vai passear em algum parque ou outro lugar qualquer. Em alguns desses dias nota que vai a um lugar diferente, que mais tarde identificará como igreja (no caso de os pais praticarem uma religião). Nos outros dias da semana vai à escola, onde encontra crianças da mesma idade e também outros adultos.

A criança vai entendendo que, além da casa e do bairro onde reside, existem outros lugares, uns parecidos com o local em que vive e outros bem diferentes; alguns próximos e outros distantes; alguns grandes e outros pequenos; alguns suntuosos e outros humildes ou miseráveis.

Ao viajar ou assistir à televisão, a criança perceberá que existem cidades enormes e outras bem pequenas, novas e antigas, bem como áreas rurais, com poucas casas, onde se cultivam os alimentos que ela consome. Aos poucos, saberá que cidades, zonas rurais, matas e rios fazem parte do território de um país, que normalmente é dividido em unidades menores (no caso brasileiro elas são chamadas de estados). Nessa “viagem” do crescimento, a criança aprenderá que há os continentes, os oceanos e os mares, e que tudo isso, com a atmosfera, constitui o planeta Terra, que, por sua vez, está vinculado a um sistema maior, o sistema solar, o qual se integra numa galáxia.

Esse processo de conviver com a família e com os vizinhos, de frequentar a escola, de ver televisão, de passear e de conhecer novos lugares, coisas e pessoas compõe um universo cheio de faces no qual a criança vai se socializando, isto é, vai aprendendo e interiorizando palavras, significados e ideias, enfim, os valores e o modo de vida da sociedade da qual faz parte.

As diferenças no processo de socialização

Entender a sociedade em que vivemos significa saber que há muitas diferenças e que é preciso olhar para elas. É muito diferente nascer e viver numa favela, num bairro rico, num condomínio fechado ou numa área do sertão nordestino exposta a longos períodos de seca. Essas desigualdades promovem formas diferentes de socialização.

Ao tratar de diferenças, temos também de vê-las no contexto histórico. A socialização dos dias atuais é completamente diferente da dos anos 1950.

Naquela época, a maioria da população vivia na zona rural ou em pequenas cidades. As escolas eram pequenas e tinham poucos alunos. A televisão estava iniciando no Brasil e seus programas eram vistos por poucas pessoas. Não havia internet e a telefonia era precária. Ouvir rádio era a principal forma de tomar conhecimento do que acontecia em outros lugares do país e do mundo. As pessoas relacionavam-se quase somente com as que viviam próximas e estabeleciam fortes laços de solidariedade entre si. Escrever cartas era muito comum, pois constituía a forma mais prática de se comunicar a distância.

No decorrer da segunda metade do século XX, os avanços tecnológicos nos setores de comunicação e informação, o aumento da produção industrial e do consumo e o crescimento da população urbana desencadearam grandes transformações no mundo inteiro. Em alguns casos, alterações econômicas e políticas provocaram a deterioração das condições de vida e organização social, gerando situações calamitosas. Em vários países do continente africano, milhares de pessoas morreram de fome ou se destruíram em guerras internas (o que continua a acontecer). Na antiga Iugoslávia, no continente europeu, grupos étnicos entraram em conflitos que mesclavam questões políticas, econômicas e culturais e, apoiados ou não por outros países, mataram-se durante muitos anos numa guerra civil. Nascer e viver nessas condições é completamente diferente de viver no mesmo local com paz e tranquilidade. A socialização das crianças “em guerra permanente” (quando conseguem sobreviver) é afetada profundamente.

Tudo começa na família

Mesmo considerando todas as diferenças, há normalmente um processo de socialização formal, conduzido por instituições, como escola e Igreja, e um processo mais informal e abrangente, que acontece inicialmente na família, na vizinhança, nos grupos de amigos e pela exposição aos meios de comunicação.

O ponto de partida é a família, o espaço privado das relações de intimidade e afeto, em que, geralmente, podemos encontrar alguma compreensão e refúgio, apesar dos conflitos. É o espaço onde aprendemos a obedecer a regras de convivência, a lidar com a diferença e a diversidade.

Os espaços públicos de socialização são todos os outros lugares que frequentamos em nosso cotidiano. Neles, as relações são diferentes, pois convivemos com pessoas que muitas vezes nem conhecemos. Nesses espaços públicos, não podemos fazer muitas das coisas que em casa são permitidas, e precisamos observar as normas e regras próprias em cada situação. Nos locais de culto religioso, por exemplo, devemos fazer silêncio; na escola, onde ocorre a chamada educação formal, precisamos ser pontuais nos horários de entrada e saída, e assim por diante.

Há, entretanto, agentes de socialização que estão presentes tanto nos espaços públicos como nos privados: são os meios de comunicação — o cinema, a televisão, o rádio, os jornais, as revistas, a internet e o telefone celular. Estes talvez sejam os meios de socialização mais eficazes e persuasivos (sobre eles, falaremos com mais detalhes na unidade 6 — “Cultura e ideologia”).

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FONTE: Tomazi, Nelson Dacio - Sociologia para o ensino médio / Nelson Dacio Tomazi. —2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2010, pg. 18 - 21.


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