sexta-feira, 18 de maio de 2018

002 - Violência contra o Jovem


Nesse texto passaremos a discutir os fenômenos sociais da violência que atingem especificamente adolescentes e jovens de 15 a 24 anos. Para isso, serão utilizados dados estatísticos, textos de especialistas e outros materiais de caráter pedagógico, cujo objetivo é chamar atenção para um conjunto de problemas sociais que afetam diretamente o jovem.

O objetivo é estabelecer uma reflexão em termos amplos, ou seja, de como se situa o jovem em relação à violência no Brasil, qual é o tipo de violência que os marca e qual é a sua relação com a violência. Contudo, sem a pretensão de esgotar o debate ou a reflexão sobre temática tão complexa, dinâmica e delicada.

Merece destaque particular a situação vivenciada pelos jovens, ou seja, aqueles que possuem entre 15 e 24 anos. Embora tenha havido consideráveis avanços no acesso à educação e à saúde, cabe chamar a atenção para os altos índices de mortalidade por causas externas[1], observados na faixa etária[2] em que se encontram os jovens do Ensino Médio, especialmente os do sexo masculino. Esse dado é particularmente relevante para o debate sobre a problemática da violência, uma vez que a principal causa de morte entre jovens de 15 a 19 anos por fatores externos em 2006 foi o homicídio (56%), seguida dos acidentes de trânsito (23,2%)[3]. Por essa razão, essas duas questões serão alvo de nossa discussão.

Ao discutir a causa da violência, em sua maioria rapazes, as principais razões seriam o envolvimento de jovens com a violência, seja como autores de atos violentos (tráfico, crime), seja como vítimas (violência policial, assassinatos, drogas). Embora não saibamos exatamente como morreu cada um deles, eles fazem parte das estatísticas de mortalidade juvenil, que estudaremos a seguir.

A violência contra o jovem

O objetivo é chamar a atenção para o impacto social e demográfico da violência sobre a população juvenil. Para isso, analisaremos alguns dados produzidos por pesquisadores a respeito da mortalidade no Brasil, que servirão como ponto de partida para uma reflexão sobre os fatores que levam a esses resultados. A violência não se resume apenas à violência física, e os atos violentos não necessariamente conduzem à morte das vítimas. Porém, podemos dizer que a morte representa a violência levada ao seu grau extremo – daí sua utilização como indicador geral da violência em uma sociedade.

No Brasil, mesmo considerando o impacto positivo das políticas de desarmamento implementadas em 2004, a mortalidade por causas externas – representada, sobretudo, pelas estatísticas de homicídios – continua extremamente alta. Os dados divulgados no Mapa da violência 2011 – referentes ao período de 1998 a 2008 – revelam que o número total de homicídios aumentou de 41 950 para 50 113, o que representa um incremento de 17,8%, levemente superior ao incremento populacional do período que, segundo estimativas oficiais, foi de 17,2%. Um dado importante a ser destacado é que, desde a década de 1980, embora as taxas de mortalidade entre jovens de 15 a 24 anos tenham se mantido praticamente inalteradas, houve uma mudança radical na configuração das causas que levam os jovens à morte. Dados de 2011 mostram que, nesse ano, 73,2% dos jovens morreram por causas externas, enquanto, em 1980, 52,9% morreram pelas mesmas razões. Leia o seguinte trecho:

Em 1980 as causas externas já eram responsáveis por pouco mais da metade – 52,9% – do total de mortes dos jovens do país. Já em 2011, dos 46.920 óbitos juvenis registrados pelo SIM, 34.336 tiveram sua origem nas causas externas, fazendo esse percentual se elevar drasticamente: em 2011 quase 3/4 de nossos jovens – 73,2% – morreram por causas externas.
(WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2013: Homicídios e juventude no Brasil. Rio de Janeiro: Cebela, 2013. p. 13. Disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2014)

O percentual de mortes por causas externas na população jovem é sempre maior que o por causas naturais, em todas as regiões do Brasil. A região com o percentual mais alto de mortes por causas externas foi a Sul (78,1%) e o mais baixo foi observado na região Norte (69,6%). De qualquer forma, mesmo o índice de 69,6% da região Norte é inaceitável, pois mostra que, na região com menores índices por causas externas, praticamente 70% dos jovens não morrem por causas naturais. Dos três tipos mais frequentes de causas analisadas (acidentes de transporte, homicídios e suicídios), a causa externa mais observada entre os jovens foi o homicídio. Isso significa que ele é a principal causa de morte entre os jovens. Ou seja, a probabilidade de um jovem morrer assassinado é maior do que a de morrer por uma doença. No caso da população não jovem, as principais causas de morte são as de causas naturais. Há, então, entre os jovens, um grave problema social ligado à violência.

