Sociologia - Criminalização dos Movimentos Sociais
Embora assegurado pela Constituição Federal de 1988, as inúmeras demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, resultantes das mobilizações populares, sofre um processo de criminalização. Pois, ao incorporar algumas das aspirações populares, a CF/1988 recebeu legitimidade política e se apresentou como a Constituição Cidadã.
Mas, em se tratando dos direitos da classe trabalhadora, numa sociedade regida pelos interesses do capital, não basta assegurar os direitos na forma de lei. É preciso criar condições e mecanismos para que, na ação política, o direito já declarado constitucionalmente se transforme num direito real, em benefício da classe trabalhadora. Já, a classe dominante busca, principalmente com sua influência econômica e política sobre o aparato legislativo e jurídiciário, reverter a derrota sofrida em 1988 e assegurar o direito absoluto da propriedade privada.
É nesse contexto, de impedir que um direito já assegurado pela Constituição Federal se transforme num direito real, é que deve ser visto essa ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária. É a força da ideologia antidemocrática que se posiciona contra a atuação política e a própria existência dos movimentos sociais.
Essas forças políticas conservadoras são incapazes de admitir que o “o grau de legitimidade que um sistema político reconhece aos grupos sociais define o grau da democracia de uma sociedade” (SIMONETTI FILHO, Irineu João. Movimentos Sociais: criminalização e estado de necessidade. Jan/2009) uma vez que o ideário a da democracia nunca esteve presente no horizonte da classe dominante brasileira. O fato de o desenvolvimento econômico brasileiro ter sido alicerçado nas demandas do mercado externo e ter sido promotor da crescente desigualdade social, exigiu – com exceções de breves períodos históricos – uma permanente repressão aos movimentos sociais. Basta lembrar que no modelo de desenvolvimento econômico agroexportador (1500 -1930) foram quatro séculos de trabalho escravo. E depois da Abolição da Escravatura (1888), às condições de trabalho e de vida a que eram submetidos os camponeses pobres vindos da Europa em muito pouco se diferenciavam às do trabalho escravo. E, aos trabalhadores urbanos restavam a repressão policial, prisões, assassinatos e deportação aos seus países de origem. Não é sem razão que durante o período da República Oligárquica (1889-1930) a questão social é tratada como caso de polícia.
Mesmo o período de industrialização (1930-1980) ocorre, na maior parte do tempo, sob regimes ditatoriais: entre a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984), houve o governo de Gaspar Dutra (1946-1951) que se notabilizou pelas leis anti-greves, por combater o movimento sindical autônomo e ao colocar, mais uma vez, na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB). É nesse cenário de repressão aos movimentos sociais que o Brasil completou seu ciclo de industrialização, tornou-se uma das maiores potências capitalistas, mas aumentou sua dependência externa e a desigualdade social.
Agora, a partir da década de 1990, uma redefinição do mundo do trabalho e da produção capitalista impôs aos países do hemisfério sul, com a conivência dos seus governos, a necessidade de novamente se transformar numa plataforma de exportação dos produtos agropecuários, florestais e os minérios. Assim, mais uma vez, nossas riquezas naturais, o trabalho do povo brasileiro e a política econômica do país estão voltados para atender as demandas dos países ricos, integrar o mercado capitalista de forma subordinada e assegurar a concentração da riqueza e da renda há uma pequena minoria da população brasileira.
O agronegócio, hegemonizado pelo capital financeiro, empresas transnacionais e grandes proprietários rurais, e que hoje domina a agricultura brasileira e dita políticas ao governo, é a melhor síntese do papel que o sistema capitalista relegou ao nosso país no cenário mundial. Nossas melhores terras estão sendo destinadas para gigantescas extensões dos monocultivos da cana de açúcar, eucaliptos e soja. Toneladas e toneladas de minérios saem todos os dias do país – com outras riquezas minerais agregadas – a preços ínfimos e retornam como produtos industrializados e com valor econômico agregado. Assim, ditado pelas demandas do mercado externo e assegurado por significativos financiamentos governamentais, o agronegócio tornou-se um polo dinâmico da economia brasileira.
Mas, tanto nas áreas de monocultivos, seja qual for, quanto nas regiões de extração mineral, é crescente a pobreza, as pequenas comunidades rurais são destroçadas e se comete uma verdadeira depredação ambiental criminosa. E na medida em que essas contradições entre os interesses do capital e da população se agudizam e na medida em que a competição internacional exige uma exploração maior da mão-de-obra, os que lucram com o modelo do agronegócio não hesitam em recorrer à violência para impor seus interesses. Por isso, o relatório de 2009 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre a violência no campo, atesta que o trabalho escravo tem crescido mais exatamente na região, a sudeste, em que o agronegócio está mais bem estruturado. Repete-se, com o agronegócio, a prática histórica de que os polos mais dinâmicos da acumulação capitalista, apresentados aos olhos da população como modernos, são também os maiores promotores da violência contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais.
