Nesse
texto passaremos a discutir os fenômenos sociais da violência que atingem
especificamente adolescentes e jovens de 15 a 24 anos. Para isso, serão
utilizados dados estatísticos, textos de especialistas e outros materiais de
caráter pedagógico, cujo objetivo é chamar atenção para um conjunto de
problemas sociais que afetam diretamente o jovem.
O
objetivo é estabelecer uma reflexão em termos amplos, ou seja, de como se situa
o jovem em relação à violência no Brasil, qual é o tipo de violência que os
marca e qual é a sua relação com a violência. Contudo, sem a pretensão de
esgotar o debate ou a reflexão sobre temática tão complexa, dinâmica e
delicada.
Merece
destaque particular a situação vivenciada pelos jovens, ou seja, aqueles que
possuem entre 15 e 24 anos. Embora tenha havido consideráveis avanços no acesso
à educação e à saúde, cabe chamar a atenção para os altos índices de
mortalidade por causas externas[1],
observados na faixa etária[2]
em que se encontram os jovens do Ensino Médio, especialmente os do sexo
masculino. Esse dado é particularmente relevante para o debate sobre a
problemática da violência, uma vez que a principal causa de morte entre jovens
de 15 a 19 anos por fatores externos em 2006 foi o homicídio (56%), seguida dos
acidentes de trânsito (23,2%)[3].
Por essa razão, essas duas questões serão alvo de nossa discussão.
Ao
discutir a causa da violência, em sua maioria rapazes, as principais razões
seriam o envolvimento de jovens com a violência, seja como autores de atos
violentos (tráfico, crime), seja como vítimas (violência policial, assassinatos,
drogas). Embora não saibamos exatamente como morreu cada um deles, eles fazem
parte das estatísticas de mortalidade juvenil, que estudaremos a seguir.
A
violência contra o jovem
O
objetivo é chamar a atenção para o impacto social e demográfico da violência
sobre a população juvenil. Para isso, analisaremos alguns dados produzidos por
pesquisadores a respeito da mortalidade no Brasil, que servirão como ponto de
partida para uma reflexão sobre os fatores que levam a esses resultados. A
violência não
se resume apenas à violência física, e os atos violentos não necessariamente
conduzem à morte das vítimas. Porém, podemos dizer que a morte representa a
violência levada ao seu grau extremo – daí sua utilização como indicador geral
da violência em uma sociedade.
No
Brasil, mesmo considerando o impacto positivo das políticas de desarmamento implementadas
em 2004, a mortalidade por causas externas – representada, sobretudo, pelas
estatísticas de homicídios – continua extremamente alta. Os dados divulgados no
Mapa da violência 2011 – referentes
ao período de 1998 a 2008 – revelam que o número total de homicídios aumentou
de 41 950 para 50 113, o que representa um incremento de 17,8%, levemente
superior ao incremento populacional do período que, segundo estimativas oficiais,
foi de 17,2%. Um
dado importante a ser destacado é que, desde a década de 1980, embora as taxas
de mortalidade entre jovens de 15 a 24 anos tenham se mantido praticamente inalteradas,
houve uma mudança radical na configuração das causas que levam os jovens à
morte. Dados de 2011 mostram que, nesse ano, 73,2% dos jovens morreram por
causas externas, enquanto, em 1980, 52,9% morreram pelas mesmas razões. Leia o
seguinte trecho:
Em 1980 as causas
externas já eram responsáveis por pouco mais da metade – 52,9% – do
total de mortes dos jovens do país. Já em 2011, dos 46.920 óbitos juvenis
registrados pelo SIM, 34.336 tiveram sua origem nas causas
externas, fazendo esse percentual se elevar drasticamente: em 2011
quase 3/4 de nossos jovens – 73,2% – morreram por causas externas.
(WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa
da violência 2013: Homicídios e juventude no Brasil.
Rio de Janeiro: Cebela, 2013. p. 13. Disponível em:
. Acesso
em: 20 fev. 2014)
O
percentual de mortes por causas externas na população jovem é sempre maior que
o por causas naturais, em todas as regiões do Brasil. A região com o percentual
mais alto de mortes por causas externas foi a Sul (78,1%) e o mais baixo foi
observado na região Norte (69,6%). De qualquer forma, mesmo o índice de 69,6% da
região Norte é inaceitável, pois mostra que, na região com menores índices por causas
externas, praticamente 70% dos jovens não morrem por causas naturais. Dos três tipos
mais frequentes de causas analisadas (acidentes de transporte, homicídios e
suicídios), a causa externa mais observada entre os jovens foi o homicídio.
