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Acumulação segundo Karl Marx

“Acumular, acumular! Essa a lei de Moisés e dos profetas!” (O Capital, I, cap. XXIV).

Com essas palavras, Marx revela o que, em sua análise, constitui o imperativo mais importante, ou af orça motriz, da sociedade burguesa. Apesar da metáfora religiosa, ele não considera a acumulação como o resultado da ascensão de uma ética protestante da parcimônia e da austeridade como pretende Weber. Nem é a acumulação o resultado da abstinência por parte de quem busca satisfazer uma preferência subjetiva pelo CONSUMO futuro às expensas do consumo presente, como afirma a economia neo-clássica burguesa que se baseia na teoria da utilidade. Para Marx, um dos aspectos essenciais do CAPITAL é o de que ele tem que ser acumulado, independentemente das preferências subjetivas ou das convicções religiosas dos capitalistas tomados individualmente.

A pressão sobre os capitalistas particulares se processa por meio do mecanismo da
CONCORRÊNCIA. Como o capital é VALOR que se expande a si mesmo, seu valor deve, pelo menos, ser preservado. Por força da concorrência, a mera preservação do capital é impossível sem que ele ao mesmo tempo se expanda. Em diferentes etapas do desenvolvimento da produção capitalista, o
mecanismo da concorrência opera de modos diversos. Inicialmente, a acumulação se faz por meio da
transformação das relações de produção (ver ACUMULAÇÃO PRIMITIVA ) para que se crie o trabalho assalariado, ao passo que os métodos de produção continuam os mesmos. Diante de métodos de produção ainda muito pouco desenvolvidos, herdados e adaptados de sociedades pré-capitalistas, a acumulação é necessária para assegurar a expansão da força de trabalho, para proporcionar-lhe matérias-primas e permitir economias de escala na supervisão do trabalho.

Para a MANUFATURA, a acumulação é necessária de modo a permitir emprego do trabalho em proporções adequadas na COOPERAÇÃO e na DIVISÃO DO TRABALHO. Com a MAQUINÁRIA E A
PRODUÇÃO MECANIZADA, a acumulação proporciona o capital fixo necessário e expande o uso das matérias-primas e do trabalho associados a esse capital fixo.

Mas a acumulação não é simplesmente uma relação entre a produção e a capitalização da MAIS-VALIA. É também uma relação de reprodução. Os aspectos relacionados com a CIRCULAÇÃO do capital são examinados por Marx no livro segundo de O Capital e, em menores proporções, no livro
primeiro. A reprodução é inicialmente analisada por Marx como reprodução simples, na qual o valor e a mais-valia permanecem inalterados, como base para a análise da reprodução ampliada, da qual
pode resultar, ou não, a COMPOSIÇÃO ORGÂNICA DO CAPITAL. Em cada caso, uma proporção definida deve ser estabelecida em termos de valor e de VALOR DE USO entre os setores da economia, o que é
examinado nos esquemas de reprodução (ver REPRODUÇÃO, ESQUEMAS DE).

No livro terceiro de O Capital, Marx analisa a acumulação do ponto de vista da DISTRIBUIÇÃO (e da redistribuição) da mais-valia e do capital. Nas etapas iniciais de desenvolvimento, a base da
acumulação está na concentração do capital. Em etapas posteriores, a centralização (ver CENTRALIZAÇÃO E CONCENTRAÇÃO DO CAPITAL) é o método predominante, pelo qual é organizado o
uso de quantidades cada vez maiores de capital. Isso pressupõe um avançado sistema de crédito.

Enquanto o objetivo da acumulação é o aumento da produtividade, o mecanismo para a sua realização opera por meio do acesso ao crédito. Em consequência disso, cria-se uma divergência entre a acumulação do capital na produção e a acumulação do capital no sistema financeiro. É essa a base do capital fictício e pode levar à intensificação das CRISES ECONÔMICAS quando a acumulação deixa de superar os obstáculos à continuidade da expansão da produção de mais-valia. Além disso, a centralização do capital e o ritmo desigual da própria acumulação associam-se ao DESENVOLVIMENTO DESIGUAL das economias e das sociedades. Assim sendo, o processo de acumulação não é nunca
apenas um processo econômico, mas compreende também o desenvolvimento geral das relações sociais, o que inclui, por exemplo, o COLONIALISMO, o imperialismo e as diversas e sempre transformadas funções do ESTADO, como sempre ressaltou a tradição marxista (ver IMPERIALISMO E
MERCADO MUNDIAL).