No caso específico da Reforma Agrária, as terras agrícolas que não cumpriam a função social e deveriam ser destinadas ao assentamento de famílias de trabalhadores rurais sem terras, agora são disputadas pelo agronegócio, que quer expandir sua área produtiva, motivado pela voracidade insaciável e irracional do mercado internacional. Em nome de cumprir a função social da terra, usando como único elemento a produtividade agrícola da área, justifica-se uma nova onde de concentração fundiária em mãos de latifundiários brasileiros e de grupos estrangeiros. À população excluída desse modelo agrícola não lhe resta nenhuma alternativa, uma vez que o agronegócio ocupa pouca mão-de-obra e a economia urbana já não absorve mais os contingentes populacionais vindos do campo. Resta apenas a alternativa de lutar pela reforma agrária.
E ao lutar pela reforma agrária, são criminalizados, numa ação conjunta de setores do poder judiciário, poder legislativo, mídia e o aparato repressivo do Estado. Ao criminalizar, não basta punir as pessoas que fazem a luta. É preciso, também, deslegitimar os movimentos sociais e tirar dos trabalhadores, se possível sem violência física, o direito de serem sujeitos políticos.
O objetivo da criminalização é criar as condições legais, e se possível legitimas perante a sociedade, para:
a) impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas;
b) restringir, diminuir ou dificultar o acesso às políticas públicas;
c) isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade;
d) e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.
Os porta-vozes dessa política de criminalização são, geralmente, os parlamentares ainda associados ao latifúndio improdutivo, respaldo por sua história de violência e de crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. Essa bancada ruralista não hesita em levantar as bandeiras mais atrasadas, antissociais e de depredação ambiental. Já bancada do agronegócio, se preserva, diante dos olhos da sociedade, aparecendo sempre como mais racional, menos violenta, e mais sensível aos apelos da sociedade e aos problemas ambientais. Ambas as bancadas, são duas faces da mesma moeda: defendem o modelo agrícola do agronegócio e estruturam ainda mais domínio de uma elite brasileira tão bem caracterizada por Florestan Fernandes ao defini-la como antissocial, antinacional e antidemocrática.
Aos movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária cabe continuar se organizando e lutando o para assegurar conquistas políticas e econômicas que lhes dê condições dignas de vida. E, ao mesmo tempo, terão que qualificar o relacionamento com a sociedade para enfrentar e derrotar essa nova ofensiva da ideologia antidemocrática que insiste em transformar esse país numa grande fazenda agroexportadora.
São Paulo, janeiro de 2010.
Fonte: A cartilha “A ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais no Brasil” é uma publicação da Via Campesina Brasil.
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Embora assegurado pela Constituição Federal de 1988, as inúmeras demandas da classe trabalhadora e dos movimentos sociais, resultantes das mobilizações populares, sofre um processo de criminalização. Pois, ao incorporar algumas das aspirações populares, a CF/1988 recebeu legitimidade política e se apresentou como a Constituição Cidadã.
Mas, em se tratando dos direitos da classe trabalhadora, numa sociedade regida pelos interesses do capital, não basta assegurar os direitos na forma de lei. É preciso criar condições e mecanismos para que, na ação política, o direito já declarado constitucionalmente se transforme num direito real, em benefício da classe trabalhadora. Já, a classe dominante busca, principalmente com sua influência econômica e política sobre o aparato legislativo e jurídiciário, reverter a derrota sofrida em 1988 e assegurar o direito absoluto da propriedade privada.
É nesse contexto, de impedir que um direito já assegurado pela Constituição Federal se transforme num direito real, é que deve ser visto essa ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária. É a força da ideologia antidemocrática que se posiciona contra a atuação política e a própria existência dos movimentos sociais.
Essas forças políticas conservadoras são incapazes de admitir que o “o grau de legitimidade que um sistema político reconhece aos grupos sociais define o grau da democracia de uma sociedade” (SIMONETTI FILHO, Irineu João. Movimentos Sociais: criminalização e estado de necessidade. Jan/2009) uma vez que o ideário a da democracia nunca esteve presente no horizonte da classe dominante brasileira. O fato de o desenvolvimento econômico brasileiro ter sido alicerçado nas demandas do mercado externo e ter sido promotor da crescente desigualdade social, exigiu – com exceções de breves períodos históricos – uma permanente repressão aos movimentos sociais. Basta lembrar que no modelo de desenvolvimento econômico agroexportador (1500 -1930) foram quatro séculos de trabalho escravo. E depois da Abolição da Escravatura (1888), às condições de trabalho e de vida a que eram submetidos os camponeses pobres vindos da Europa em muito pouco se diferenciavam às do trabalho escravo. E, aos trabalhadores urbanos restavam a repressão policial, prisões, assassinatos e deportação aos seus países de origem. Não é sem razão que durante o período da República Oligárquica (1889-1930) a questão social é tratada como caso de polícia.
Mesmo o período de industrialização (1930-1980) ocorre, na maior parte do tempo, sob regimes ditatoriais: entre a ditadura de Getúlio Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984), houve o governo de Gaspar Dutra (1946-1951) que se notabilizou pelas leis anti-greves, por combater o movimento sindical autônomo e ao colocar, mais uma vez, na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB). É nesse cenário de repressão aos movimentos sociais que o Brasil completou seu ciclo de industrialização, tornou-se uma das maiores potências capitalistas, mas aumentou sua dependência externa e a desigualdade social.
