Se for feito com Temer o que a oposição fez com ela, temos muito a temer.
Sócrates (469 a.C-399 a.C) foi um filósofo da antiga Grécia, Jesus dividiu a historia humana em duas metades, antes e depois dele e Dilma é a primeira mulher presidenta do Brasil. São muito diferentes, entretanto existem algumas semelhanças entre esses personagens: os três foram condenados.
O que fez Sócrates para ser condenado? Quais foram seus crimes? “Corrompe a juventude”, afirmavam seus opositores. Ora, em que consiste essa “corrupção da juventude”?. Muito simples: perambulava pelas praças de Atenas e dialogava com as pessoas, ensinando-as a pensar, a usar o próprio raciocínio, a não se deixar levar pelo que dizem os outros (pela Globo da época, Veja, Isto é, etc.) e não ser “Maria vai com as outras”. A maiêutica nada mais é do que “parir” ideias. É bom lembrar que a mãe de Sócrates era uma parteira, ajudava as mulheres a arte do parto, a arte de dar a luz, de trazer para o convívio humanoos bebês que tinham cumprido o tempo no ventre materno. E Sócrates, filho dessa mulher, enquanto filósofo, ajudava as pessoas, especialmente os jovens, a “parir” ideias. Esse era o crime cometido por ele, pelo qual ele foi condenado democraticamente a “beber a taça de cicuta”, que em poucos minutos o levou à morte. Pensar sempre foi, e continua sendo, um problema, especialmente para os políticos. A Casa Grande da época sabia disso, como a de hoje.
Jesus também foi condenado, num duplo julgamento, do Sinédrio e do poder político de Roma. Primeiro foi condenado pelos representantes do poder religioso. Qual o crime cometido por Jesus? Apresentar, na sua prática, um projeto“de casa, pão e palavra” para todos, a começar pelos mais excluídos. Isso era impensável, na opinião dos judeus. Terminaria implodindo o sistema religioso como um todo, incluído o Templo de Jerusalém.
Depois foi condenado covardemente pelo poder político, onde Pilatos simplesmente lavou as mãos entregando o acusado a ser crucificado. Um projeto que priorize casa, pão e palavra para todos, onde é que se viu? Isso é impensável, só cabe na cabeça de pessoas que querem acabar com o nosso modo de vida, pensavam os opositores da ordem e dos bons costumes judaicos. É melhor que morra um antes que o coletivo seja prejudicado.
Dilma também está sendo condenada. Primeiro foi condenada na Avenida Paulista por uma turba de gente “branca”, o Brasil dos ricos, a Casa Grande, que não tolera que as políticas públicas favoreçam prioritariamente as classes populares. Que os excluídos possam ter “casa, pão e palavra”, isso é impensável. Só passa pela cabeça de Lula e Dilma, cuja memória deve ser banida, pois são dois elementos perigosos e perturbadores da “ordem e progresso”. Que os filhos dos pobres possam frequentar as universidades e que o aeroporto vire rodoviária: isso é crime, quem fez isso deve ser condenado.
Na realidade, não é a Dilma que está em jogo, mas o que ela significa, vale dizer,a democracia, a Constituição, o projeto que ela acalenta e coloca em prática. Ao mesmo tempo, importa entender que ela é a primeira mulher na história do Brasil - antes tinha sido um torneiro mecânico - a ocupar o cardo de Presidente da República. Este fato é intolerável para a Casa Grande.
Na época da ditadura militar o ministro da economia dizia que, primeiro, o bolo econômico tinha que crescer, só depois seria possível repartir. Com Lula, o bolo se repartiu e cresceu. Ao mesmo tempo. Isto a Casa Grande não pode tolerar, na primeira oportunidade ela revida. E o momento é agora.
Por outro lado, depois das últimas eleições, o Brasil ficou dividido. Inicialmente eu pensava que o tempo curaria as feridas, isto não aconteceu. Ao contrário, hoje parece que a ”marolinha” emocional virou um tsunami. Talvez, as duas palavras que melhor possam definir o momento político que vivemos são o ódio e a ambição. O ódio perpassa o tecido social do país, com tanta intensidade que se alguém declararpublicamente suas preferências políticas, desperta nos outros os piores sentimentos a ponto de querer eliminá-lo, como quiseram fazer com Chico Buarque, em São Paulo. Significa que estamos num momento de trevas, que estamos regredindo:no confronto de opiniões, a última referência não é mais a palavra, o diálogo, mas a lei do mais forte que prevalece, a lei do Cu-nha. Ao lado do ódio, o outro sentimento que habita o espaço público é a ambição.
A Assembléia dos Deputados, quando da abertura do processo de impcheament, foi o momento máximo de expressão deste sentimento: os deputados mais pareciam um grupo de crianças brigando e olhando para o próprio narcisismo do que preocupados com o interesse coletivo do Brasil. O mesmo fenômeno se repetiu no Senado, quando os ilustres mandatários exibiram um comportamento de “manada”, ávidos de tomar o lugar de Dilma, mesmo que para isso fosse necessário “inventar” um embasamento jurídico que inexiste no processo que corre no Senado contra ela.
Sempre foi mais fácil apontar os defeitos dos outros do que reconhecer os próprios, sempre foi mais fácil apontar com o dedo as possíveis falhas do vizinho do que fazer uma saudável autocrítica. Isto aconteceu contra Sócrates, aconteceu contra Jesus e está acontecendo,agora, contra Dilma.
Pela triste lógica dos fatos, Dilma é o “bode expiatório” do momento: de todas as coisas ruins do péssimo momento que atravessamos ela é a “culpada”. É verdade que ela cometeu erros, é verdade que a situação política e econômica é muito ruim. Ela, de fato, não governou. Ou melhor, a oposição não a deixou governar. Se for feito com Temer o que a oposição fez com ela, temos muito a temer.
Dizem que Fortuna escolheu os lugares reservados,na linha do tempo, para os acusados e para os acusadores: a estes é concedido um minuto de glória e depois o esquecimento para sempre no Ades, já para os primeiros,após um minuto de muito sofrimento, o lugar dos heróis.
Manuel Losada é psicanalista e professor universitário.
Disponível em http://www.carosamigos.com.br/index.php/artigos-e-debates/6798-socrates-jesus-e-dilma, acesso em 16.05.2016 às 11h07