quarta-feira, 17 de maio de 2017

Socialização - filmes

Filmes sobre a socialização

Socialização é um conceito central na Sociologia e diz respeito à inserção dos indivíduos na sociedade. Apresentaremos a seguir três obras cinematográficas que trabalham essa questão


Por Fabricio Basílio* | Fotos: Shutterstock/Divulgação | Adaptação web Caroline Svitras
O garoto selvagem
O filme de Truffaut é uma história verídica, de um caso documentado daquilo que ficou conhecido entre psicólogos, médicos e sociólogos como criança selvagem, ou seja, que passou boa parte da vida distante de outros seres humanos. No filme, um garoto é encontrado vivendo na floresta e é capturado por caçadores, que o levam para a cidade, onde é constantemente açoitado por olhares civilizados, para em seguida ser trancafiado em uma cela. Quando dr. Jean Itard, vivido pelo próprio Truffaut, fica sabendo da existência de um menino selvagem, criado por animais, pede que o garoto seja transferido para sua clínica para surdos e mudos.

As cenas seguintes são articuladas de modo a evidenciar o estranho comportamento do jovem diante da sociedade regulamentada que o cerca. Primeiro notamos a recorrente atitude de morder quando se sente ameaçado, o que é mesclado com grunhidos. Depois, percebemos o gosto do personagem em manter uma postura curvada, quase como locomovendo-se em quatro patas, e por último vemos uma insistência em se debruçar para beber água de um rio.

Com sua chegada a Paris o “garoto selvagem” passa a ser chamado de Victor, ao mesmo tempo em que se torna objeto de estudo do dr. Itard. Victor é tido como mudo, ganha roupas, banhos quentes, unhas cortadas e aulas diárias. Enquanto isso, dr. Itard revela em seus manuscritos a intenção de ensinar o garoto a ouvir e ver, ao mesmo tempo em que corrige repetidamente a postura corporal de seu paciente. Em seguida, os ensinamentos passam para utilização de utensílios domésticos, como colheres, e o primeiro passeio com sapatos, tudo obviamente imposto à força. Mesmo assim dr. Itard revela o aumento da sensibilidade corpórea em Victor, que começa a utilizar roupas quando sente frio.


O grande objetivo de Itard é que Victor seja capaz de se comunicar por uso dos códigos estabelecidos na época, o que se faz por meio da identificação de objetos a partir de gravuras e inserção de uma placa contendo as letras do alfabeto, na qual precisa unir à legenda de cada letra uma peça de madeira de igual formato.

A cada façanha de seu paciente o doutor lhe fornece uma recompensa, um copo de água que Victor bebe muitas vezes olhando por uma janela com vista para o campo, que notoriamente remete a um raciocínio de liberdade perdida. Ao passo que os erros são duramente repreendidos com o enclausuramento em um armário escuro. Cercado por um projeto de aprendizagem baseado na repetição e na punição, Victor vai, pouco a pouco, se moldando aos ditames do enérgico professor. Porém, ainda resta ao jovem criado na floresta a vista de sua janela, e com ela a possibilidade de fuga e regresso.

Animações como recurso didático

Onde fica a casa do meu amigo?
A obra de Kiarostami trata da socialização no espaço da escola. Uma porta velha e enferrujada balança ao sabor do vento enquanto ouvimos o murmurinho de um grupo de crianças conversando. Um professor autoritário nos revela que estamos em uma sala de aula e, entre suas juras de punição severa às crianças, a ação de uma delas se tornará essencial para a construção do filme dirigido por Abbas Kiarostami: a expulsão de Mohammad Reza Nemarzadeh caso este esqueça o caderno de lições mais uma vez.