Taxas de mortalidade

A principal estatística utilizada nos estudos sobre violência envolvendo morte por causas externas é a taxa por 100 mil habitantes. Esse número é calculado ponderando-se o total de óbitos (mortes) observado em uma dada população, em um dado período, sobre o total da população. Em seguida, calcula-se a proporção de óbitos para uma população hipotética de 100 mil habitantes.

Por exemplo: em 2008, foram contabilizadas pelo Sistema de Informações sobre
Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, 18 321 mortes por agressão (homicídios) a jovens de 15 a 24 anos no Brasil.

O Ministério da Saúde utiliza como critério de classificação o sistema internacional CID-10, segundo o qual uma das causas possíveis para os óbitos são as mortes por agressão. Embora não sejam exatamente a mesma coisa, é possível utilizar o termo jurídico, do artigo 121 do Código Penal (homicídio), para qualificar morte por agressão. Para os fins deste Caderno, entendemos morte por agressão sempre como homicídio.

Considerando-se que, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de jovens brasileiros, nessa faixa etária, era de aproximadamente 34,6 milhões de habitantes, a taxa de mortes por homicídio, para jovens de 15 a 24 anos, em 2008 foi de:


X = 18 321 × 100 000 ≈ 52,95
_________________________
34 600 000


Isso significa que, em média, de cada 100 mil jovens, aproximadamente 52,95 morreram por homicídio em 2008 no Brasil. Porém, essa situação varia enormemente entre os Estados, as regiões metropolitanas e os municípios, de tal modo que se pode dizer que a violência é mais concentrada em determinados locais. Além disso, há variações importantes no que diz respeito à causa da morte e a outras características da pessoa.

Na pesquisa, intitulada Mapa da violência 2011: Os jovens do Brasil, foram comparadas as taxas de mortalidade por homicídio, suicídios e armas de fogo e observou-se que há variações importantes, dependendo da idade do jovem, do sexo e da cor da pele.

Um fato relevante a ser destacado é a estrutura etária das mortes. No levantamento realizado em 2011, em que a preocupação era analisar especificamente as características da mortalidade juvenil por causas externas, observou-se que é na faixa etária designada como “jovem” (15 a 24 anos) que os homicídios atingem seu pico, principalmente na faixa dos 20 aos 24 anos, em que a taxa gira em torno de 63 homicídios por 100 mil jovens.


Observação: dados do Mapa da violência 2013 mostram que essa situação se mantém. Ver documento disponível em: . Acesso em: 20 fev. 2014.


As taxas de óbitos por homicídio nas faixas etárias entre 15 e 29 anos são significativamente maiores do que as demais, tanto em 1998 quanto em 2008, ainda que a faixa etária de 30 a 34 esteja consideravelmente no mesmo nível da faixa de 15 a 19. Além disso, especificamente em relação aos jovens de 15 a 29 anos, elas aumentaram consideravelmente entre 1998 e 2008. Isso mostra que a probabilidade de um jovem morrer dessa maneira é muito maior que a de um adulto ou a de uma criança.

Outro fato relevante a ser destacado é a diferença nas taxas de mortalidade entre a população branca e a população negra. No estudo de 2011, considerou-se como negra a população que, segundo o IBGE, se autoidentifica como preta ou parda. As duas categorias, brancos e negros, abrangem 99,5% da população.

Os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), articulados com as informações sobre cor da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), produzida pelo IBGE, mostraram que:

·         a taxa de óbito por homicídios da população negra é bem superior à da população branca. Se, no conjunto da população, a vitimização de negros já é severa, entre os jovens, o problema agrava-se ainda mais: os índices de vitimização elevam-se para 85,3%. Isto é, a taxa de óbito por homicídios dos jovens negros (64,7 em 100 mil) é 85,3% superior à taxa dos jovens brancos (34,9 em 100 mil). Ou seja, a idade é um fator relevante e a cor também é.

As taxas de óbito por homicídios entre jovens negros são sempre maiores do que entre jovens brancos, em todas as regiões do país, chegando a ser mais do que o dobro da taxa encontrada na população branca em determinadas regiões. Ressalte a diferença entre as taxas de óbito por homicídios de jovens brancos e negros observadas nas regiões e procure discutir com os alunos as razões para essas disparidades.

