No
capítulo anterior vimos como o indivíduo atua na sociedade e como a sociedade
atua na vida do indivíduo. O processo pelo qual os indivíduos formam a
sociedade e são formados por ela é chamado de socialização. A imagem que
melhor descreve esse processo é a de uma rede tecida por relações sociais que
vão se entrelaçando e compondo diversas outras relações até formar toda a
sociedade.
Cada
indivíduo, ao fazer parte de uma sociedade, insere-se em múltiplos grupos e
instituições que se entrecruzam, como a família, a escola e a Igreja.
E, assim,
o fio da meada parece interminável porque forma uma complexa rede de relações
que permeia o cotidiano. Ainda que cada sujeito tenha sua individualidade, esta
se constrói no contexto das relações sociais com os diferentes grupos e instituições
dos quais ele participa, tendo por isso experiências semelhantes ou diferentes
das de outras pessoas.
O
que nos é comum
Ao
nascer, chega-se a um mundo que já está pronto, e essa relação com o “novo” é
de total estranheza. A criança vai sentir frio e calor, conforto e desconforto,
vai sorrir e chorar; enfim, vai se relacionar e conviver com o mundo externo.
Para viver nesse mundo, ela vai aprender a conhecer seu corpo, seja observando
e tocando partes dele, seja se olhando no espelho. Nesse momento ainda não se
reconhece como pessoa, pois não domina os códigos sociais; é o “nenê”, um ser
genérico.
Com o
tempo, a criança percebe que existem outras coisas a seu redor: o berço (quando
o tem), o chão (que pode ser de terra batida, de cimento, de tábuas ou de
mármore com tapetes) e os objetos que compõem o ambiente em que vive. Percebe
que existem também pessoas — pai, mãe, irmãos, tios, avós — com as quais vai
ter de se relacionar. Vê que há outras com nomes como José, Maurício, Solange,
Marina, que são chamadas de amigos ou colegas. Passa, então, a diferenciar as
pessoas da família das demais. À medida que cresce, vai descobrindo que há
coisas que pode fazer e coisas que não pode fazer. Posteriormente saberá que
isso é determinado pelas normas e costumes da sociedade à qual
pertence.
No
processo de conhecimento do mundo, a criança observa que alguns dias são
diferentes dos outros. Há dias em que os pais não saem para trabalhar e ficam
em casa mais tempo. São ocasiões em que assiste mais à televisão, vai passear
em algum parque ou outro lugar qualquer. Em alguns desses dias nota que vai a
um lugar diferente, que mais tarde identificará como igreja (no caso de os pais
praticarem uma religião). Nos outros dias da semana vai à escola, onde encontra
crianças da mesma idade e também outros adultos.
A criança
vai entendendo que, além da casa e do bairro onde reside, existem outros
lugares, uns parecidos com o local em que vive e outros bem diferentes; alguns
próximos e outros distantes; alguns grandes e outros pequenos; alguns suntuosos
e outros humildes ou miseráveis.
Ao viajar
ou assistir à televisão, a criança perceberá que existem cidades enormes e
outras bem pequenas, novas e antigas, bem como áreas rurais, com poucas casas,
onde se cultivam os alimentos que ela consome. Aos poucos, saberá que cidades,
zonas rurais, matas e rios fazem parte do território de um país, que
normalmente é dividido em unidades menores (no caso brasileiro elas são
chamadas de estados). Nessa “viagem” do crescimento, a criança aprenderá
que há os continentes, os oceanos e os mares, e que tudo isso, com a atmosfera,
constitui o planeta Terra, que, por sua vez, está vinculado a um sistema
maior, o sistema solar, o qual se integra numa galáxia.
Esse
processo de conviver com a família e com os vizinhos, de frequentar a escola,
de ver televisão, de passear e de conhecer novos lugares, coisas e pessoas compõe
um universo cheio de faces no qual a criança vai se socializando, isto é, vai
aprendendo e interiorizando palavras, significados e ideias, enfim, os valores
e o modo de vida da sociedade da qual faz parte.