Enquanto Nemarzadeh chora perante as ameaças de punição, Ahmad acompanha calado, já que mesmo um arrastar de cadeiras é recriminado pelo professor. A aula termina e Ahmad, que agora descobrimos ser o protagonista do filme, chega em casa e sua mãe lhe pede para fazer a lição, ao mesmo tempo em que interrompe várias vezes a criança, ora para ele embalar um bebê que chora, ora para buscar fraldas dentro de casa. Surge um padrão de idas e vindas, sempre ritualizado pelo calçar e descalçar dos sapatos, que quando não alcançado é duramente repreendido pela avó de Ahmad.

Entre esses movimentos pendulares pelo interior e exterior da casa, Ahmad descobre estar com o caderno de Nemarzadeh. Preocupado, avisa a mãe que precisa entregá-lo, mas o que para a criança é uma situação de extrema importância, para sua mãe as palavras de Ahmad se configuram numa forma de iludi-la quanto à resolução das próprias lições de casa.


Às escondidas Ahmad sai de casa, levando embaixo da camisa o caderno do amigo. A partir desse ponto Kiarostami trabalha de forma primorosa a construção do espaço-tempo, contrapondo a descoberta de um novo território por uma criança aos entraves proporcionados pelo olhar adulto pouco afeito à sensibilidade. Nesse sentido é notória a sequência em que o avô interrompe o empenho de Ahmad com uma recriminação descabida, quando na verdade só queria que o neto lhe comprasse cigarros.

Quando a noite cai, Ahmad parece cada vez mais perdido em sua jornada e as novas vielas estreitas parecem cada vez mais com as anteriores, que de certo modo serializam a narrativa. Sobre isso Jean-Luc Nancy afirma que: “quanto ao essencial, Onde fica a casa do meu amigo? consiste numa série de variações sobre uma criança caminhando pelas ruas de um vilarejo”.
Ninguém pode saber
Akira e sua mãe estão de mudança, se apresentam aos novos vizinhos e depois sobem uma mala pesada com cuidado. Akira acaricia a mala enquanto carregadores arrastam um armário pesado. A mudança termina. A porta da frente é fechada e assim ela ficará durante grande parte do filme. Akira e sua mãe abrem uma das malas e espantosamente surge uma menina de vestido. Mais uma mala é aberta e, surpreendentemente, sai dela um menino que é parabenizado pela mãe por ter se mantido quieto durante tanto tempo. Mais tarde, quando todos do prédio parecem estar dormindo, Akira busca na estação sua outra irmã, que por ser mais velha nunca caberia em uma mala de rodinhas.

Baseado em fatos, o filme dirigido por Hirokazu Koreeda tem uma premissa consonante aos argumentos da mãe: apenas Akira pode sair de casa, enquanto seus outros três irmãos precisam ficar presos no apartamento e sem fazer barulho, pois a descoberta de que moram cinco pessoas no espaço pode levá-los a um novo despejo.


Com isso, a narrativa passa a acompanhar a rotina de Akira, entre compras no supermercado, arrumação da casa, preparo da comida e tempo nos estudos, ainda sobram energia ao garoto de esperar todos os dias sua mãe, que chega sempre tarde. Porém, essa rotina muda certa manhã, pois em uma mesa bagunçada Akira visualiza um envelope com dinheiro e um bilhete de sua mãe afirmando que passará um tempo fora.

A partir disso Ninguém pode saber lida com a ausência das figuras parentais e com o processo de maturidade precoce de Akira. O dinheiro deixado pela mãe é gasto aos poucos e mesmo com nenhuma das crianças frequentando a escola tudo é anotado e somado. No início a rotina solitária das crianças funciona graças a noções rígidas de disciplina incutidas pela mãe, mas após uma passagem rápida e as promessas de que voltaria no Natal, ela não será mais vista no filme.

Nesse sentido, é muito bem articulada a sequência em que Akira presenteia os irmãos com dinheiro forjando bilhetes que supostamente teriam sido escritos por sua mãe. Em outra cena o jovem presenteia o aniversário de cinco anos da irmã com um passeio noturno no qual a menina, há meses enclausurada, aproveita observando todos os produtos vendidos na rua.