Para Marx, o processo de acumulação não seria nunca uma expansão contínua,
harmoniosa ou simples. Eventualmente será interrompido por crises e recessões. Mas os obstáculos à acumulação de capital nunca são absolutos; dependem da intensificação das contradições do
capitalismo, que podem ser resolvidas temporariamente, permitindo uma nova fase de expansão.

Marx faz a análise do desenvolvimento dessa intensificação das contradições, ao nível econômico, em termos da lei da TENDÊNCIA DECRESCENTE DA TAXA DE LUCRO , baseada na composição orgânica
crescente do capital e em contradição com as influências que atuam no sentido de sua neutralização.

Marx distingue-se, nesse aspecto, de David Ricardo, para o qual a lucratividade decrescente depende do declínio da produtividade na agricultura, e de Adam Smith, para o qual o alcance limitado do mercado é fundamental.

Marx dedica considerável parte de sua análise econômica aos efeitos e formas do processo de acumulação, de que faz uma abordagem tanto lógica quanto empírica. Nesse sentido, formula leis relativas ao próprio PROCESSO DE TRABALHO, distinguindo entre diferentes fases de desenvolvimento dos métodos de produção, e examina também os efeitos da acumulação sobre a classe operária.

Como a introdução da maquinaria e da produção mecanizada, outros métodos de produção são forçados a recorrer a formas extremas de EXPLORAÇÃO para continuarem competitivos. A própria
produção mecanizada cria um EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA e, com ele, a Lei Geral da Acumulação Capitalista: “O mecanismo da produção capitalista e da acumulação adapta continuamente esse número (de trabalhadores) e essas necessidades (de expansão do capital). O
começo desse ajustamento é a criação de uma superpopulação relativa ou de um exército industrial de reserva, e o fim a miséria de camadas cada vez maiores do exército ativo e o peso-morto do pauperismo” (O Capital, I, cap.XXIII, seção 4). Quanto ao mais, a classe operária tende a perder cada vez mais qualquer tipo de habilitação e de domínio de um ofício profissional, ficando sujeita aos ditames da maquinaria, mesmo quando suas forças se organizam melhor para resistir à acumulação por meio da formação de sindicatos.

Na tradição marxista, a necessidade da acumulação de capital foi enfatizada pelos que, como Lenin, argumentam que o monopólio é a intensificação, e não a negação, da concorrência. De um modo geral, porém, os autores marxistas tenderam a ressaltar um ou mais aspectos do processo de acumulação em detrimento da totalidade complexa. Os subconsumistas enfatizam a tendência à estagnação e acham que o monopólio desloca a concorrência e a pressão para investir.

Assim sendo, deficiências nos níveis de demanda do mercado tornam-se o centro da atenção (como ocorre na teoria keynesiana). Rosa Luxemburg é frequentemente citada nesse contexto, embora ela tenha conferido ênfase igualmente ao papel do militarismo. Mais recentemente, Paul Baran e Paul Sweezy
destacaram-se como representantes dessa linha de pensamento. Outros, na tradição neorricardiana ou sraffiana, seguem Marx, considerando a acumulação como axiomática, sem, contudo, explicar por
que, uma vez que não incorporam uma compulsão para acumular às suas análises.

A concorrência serve apenas para igualar taxas de lucro e salários. Estes últimos são então tomados como o foco da determinação do ritmo de acumulação, que é ameaçado quando os salários sobem, reduzindo a lucratividade na ausência de um aumento de produtividade.

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Por Ben Fine
Birkbeck College, Universidade de Londres

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Bibliografia:
Dobb, Maurice, Studies in the Development of Capitalism, 1946 (1963) [A evolução do capitalismo, 1980 e 1983]
Hilferding, Rudolf, Das Finanzkapital, 1910 (1955); Finance Capital (1981)
Jourdain, Gilles & Jacques Vallier, “Accumulation monopolistique, inflation rampante et inflation”, 1970
Luxemburg, Rosa, Die Akkumulation des Kapitals, 1913;
The Accumulation of Capital (1951) [A acumulação do capital, 1976]
Miglioli, Jorge, Acumulação de capital e demanda efetiva, 1982
Pires, Eginardo,
Valor e acumulação , 1979
Sweezy, Paul, The Theory of Capitalism Development, 1942 [Teoria do desenvolvimento capitalista,
1982].

FONTE: Dicionário do Pensamento Marxista, Tom Bottomore (editor); Laurence Harris, V.G. Kiernan, Ralhp Miliband (coeditores). Editora: ZAHAR

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