Outro aspecto a ser destacado em relação ao óbito por homicídio é a diferença observada entre homens e mulheres. Os dados disponibilizados pelo SIM confirmam a tendência já identificada por diversos estudos nacionais e internacionais: as mortes por homicídio ocorrem especialmente entre pessoas do sexo masculino. Isso gera não apenas uma disparidade nas taxas de óbito por homicídio entre os sexos, mas também um forte desequilíbrio demográfico na distribuição por sexo da população, especialmente a partir dos 20 anos de idade.

Comparando-se a taxa de óbito por homicídios entre jovens do sexo masculino e
jovens do sexo feminino, em média, quem tem a maior chance de morrer vítima de homicídio: um jovem ou uma jovem?

Observe que as taxas de óbito por homicídios entre jovens do sexo masculino chegam a ser, em média, 15 vezes mais altas que entre as jovens.

Finalmente, cabe destacar as causas pelas quais os jovens morrem. O levantamento realizado entre os períodos de 1980 a 2010 revelou que houve um grande crescimento do total de homicídios perpetrados entre os jovens de 15 a 29 anos. Os óbitos por arma de fogo passaram de 4 415 óbitos em 1980 para 22 694 em 2010: 414% nos 31 anos entre essas datas.

A principal causa de morte por arma de fogo entre a população jovem no Brasil, em 2010, foi o homicídio. Os dados apresentados na tabela revelam que a taxa nacional de mortalidade por arma de fogo em que ocorreu homicídio era de 19,3 mortes por 100 mil habitantes. Três regiões superaram essa marca: as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Por que os jovens se envolvem com a violência?

Analisemos agora os fatores que levam ao envolvimento dos jovens com a violência. Longe de procurar esgotar as explicações para essa questão, cabe apontar alguns pontos de partida para a reflexão.

Há duas correntes principais de interpretação dos fatores que contribuem para explicar as origens da violência. De um lado, há aqueles que entendem que a violência é resultado da desigualdade social e da ausência de políticas sociais e públicas de transferência de renda dos grupos mais ricos para os mais pobres. Nessa perspectiva, portanto, não haveria sentido em distinguir vítimas de agressores. Todos seriam potencialmente vítimas, pouco importando se atores passivos ou ativos da violência.

De outro lado, há aqueles que responsabilizam o Estado e os governos pós-transição democrática por sua incapacidade em assegurar a lei e a ordem, contribuindo, assim, para o crescimento dos crimes e da violência, inclusive envolvendo crianças e adolescentes. Nessa perspectiva, seria preciso formular e implementar políticas de repressão e contenção, mesmo que, para isso, fosse necessário endurecer o tratamento penal, até mesmo no que se aplica a crianças e adolescentes.

Os estudos realizados no Brasil pelos mais diversos institutos de pesquisa, organizações não governamentais, órgãos do governo, universidades e pesquisadores indicam que a maioria dos jovens, adolescentes e crianças vítimas da violência fatal não estão envolvidos com o mundo do crime, compromissados com esse mundo nem mesmo enraizados nele. De fato, muitos são pobres, moradores de bairros onde habita preferencialmente população de baixa renda em condições precárias de infraestrutura urbana, com vínculos frágeis em relação à família, à escola e ao mercado de trabalho. Porém, a situação de vulnerabilidade social em que se encontram expõe esses mesmos jovens à convivência muito próxima com o cotidiano do mundo do crime, em que os espaços urbanos são regulados por quadrilhas, grupos de traficantes e gangues inimigas que atravessam comunidades e bairros com sua própria lei e ordem e interferem de forma contundente na vida dos moradores das chamadas periferias das regiões metropolitanas (PERES et al., 2006).

Você considera que os jovens são vítimas apenas da violência? O que dizer daqueles que se envolvem em acidentes de trânsito, muitas vezes resultando em ferimentos graves ou até mesmo em morte? É interessante destacar aqui que nem todos os jovens se encontram em situação de vulnerabilidade social e, por essa razão, mais ou menos expostos a situações de risco. O risco – expresso em ameaça à vida, à saúde e à integridade física – também é inerente a muitos comportamentos ou posturas adotados pelos jovens, que podem contribuir para afetar sua saúde e conduzir a uma morte prematura. Alguns exemplos de comportamentos identificados como fontes potenciais de risco são as práticas sexuais sem proteção, o consumo de álcool e drogas e o tabagismo.