Isso significa que ele é a principal causa de morte entre os jovens. Ou seja, a
probabilidade de um jovem morrer assassinado é maior do que a de morrer por uma
doença. No caso da população não jovem, as principais causas de morte são as de
causas naturais. Há, então, entre os jovens, um grave problema social ligado à
violência.
Taxas
de mortalidade
A
principal estatística utilizada nos estudos sobre violência envolvendo morte por causas
externas é a taxa por 100 mil habitantes. Esse número é calculado ponderando-se
o total de óbitos (mortes) observado em uma dada população, em um dado período,
sobre o total da população. Em seguida, calcula-se a proporção de óbitos para
uma população hipotética de 100 mil habitantes.
Por
exemplo: em 2008, foram contabilizadas pelo Sistema de Informações sobre
Mortalidade
(SIM), do Ministério da Saúde, 18 321 mortes por agressão (homicídios) a jovens
de 15 a 24 anos no Brasil.
O Ministério da Saúde utiliza como
critério de classificação o sistema internacional CID-10, segundo o qual uma
das causas possíveis para os óbitos são as mortes por agressão. Embora não sejam
exatamente a mesma coisa, é possível utilizar o termo jurídico, do artigo 121
do Código Penal (homicídio), para qualificar morte por agressão. Para os fins
deste Caderno, entendemos morte por agressão sempre como homicídio.
Considerando-se
que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a
população de jovens brasileiros, nessa faixa etária, era de aproximadamente
34,6 milhões de habitantes, a taxa de mortes por homicídio, para jovens de 15 a
24 anos, em 2008 foi de:
X
= 18 321 × 100 000 ≈ 52,95
_________________________
34
600 000
|
Isso
significa que, em média, de cada 100 mil jovens, aproximadamente 52,95 morreram
por homicídio em 2008 no Brasil. Porém, essa situação varia enormemente entre
os Estados, as regiões metropolitanas e os municípios, de tal modo que se pode
dizer que a violência é mais concentrada em determinados locais. Além disso, há
variações importantes no que diz respeito à causa da morte e a outras
características da pessoa.
Na
pesquisa, intitulada Mapa da violência 2011:
Os jovens do Brasil, foram comparadas as taxas de mortalidade por homicídio, suicídios
e armas de fogo e observou-se que há variações importantes, dependendo da idade
do jovem, do sexo e da cor da pele.
Um
fato relevante a ser destacado é a estrutura etária das mortes. No levantamento
realizado em 2011, em que a preocupação era analisar especificamente as características
da mortalidade juvenil por causas externas, observou-se que é na faixa etária designada
como “jovem” (15 a 24 anos) que os homicídios atingem seu pico, principalmente na
faixa dos 20 aos 24 anos, em que a taxa gira em torno de 63 homicídios por 100
mil jovens.
Observação:
dados do Mapa da violência 2013 mostram
que essa situação se mantém. Ver documento disponível em:
|
As
taxas de óbitos por homicídio nas faixas etárias entre 15 e 29 anos são
significativamente maiores do que as demais, tanto em 1998 quanto em 2008,
ainda que a faixa etária de 30 a 34 esteja consideravelmente no mesmo nível da
faixa de 15 a 19. Além disso, especificamente em relação aos jovens de 15 a 29
anos, elas aumentaram consideravelmente entre 1998 e 2008. Isso mostra que a
probabilidade de um jovem morrer dessa maneira é muito maior que a de um adulto
ou a de uma criança.
Outro
fato relevante a ser destacado é a diferença nas taxas de mortalidade entre a população
branca e a população negra. No estudo de 2011, considerou-se como negra a
população que, segundo o IBGE, se autoidentifica como preta ou parda. As duas
categorias, brancos e negros, abrangem 99,5% da população.
Os
dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), articulados com as
informações sobre cor da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD),
produzida pelo IBGE, mostraram que:
·
a taxa de óbito por homicídios da
população negra é bem superior à da população branca. Se, no conjunto da
população, a vitimização de negros já é severa, entre os jovens, o problema agrava-se
ainda mais: os índices de vitimização elevam-se para 85,3%. Isto é, a taxa de óbito
por homicídios dos jovens negros (64,7 em 100 mil) é 85,3% superior à taxa dos
jovens brancos (34,9 em 100 mil). Ou seja, a idade é um fator relevante e a cor
também é.
As
taxas de óbito por homicídios entre jovens negros são sempre maiores do que
entre jovens brancos, em todas as regiões do país, chegando a ser mais do que o
dobro da taxa encontrada na população branca em determinadas regiões. Ressalte
a diferença entre as taxas de óbito por homicídios de jovens brancos e negros
observadas nas regiões e procure discutir com os alunos as razões para essas
disparidades.