As
diferenças no processo de socialização
Entender
a sociedade em que vivemos significa saber que há muitas diferenças e que é
preciso olhar para elas. É muito diferente nascer e viver numa favela, num
bairro rico, num condomínio fechado ou numa área do sertão nordestino exposta a
longos períodos de seca. Essas desigualdades promovem formas diferentes de
socialização.
Ao tratar
de diferenças, temos também de vê-las no contexto histórico. A socialização dos
dias atuais é completamente diferente da dos anos 1950.
Naquela
época, a maioria da população vivia na zona rural ou em pequenas cidades. As
escolas eram pequenas e tinham poucos alunos. A televisão estava iniciando no
Brasil e seus programas eram vistos por poucas pessoas. Não havia internet e a
telefonia era precária. Ouvir rádio era a principal forma de tomar conhecimento
do que acontecia em outros lugares do país e do mundo. As pessoas
relacionavam-se quase somente com as que viviam próximas e estabeleciam fortes
laços de solidariedade entre si. Escrever cartas era muito comum, pois
constituía a forma mais prática de se comunicar a distância.
No
decorrer da segunda metade do século XX, os avanços tecnológicos nos setores de
comunicação e informação, o aumento da produção industrial e do consumo e o
crescimento da população urbana desencadearam grandes transformações no mundo
inteiro. Em alguns casos, alterações econômicas e políticas provocaram a
deterioração das condições de vida e organização social, gerando situações
calamitosas. Em vários países do continente africano, milhares de pessoas
morreram de fome ou se destruíram em guerras internas (o que continua a
acontecer). Na antiga Iugoslávia, no continente europeu, grupos étnicos entraram
em conflitos que mesclavam questões políticas, econômicas e culturais e,
apoiados ou não por outros países, mataram-se durante muitos anos numa guerra
civil. Nascer e viver nessas condições é completamente diferente de viver no
mesmo local com paz e tranquilidade. A socialização das crianças “em guerra permanente”
(quando conseguem sobreviver) é afetada profundamente.
Tudo
começa na família
Mesmo
considerando todas as diferenças, há normalmente um processo de socialização
formal, conduzido por instituições, como escola e Igreja, e um processo mais
informal e abrangente, que acontece inicialmente na família, na vizinhança, nos
grupos de amigos e pela exposição aos meios de comunicação.
O ponto
de partida é a família, o espaço privado das relações de intimidade e afeto, em
que, geralmente, podemos encontrar alguma compreensão e refúgio, apesar dos
conflitos. É o espaço onde aprendemos a obedecer a regras de convivência, a
lidar com a diferença e a diversidade.
Os
espaços públicos de socialização são todos os outros lugares que frequentamos em
nosso cotidiano. Neles, as relações são diferentes, pois convivemos com pessoas
que muitas vezes nem conhecemos. Nesses espaços públicos, não podemos fazer
muitas das coisas que em casa são permitidas, e precisamos observar as normas e
regras próprias em cada situação. Nos locais de culto religioso, por exemplo,
devemos fazer silêncio; na escola, onde ocorre a chamada educação formal,
precisamos ser pontuais nos horários de entrada e saída, e assim por diante.
Há,
entretanto, agentes de socialização que estão presentes tanto nos espaços públicos
como nos privados: são os meios de comunicação — o cinema, a televisão, o
rádio, os jornais, as revistas, a internet e o telefone celular. Estes talvez
sejam os meios de socialização mais eficazes e persuasivos (sobre eles, falaremos
com mais detalhes na unidade 6 — “Cultura e ideologia”).
____________________
FONTE: Tomazi, Nelson Dacio - Sociologia
para o ensino médio / Nelson Dacio Tomazi. —2. ed. — São Paulo : Saraiva, 2010,
pg. 18 - 21.