Resenha do filme Trabalhar Cansa

A narrativa progride, o dinheiro vai cena a cena minguando, as roupas se rasgando e as contas atrasadas servindo de papel para desenhos coloridos. A presença de adultos no filme é relegada a situações no qual a falta de dinheiro se faz presente, como o cobrador que bate à porta ou a vizinha que abre a porta em busca do dinheiro do aluguel.

Koreeda mostra delicadeza na construção de planos e detalhes ao mesmo tempo em que sobrecarrega a narrativa com mais e mais acontecimentos, que se por um lado brindam o espectador com belos enquadramentos, por outro ameaça a verossimilhança da trama, que se segura no descaso humano visto apenas nas grandes metrópoles.
O conceito de socialização



Um dos principais autores da Sociologia, o alemão Georg Simmel re etiu com originalidade o tema da socialização

Émile Durkheim foi um dos primeiros autores a forjar o conceito de socialização em Sociologia; considerava o desenvolvimento conduzido pelos adultos daqueles que ainda não estão inseridos na vida em sociedade – portanto, algo específico do período da infância. Existiria uma vida organizada em sociedade, à qual os indivíduos deveriam ser integrados, uma vez que incorporavam os saberes e normas sociais vigentes, por intermédio de indivíduos “já socializados”, com a finalidade de manter a coesão e a ordem social.

Trazendo isso para os filmes em questão notamos como o adulto ou a ausência deste é relevante para o desenvolvimento de uma criança. Em O garoto selvagem, Victor tem sua frágil inserção na sociedade guiada pelo doutor e por seu método, já no filme de Kiarostami são as ameaças de um professor tirânico e o descaso dos adultos que fazem a narrativa do filme progredir.

Essa maneira de conceber as relações entre indivíduo e sociedade subsidiou o desenvolvimento do conceito de socialização em Georg Simmel (2006) para quem qualquer forma de interação entre seres humanos deve ser considerada uma forma de socialização. Nesse sentido, em Simmel, o ser humano como um todo é visto como um complexo de conteúdos, forças e possibilidades sem forma; com base nas suas motivações e interações do seu “estar-no-mundo mutante”, modela a si mesmo como uma forma diferenciada e com fronteiras definidas e, ao mesmo tempo, socializa-se.

*Fabrício Basílio é graduando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
E-mail: fabricio.cineuff@gmail.com
Adaptado do texto “A socialização no cinema”
Revista Sociologia Ciência & Vida Ed. 59

terça-feira, 2 de maio de 2017

LEI ÁUREA: UMA CONTRA REVOLUÇÃO BRASILEIRA

A História do Brasil é marcada por momentos de potenciais revoluções, que ora se desenvolvem em revoluções de fato (como em 1930), ora em uma articulação das classes dominantes no sentido contra-revolucionário – abortando, assim, a revolução no seu ventre, antes mesmo dela sair à luz da História.

A lei que pôs fim a instituição da escravidão, pode ser encarada como um desses episódios de contra revolução brasileira. Isto porque impediu a catarse[1]durante um clima de tensão social que pairava no Brasil às vésperas do 13 de maio.

A Lei Áurea, sancionada em 13 de maio de 1888.
A abolição do trabalho escravo no Brasil, um caso particular de mudança institucional ocorrido no final do século XIX, está inserida no processo de decomposição do regime monárquico. O império brasileiro reproduzia-se através de um regime escravista. Muitos dos que rebelaram-se contra o governos monárquicos eram também proprietários de gente. Os partidos de um modo geral defendiam a manutenção do trabalho escravo, salvo um ou outro parlamentar – ou algum revolucionário, como foi o caso de Cipriano Barata. A monarquia era contra a democracia e instável em todos os sentidos. Outra característica deste período era a corrupção parlamentar, já que o regime tinha uma natureza absoluta. Aqueles que mandavam tinham uma mentalidade política muito limitada, eram política e culturalmente virados para a Europa e de costas para a realidade brasileira.