Agora, a partir da década de 1990, uma redefinição do mundo do trabalho e da produção capitalista impôs aos países do hemisfério sul, com a conivência dos seus governos, a necessidade de novamente se transformar numa plataforma de exportação dos produtos agropecuários, florestais e os minérios. Assim, mais uma vez, nossas riquezas naturais, o trabalho do povo brasileiro e a política econômica do país estão voltados para atender as demandas dos países ricos, integrar o mercado capitalista de forma subordinada e assegurar a concentração da riqueza e da renda há uma pequena minoria da população brasileira.
O agronegócio, hegemonizado pelo capital financeiro, empresas transnacionais e grandes proprietários rurais, e que hoje domina a agricultura brasileira e dita políticas ao governo, é a melhor síntese do papel que o sistema capitalista relegou ao nosso país no cenário mundial. Nossas melhores terras estão sendo destinadas para gigantescas extensões dos monocultivos da cana de açúcar, eucaliptos e soja. Toneladas e toneladas de minérios saem todos os dias do país – com outras riquezas minerais agregadas – a preços ínfimos e retornam como produtos industrializados e com valor econômico agregado. Assim, ditado pelas demandas do mercado externo e assegurado por significativos financiamentos governamentais, o agronegócio tornou-se um polo dinâmico da economia brasileira.
Mas, tanto nas áreas de monocultivos, seja qual for, quanto nas regiões de extração mineral, é crescente a pobreza, as pequenas comunidades rurais são destroçadas e se comete uma verdadeira depredação ambiental criminosa. E na medida em que essas contradições entre os interesses do capital e da população se agudizam e na medida em que a competição internacional exige uma exploração maior da mão-de-obra, os que lucram com o modelo do agronegócio não hesitam em recorrer à violência para impor seus interesses. Por isso, o relatório de 2009 da Comissão Pastoral da Terra (CPT), sobre a violência no campo, atesta que o trabalho escravo tem crescido mais exatamente na região, a sudeste, em que o agronegócio está mais bem estruturado. Repete-se, com o agronegócio, a prática histórica de que os polos mais dinâmicos da acumulação capitalista, apresentados aos olhos da população como modernos, são também os maiores promotores da violência contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais.
No caso específico da Reforma Agrária, as terras agrícolas que não cumpriam a função social e deveriam ser destinadas ao assentamento de famílias de trabalhadores rurais sem terras, agora são disputadas pelo agronegócio, que quer expandir sua área produtiva, motivado pela voracidade insaciável e irracional do mercado internacional. Em nome de cumprir a função social da terra, usando como único elemento a produtividade agrícola da área, justifica-se uma nova onde de concentração fundiária em mãos de latifundiários brasileiros e de grupos estrangeiros. À população excluída desse modelo agrícola não lhe resta nenhuma alternativa, uma vez que o agronegócio ocupa pouca mão-de-obra e a economia urbana já não absorve mais os contingentes populacionais vindos do campo. Resta apenas a alternativa de lutar pela reforma agrária.
E ao lutar pela reforma agrária, são criminalizados, numa ação conjunta de setores do poder judiciário, poder legislativo, mídia e o aparato repressivo do Estado. Ao criminalizar, não basta punir as pessoas que fazem a luta. É preciso, também, deslegitimar os movimentos sociais e tirar dos trabalhadores, se possível sem violência física, o direito de serem sujeitos políticos.
O objetivo da criminalização é criar as condições legais, e se possível legitimas perante a sociedade, para:
a) impedir que a classe trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas;
b) restringir, diminuir ou dificultar o acesso às políticas públicas;
c) isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade;
d) e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.
Os porta-vozes dessa política de criminalização são, geralmente, os parlamentares ainda associados ao latifúndio improdutivo, respaldo por sua história de violência e de crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. Essa bancada ruralista não hesita em levantar as bandeiras mais atrasadas, antissociais e de depredação ambiental. Já bancada do agronegócio, se preserva, diante dos olhos da sociedade, aparecendo sempre como mais racional, menos violenta, e mais sensível aos apelos da sociedade e aos problemas ambientais. Ambas as bancadas, são duas faces da mesma moeda: defendem o modelo agrícola do agronegócio e estruturam ainda mais domínio de uma elite brasileira tão bem caracterizada por Florestan Fernandes ao defini-la como antissocial, antinacional e antidemocrática.
Aos movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária cabe continuar se organizando e lutando o para assegurar conquistas políticas e econômicas que lhes dê condições dignas de vida. E, ao mesmo tempo, terão que qualificar o relacionamento com a sociedade para enfrentar e derrotar essa nova ofensiva da ideologia antidemocrática que insiste em transformar esse país numa grande fazenda agroexportadora.
São Paulo, janeiro de 2010.
Fonte: A cartilha “A ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais no Brasil” é uma publicação da Via Campesina Brasil.
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