A questão que se coloca é: em uma sociedade em que cada vez mais os jovens têm acesso à informação (como conhecimento sobre métodos anticoncepcionais, doenças associadas ao fumo, legislação sobre consumo de álcool associado à condução de veículos e efeitos das drogas sobre o organismo), por que alguns jovens adotam comportamentos considerados “de risco” ou colocam em “risco” sua saúde ou sua vida? Não há uma única resposta para essa pergunta. O desejo de descobrir e experimentar coisas novas, muitas vezes associado a uma atitude hedonista e despreocupada em relação ao futuro, pode levar alguns jovens a subestimar o risco inerente a essas práticas. Jovens com maior necessidade de autoafirmação e que desfrutam de maior liberdade de escolha, com pouco controle por parte da família ou dos pais, ajudam a explicar maior tendência a uma atitude refratária à conformidade com normas sociais, às condutas ilegais e ao comportamento de risco (Pais et al., 2003).

De qualquer maneira, o que parece haver em comum entre esses jovens é uma apreciação do risco e da sensação de correr riscos como algo positivo, e não necessariamente negativo. Nesse sentido, arriscar-se é parte importante da construção da identidade juvenil, especialmente entre grupos em que se atrever a participar de determinadas práticas (participar de um racha, ingerir uma dose de bebida rapidamente de uma vez etc.) torna-se condição de pertencimento.

Nesse universo, todos são vítimas, não apenas porque provenham do mesmo “meio social” e estejam igualmente submetidos às desfavoráveis condições sociais de vida, mas na condição de vítimas de um mundo social opressivo e despótico, como é o mundo do crime entre classes populares. Pode-se, portanto, argumentar que todos, indistintamente, são vítimas da pobreza de direitos, grosso modo entendida como conjunto de obstáculos enfrentados no acesso à justiça social, inclusive precária proteção social contra a derivação para a violência e para o crime. Se a derivação para a violência e para o crime configura-se como uma espécie de opção, escolha ou vontade de alguns, o que resulta na construção de carreiras criminais, é justamente porque, em algum momento, as leis deixaram de ser aplicadas.
(ADORNO, Sérgio [Trecho citado]. In: PERES, Maria F.; CARDIA, Nancy; SANTOS, Patrícia C. Homicídios de crianças e jovens no Brasil: 1980-2002. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência/Universidade de São Paulo, 2006. p. 31)

Uma das particularidades mais relevantes dos jovens cujos estilos de vida são mais marcados pelo risco é a sua recorrente subestimação e o reforço da sua atração. Sistematicamente verificamos que os jovens mais envolvidos nos comportamentos de risco tendem a não reconhecer ou a subestimar a sua periculosidade e as suas implicações em termos de saúde. O risco apresenta-se muitas vezes como atrativo e as possíveis consequências negativas, que a surgirem apenas se manifestarão, em muitos casos, muito mais tarde, são ignoradas. Por isso se verificou uma relação negativa entre os comportamentos de risco e a preocupação e o empenho face ao futuro. Subjacente à postura de risco perfilha-se muitas vezes uma atitude hedonista voltada para as gratificações que a ação no presente pode proporcionar.
(FERREIRA, Pedro M. Comportamentos de risco dos jovens. In: PAIS, José M. et al. Condutas de risco, práticas culturais e atitudes perante o corpo: resultados de um inquérito aos jovens portugueses. Oeiras: Celta, 2003. p. 166)


Questões:

1.   Qual é o seu entendimento sobre o tema trabalhado?
2.   Faça uma relação do texto com os conceitos estudados.
3.   Explique de forma contextualizada os conceitos estudados.
4.   Faça uma pesquisa sobre algumas análises de especialistas a respeito dos assuntos abordados neste texto. Destaque os variados pontos de vista e argumentos pesquisados e, ao final, elabora um texto dissertativo.
5.   Os dados analisados mostraram que as formas de violência que levam à morte atingem adolescentes e jovens, especialmente de 15 a 24 anos, de forma diferente conforme a região do país, a cor da pele e o sexo. Para pensar de que maneiras essas questões estão relacionadas, sugerimos que os alunos realizem uma atividade de reflexão com base no que foi discutido em sala de aula e nos seguintes textos, a fim de produzirem uma dissertação sobre: Que fatores contribuem para as altas taxas de mortalidade por causas externas entre jovens? Justifique sua resposta.




[1] As causas externas de mortalidade “possibilitam a classificação de ocorrências de óbitos por lesões, envenenamentos e outros efeitos adversos”. (IBGE. Conceitos. Disponível em: . Acesso em: 3 dez. 2013.)
[2] Adotamos o critério da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para definir a faixa etária que compreende os adolescentes e os jovens: 15 a 24 anos.
[3] Fonte: Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Ministério da Saúde,2006.


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