Nelson Werneck Sodré (1989) mostrou que a monarquia estava realmente muito longe de ser um modelo de virtudes. Mas se a monarquia teve os seus limites, a república surgiu para evitar uma revolução, afinal
O que era válido em 1820 não era válido em 1880. O império era obsoleto. Tratava-se de mudar, de substituí-lo por outro regime, pela república. E, para isso, era preciso, mais uma vez, evitar a revolução, evitar que as reformas fossem profundas. E por tudo isso é que a república foi o que foi (p. 30).

Mais de uma vez, portanto, o governo brasileiro agiu para evitar uma revolução social, foi assim com a república e com a abolição do trabalho escravo com a “Lei Áurea”. Este ato do governo acabou com o sistema de escravidão, mas basta uma rápida busca na internet para descobrir que ainda hoje há trabalho escravo.

Na época em que o modo de produção brasileiro era predominantemente escravista, tínhamos também mão-de-obra livre, tínhamos capitalistas e homens-do-mato, e a complexidade de nossa História não para aí. O Brasil desenvolvia-se através de uma diversidade de processos de produção, aonde conviviam diferentes formações sociais com economias coletoras ou produtoras[2]. E os negros escravizados tinham consciência política, embora limitada por suas possibilidades de sobrevivência em uma sociedade escravista, além da impossibilidade quase absoluta de letramento. Mas eles se levantaram e foram mais longe do que os marxistas brasileiros de hoje. Se, como Sodré mostrou a partir de pesquisas documentais, que quem mandava era muitas vezes tão analfabeto quanto os trabalhadores escravizados, por que em nenhum livro da historiografia brasileira afirma-se que os brancos não tinham consciência política?[3]

Mesmo sem dominar a cultura letrada, os negros e outros subalternizados organizaram quilombos e, em situação semelhante, os parlamentares brasileiros criaram leis para reafirmar a sua autoridade. A Lei Áurea foi uma dessas leis, que deve ser entendida em um processo.

A lei [do ventre livre], reafirmava a autoridade dos senhores. Não libertava os escravos, apenas estabelecia condições para que essa liberdade fosse alcançada, após o cumprimento de determinadas exigências. Colocada no palco, numa fase de agitação e quando o fim do escravismo estava à vista, debilitava a resistência dos escravos e freava o ímpeto do movimento abolicionista que apenas se iniciava. Visava, particularmente quando as fugas de escravos se avolumava, a controlá-los e a fixá-los. Criava, para isso, o registro dos escravos e o fundo de emancipação (SODRÉ, 1989, p. 39).
Algumas destas leis, que eram para “ingleses verem”, obrigaram os trabalhadores a continuarem juridicamente escravizados mesmo depois de assinada a Lei Áurea, que foi uma importante lei trabalhista, e ao mesmo tempo uma lei extremamente conservadora: nós não a comemoramos.
A lei de locação de serviços, de 1879, como a do Ventre Livre e como a dos Sexagenários estabeleceram as condições para a extinção do trabalho escravo no Brasil. A chamada abolição, em 1888, já não entrava em detalhes, não impunha condições. Foi certamente a lei mais curta que o Império conheceu porque, na realidade, foi apenas o remate final, o acabamento de um longo e tortuoso processo. Tudo fora regulado antes. Não havia mais, mesmo, do que assinalar o fim do regime do trabalho escravo (SODRÉ, 1989, p. 41).
A dinâmica da civilização brasileira escravista é melhor compreendida a partir das várias formas de rebeldia negra, desde os quilombos, passando pelos tribunais e pelos parlamentos. No Brasil escravista todo africano era um potencial quilombola, pois a violência caracterizava este sistema no Brasil. A Coroa, como a sociedade escravista, não confiava no homem do mato, que tinha regimentos para disciplinar o seu trabalho, enquanto profissionais do regime. Defendemos que o corpo de homem do mato pode, também, ser percebido como uma forma de rebeldia contra a escravidão, pois há um “universo de contradições geradas pelo escravismo” (GUIMARÃES, 1988, p. 45). Ainda há, por exemplo, muitas pesquisas a serem realizadas sobre as relações entre a mineração clandestina e o homem do mato. Por outro lado, a alforria não implica em conquista de liberdade. O negro forro era considerado um homem livre? A alforria, poderá também consistir em um dos mecanismos de reprodução do sistema escravista?