Outro
aspecto a ser destacado em relação ao óbito por homicídio é a diferença
observada entre homens e mulheres. Os dados disponibilizados pelo SIM confirmam
a tendência já identificada por diversos estudos nacionais e internacionais: as
mortes por homicídio ocorrem especialmente entre pessoas do sexo masculino. Isso
gera não apenas uma disparidade nas taxas de óbito por homicídio entre os
sexos, mas também um forte desequilíbrio demográfico na distribuição por sexo
da população, especialmente a partir dos 20 anos de idade.
Comparando-se
a taxa de óbito por homicídios entre jovens do sexo masculino e
jovens
do sexo feminino, em média, quem tem a maior chance de morrer vítima de
homicídio: um jovem ou uma jovem?
Observe
que as taxas de óbito por homicídios entre jovens do sexo masculino chegam a
ser, em média, 15 vezes mais altas que entre as jovens.
Finalmente,
cabe destacar as causas pelas quais os jovens morrem. O levantamento realizado entre
os períodos de 1980 a 2010 revelou que houve um grande crescimento do total de homicídios
perpetrados entre os jovens de 15 a 29 anos. Os óbitos por arma de fogo
passaram de 4 415 óbitos em 1980 para 22 694 em 2010: 414% nos 31 anos entre
essas datas.
A
principal causa de morte por arma de fogo entre a população jovem no Brasil, em
2010, foi o homicídio. Os dados apresentados na tabela revelam que a taxa
nacional de mortalidade por arma de fogo em que ocorreu homicídio era de 19,3 mortes
por 100 mil habitantes. Três regiões superaram essa marca: as regiões Norte, Nordeste
e Centro-Oeste.
Por
que os jovens se envolvem com a violência?
Analisemos
agora os fatores que levam ao envolvimento dos jovens com a violência. Longe de
procurar esgotar as explicações para essa questão, cabe apontar alguns pontos
de partida para a reflexão.
Há
duas correntes principais de interpretação dos fatores que contribuem para
explicar as origens da violência. De um lado, há aqueles que entendem que a
violência é resultado da desigualdade social e da ausência de políticas sociais
e públicas de transferência de renda dos grupos mais ricos para os mais pobres.
Nessa perspectiva, portanto, não haveria sentido em distinguir vítimas de
agressores. Todos seriam potencialmente vítimas, pouco importando se atores
passivos ou ativos da violência.
De
outro lado, há aqueles que responsabilizam o Estado e os governos pós-transição democrática
por sua incapacidade em assegurar a lei e a ordem, contribuindo, assim, para o
crescimento dos crimes e da violência, inclusive envolvendo crianças e
adolescentes. Nessa perspectiva, seria preciso formular e implementar políticas
de repressão e contenção, mesmo que, para isso, fosse necessário endurecer o
tratamento penal, até mesmo no que se aplica a crianças e adolescentes.
Os
estudos realizados no Brasil pelos mais diversos institutos de pesquisa,
organizações não governamentais, órgãos do governo, universidades e
pesquisadores indicam que a maioria dos jovens, adolescentes e crianças vítimas
da violência fatal não estão envolvidos com o mundo do crime, compromissados com
esse mundo nem mesmo enraizados nele. De fato, muitos são pobres, moradores de
bairros onde habita preferencialmente população de baixa renda em condições precárias
de infraestrutura urbana, com vínculos frágeis em relação à família, à escola e
ao mercado de trabalho. Porém, a situação de vulnerabilidade social em que se encontram
expõe esses mesmos jovens à convivência muito próxima com o cotidiano do mundo
do crime, em que os espaços urbanos são regulados por quadrilhas, grupos de
traficantes e gangues inimigas que atravessam comunidades e bairros com sua
própria lei e ordem e interferem de forma contundente na vida dos moradores das
chamadas periferias das regiões metropolitanas (PERES et al., 2006).
Você
considera que os jovens são vítimas apenas da violência? O que dizer daqueles
que se envolvem em acidentes de trânsito, muitas vezes resultando em ferimentos
graves ou até mesmo em morte? É interessante
destacar aqui que nem todos os
jovens se encontram em situação de vulnerabilidade social
e, por essa razão, mais ou
menos expostos a situações de risco. O risco
– expresso em ameaça à vida, à saúde e à integridade física – também é inerente
a muitos comportamentos ou posturas adotados pelos jovens, que podem contribuir
para afetar sua saúde e conduzir a uma morte prematura. Alguns exemplos de comportamentos
identificados como fontes potenciais de risco são as práticas sexuais sem
proteção, o consumo de álcool e drogas e o tabagismo.