Outros autores trataram sobre este fato da História brasileira como um processo, e mostram como a luta de classes estava se agudizando: a revolução estava a um passo de acontecer. O historiador americanista de ideologia marxista Caio Prado Junior, em seu livro “Evolução política do Brasil”, afirmou que no período imediatamente anterior a abolição, as fugas em massa e as revoltas, eram comuns nas fazendas do Brasil. Os negros que fugiam destas fazendas iam para os quilombos, potenciais focos guerrilheiros, não só contra a escravidão, mas como contra todo o regime político e econômico da época. Talvez, se a escravidão tivesse durado mais uns dois anos, iria ser derrubada por uma verdadeira revolução social – ao estilo da gloriosa Revolução Haitiana, distribuindo terras aos negros e mestiços pobres. D. Pedro II poderia ter sido degolado, ao invés de sair pomposa e calmamente do país, a bordo de um navio rumo a Paris. O próprio movimento abolicionista, que iniciou de forma muito moderada e conciliadora estava se radicalizando progressivamente na década de 1880.

Vejamos esta radicalização do movimento abolicionista. Dois nomes são importantes, podendo ser considerados abolicionistas radicais. São eles: Luis Gama e Silva Jardim.
Retrato de Luiz Gama

Luis Gama era negro, filho de uma relação de uma trabalhadora escravizada com um branco que o vendeu como escravo. Autodidata, foi membro da Força Pública (a polícia da época), escritor, jornalista e membro do Partido Liberal. Rompeu com este partido por suas políticas radicais sobre a abolição, causa pela qual lutava frequentemente, chegando a advogar em causa de muitos trabalhadores escravizados, libertando mais de 500!

Silva Jardim também era um abolicionista radical. Defendia uma verdadeira revolução popular para implantar a república e extinguir a escravidão do país.

Estes dois personagens são bem representativos no cenário social da década de 1880, pois são exemplos evidentes de que o movimento abolicionista estava se radicalizando (uma vez que o abolicionismo foi criado e difundido por monarquistas), e a longo prazo iria ajudar a provocar uma verdadeira revolução social, fruto de uma união de classes em luta. À medida que o abolicionismo foi escapando das mãos destes defensores da ordem monárquica, e ganhava contornos de revolução social, as elites anti-escravistas começaram a se mexer. Tentou-se de tudo para que a abolição fosse tranquila; para impedir que os guerrilheiros quilombolas varressem as elites do poder. Neste sentido, o império foi bem complacente com os abolicionistas moderados: era melhor conservar os dedos e perder os anéis dos que perder os anéis com os dedos! A monarquia decrépita decidiu agir em causa própria: adotou os conselhos dos cafeicultores que já não utilizavam a mão de obra escravizada, afastando os incômodos escravistas conservadores, para manter-se no poder. O tiro saiu pela culatra. A monarquia perdeu seus principais apoiadores: os escravistas, que agora bandearam para as fileiras republicanas – tornando-se republicanos “de última hora”. Ao mesmo tempo, se evitava uma sublevação popular.

Charge sobre a abolição.