A
questão que se coloca é: em uma sociedade em que cada vez mais os jovens têm acesso
à informação (como conhecimento sobre métodos anticoncepcionais, doenças associadas
ao fumo, legislação sobre consumo de álcool associado à condução de veículos
e efeitos das drogas sobre o organismo), por que
alguns jovens adotam comportamentos considerados “de risco” ou colocam em
“risco” sua saúde ou sua vida? Não há uma única resposta para essa
pergunta. O desejo de descobrir e experimentar coisas novas, muitas vezes
associado a uma atitude hedonista e despreocupada em relação ao futuro, pode
levar alguns jovens a subestimar o risco inerente a essas práticas. Jovens com
maior necessidade de autoafirmação e que desfrutam de maior liberdade de
escolha, com pouco controle por parte da família ou dos pais, ajudam a explicar
maior tendência a uma atitude refratária à conformidade com normas sociais, às
condutas ilegais e ao comportamento de risco (Pais et al., 2003).
De
qualquer maneira, o que parece haver em comum entre esses jovens é uma
apreciação do risco e da sensação de correr riscos como algo positivo, e não
necessariamente negativo. Nesse sentido, arriscar-se é parte importante da
construção da identidade juvenil, especialmente entre grupos em que se atrever
a participar de determinadas práticas (participar de um racha, ingerir uma dose
de bebida rapidamente de uma vez etc.) torna-se condição de pertencimento.
Nesse universo, todos são vítimas, não
apenas porque provenham do mesmo “meio social” e estejam igualmente submetidos
às desfavoráveis condições sociais de vida, mas na condição de vítimas de um mundo
social opressivo e despótico, como é o mundo do crime entre classes populares.
Pode-se, portanto, argumentar que todos, indistintamente, são vítimas da
pobreza de direitos, grosso modo entendida como conjunto de obstáculos
enfrentados no acesso à justiça social, inclusive precária proteção social
contra a derivação para a violência e para o crime. Se a derivação para a
violência e para o crime configura-se como uma espécie de opção, escolha ou
vontade de alguns, o que resulta na construção de carreiras criminais, é
justamente porque, em algum momento, as leis deixaram de ser aplicadas.
(ADORNO, Sérgio [Trecho citado]. In:
PERES, Maria F.; CARDIA, Nancy; SANTOS, Patrícia C. Homicídios
de crianças e jovens no Brasil: 1980-2002. São Paulo: Núcleo de
Estudos da Violência/Universidade de São Paulo, 2006. p. 31)
Uma das particularidades mais
relevantes dos jovens cujos estilos de vida são mais marcados pelo risco é a
sua recorrente subestimação e o reforço da sua atração. Sistematicamente
verificamos que os jovens mais envolvidos nos comportamentos de risco tendem a
não reconhecer ou a subestimar a sua periculosidade e as suas implicações em
termos de saúde. O risco apresenta-se muitas vezes como atrativo e as possíveis
consequências negativas, que a surgirem apenas se manifestarão, em muitos
casos, muito mais tarde, são ignoradas. Por isso se verificou uma relação
negativa entre os comportamentos de risco e a preocupação e o empenho face ao
futuro. Subjacente à postura de risco perfilha-se muitas vezes uma atitude
hedonista voltada para as gratificações que a ação no presente pode proporcionar.
(FERREIRA, Pedro M. Comportamentos de
risco dos jovens. In: PAIS, José M. et al. Condutas
de risco, práticas culturais e atitudes perante o corpo:
resultados de um inquérito aos jovens portugueses. Oeiras: Celta, 2003. p. 166)
Questões:
1.
Qual é o seu entendimento sobre o tema
trabalhado?
2.
Faça uma relação do texto com os
conceitos estudados.
3.
Explique de forma contextualizada os
conceitos estudados.
4.
Faça uma pesquisa sobre algumas
análises de especialistas a respeito dos assuntos abordados neste texto. Destaque
os variados pontos de vista e argumentos pesquisados e, ao final, elabora um
texto dissertativo.
5.
Os dados analisados mostraram que as
formas de violência que levam à morte atingem adolescentes e jovens,
especialmente de 15 a 24 anos, de forma diferente conforme a região do país, a
cor da pele e o sexo. Para pensar de que maneiras essas questões estão
relacionadas, sugerimos que os alunos realizem uma atividade de reflexão com
base no que foi discutido em sala de aula e nos seguintes textos, a fim de
produzirem uma dissertação sobre: Que fatores contribuem para as
altas taxas de mortalidade por causas externas entre jovens? Justifique sua
resposta.
[1] As causas externas de mortalidade “possibilitam a
classificação de ocorrências de óbitos por lesões, envenenamentos e outros
efeitos adversos”. (IBGE. Conceitos. Disponível em: . Acesso em: 3 dez. 2013.)
[2] Adotamos o critério da Organização das Nações Unidas (ONU)
e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para definir a faixa etária
que compreende os adolescentes e os jovens: 15 a 24 anos.