As elites brasileiras são craques em abortar revoluções. Aprenderam isso em 1808, quando a família real desembarcou na costa do Brasil colônia, evitando uma revolta geral como as que ocorreram na América espanhola. Um cronista mexicano chegou a afirmar que o problema que os criollos tinham com o rei da Espanha, era que ele estava longe demais.... No Brasil o rei estava perto, não era preciso pegar em armas e se podia negociar olho no olho.

A Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, ganhou uma versão histórica de redenção. O império redentor, a princesa redentora. Pobres brasileiros, porque só se lembram de personagens históricos moderados (pra não dizer contra-revolucionários)....

Vimos que a História brasileira é repleta de temas instigantes, entre eles estão, com certeza, as contra-revoluções brasileiras, como o 13 de Maio; não apenas o golpe de 1964, em primeiro de abril, ou os governos federais petistas a partir de 2003. Com efeito, há de se considerar que a historiografia mais recente tem feito criticas a esta versão da abolição. Até mesmo o movimento negro no Brasil mudou a data do dia da Consciência Negra, de 13 de maio para 20 de novembro (morte do líder guerrilheiro Zumbi). Mas até esta historiografia tem seus limites. Em uma época como a nossa, quando o que parece ser novidade apenas reafirma os elogios concedidos à monarquia brasileira, os escritos clássicos estão muitos passos a frente em nossa evolução historiográfica que neste caso andou para trás.

O caso brasileiro de abolição do trabalho escravo representa uma diferença de nossa América em relação ao mundo europeu. Conforme Moses Finley, a partir dos Grundisse de Marx: “enquanto no Novo Mundo [América] a escravidão foi abolida, a escravidão antiga não o foi” (BOTTOMORE, 2012, p. 196).

Alerta!
Alvorada, 02 de junho de 2014


Notas:

[1]Uma revolução social tem o poder pedagógico de proporcionar a transição do saber própria de uma catarse, entendida como a “elaboração superior da estrutura em superestrutura na consciência dos homens” (GRAMSCI, 2006, p. 314).

[2]A ideia de concomitância de processos produtivos encontra-se em Caio Prado Junior e Nelson Werneck Sodré. A relação entre ambos produziu divergências e concordâncias. Sobre as diferenças entre economias coletoras e produtoras, ler KOSHIBA, 1994, p. 30.

[3] Apesar de notáveis qualidades e serviços prestados a historiografia brasileira, Sodré foi um dos autores que defenderam a inconsciência política dos negros rebelados: “Escravos e servos não tinham condições de consciência política e menos ainda possibilidade de participação” (SODRÉ, 1989, p. 51). Nesta mesma linha encontram-se Clóvis Moura, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso (GUIMARÃES, 1988).


Referências:


BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do pensamento marxista. 2ª Ed. Rio de Janeiro, 2012.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2013.

GRAMSCI, Antonio.Cadernos do Cárcere. Vol. 1. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2006.

GUIMARÃES, Carlos Magno. Anegação da ordem escravista. Quilombos em Minas Gerais
no Século XVIII. São Paulo: Ícone, 1988.

KOSHIBA, Luiz. O índio e a conquista portuguesa. 5ª Ed. São Paulo, Atual Editora, 1994.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.

_________. Evolução política do Brasil e outros estudos. São Paulo: Companhia das Letras,
2012.

SODRÉ, Nelson Werneck.A república (uma revisão histórica). Porto Alegre: Editora da
Universidade, 1989. 

_________. História da imprensa no Brasil. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011.

Sobre o Autor: 
Fábio Melo
Fábio Melo. Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Pesquisa sobre História Social da América e Educação na América (América Latina e Estados Unidos). Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w. Tem diversos textos escritos sobre educação, cultura e política. 
Sobre o Autor: 
Rafael Freitas
Rafael Freitas. Graduado em História na FAPA, Membro Permanente e fundador do Grupo de Estudos Americanista Cipriano Barata. Tem interesse de pesquisa em História Social da América e Tendências Pedagógicas Contra-hegemônicas. Produtor e radialista do programa "História em Pauta" na rádio 3w

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